Representando a Presidência da República, a Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) na noite desta quarta-feira, 28, pela continuidade das atividades da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) do Tribunal de Contas da União (TCU). O posicionamento atende pedido do ministro Edson Fachin, relator do processo em que o Partido Novo pede a extinção da pasta de mediação, assim como a anulação de todos os acordos já firmados.
A conclusão da AGU é de que caso o Supremo determine a extinção da SecexConsenso, “a Administração Pública Federal estará sendo privada de um excelente instrumento de resolução consensual de conflitos complexos, que atende aos ditames da transparência, segurança jurídica e eficiência”.
A Advocacia-Geral pede que, caso o Supremo entenda que as atividades do TCU devem ser interrompidas, haja uma modulação dos efeitos para que os acordos já firmados sigam valendo, “em prol da segurança jurídica”.
Contribuição do MCom
A manifestação da AGU reúne contribuições de advogados da União de diversas áreas. Ao consolidá-las, o texto destaca entre elas uma nota técnica da Consultoria Jurídica (Conjur) junto ao Ministério das Comunicações (MCom), que salienta haver respaldo na lei para a criação da SecexConsenso por prever espaços de consensualismo entre o Estado e agentes privados.
“O reconhecimento pela legislação de que o Estado pode celebrar acordos, tanto judiciais como extrajudiciais, parte da premissa de que essa pode ser uma forma mais eficiente para atingir o interesse público. Em outros termos, por meio de processos de negociação entre a Administração Pública e os particulares, busca-se chegar a decisões mais rápidas e eficazes para atingir os objetivos que, segundo a legislação, os órgãos e entidades públicas devem perseguir. Trata-se, de certo modo, de superar uma postura exacerbadamente dogmática em favor de uma visão mais pragmática da atuação da administração pública”, grifou a AGU.
Em anexo à manifestação geral ao STF, a AGU encaminha a íntegra da nota da Conjur do MCom, a qual explica que “os dois procedimentos de conciliação nos quais o Ministério das Comunicações participou, envolveram a adaptação dos contratos de concessão de STFC para autorização, pois “embora haja previsão legal expressa nesse sentido (arts. 144-A a 144-C da LGT), não havia ainda precedentes desse tipo de adaptação”, com isso, “além de ser algo inédito, pelo menos no setor de telecomunicações, a adaptação de concessão de STFC para autorização envolve análises complexas a respeito do valor econômico a ser convertido em investimentos, incluindo a precificação dos bens reversíveis”.
Para a Conjur, “a chancela do órgão de controle externo nesses casos serviria para proporcionar um nível de segurança jurídica maior tanto à própria adaptação como à definição do valor a ser convertido em investimentos, reduzindo substancialmente os riscos assumidos pelas partes envolvidas”. Ressaltou, ainda, que “a autocomposição tem o potencial de reduzir o custo da insegurança jurídica”.
“[…] nos dois casos em que houve a participação do Ministério das Comunicações em procedimentos de solução consensual de controvérsias perante o TCU, o acordo entre as partes foi obtido após um exaustivo processo de negociação com reuniões frequentes entre as partes, com a mediação do TCU, sem que a Corte de Contas tenha imposto aos órgãos e entidades do Poder Executivo a adoção de uma determinada solução”, consta na nota.
A Consultoria Jurídica do MCom complementa que o procedimento adotado no TCU “mitiga em larga medida os riscos de ‘negociações políticas incoerentes com a ideia republicana’ e de ‘sobreposição de interesses particulares sobre o interesse público’ que foram apontados na petição inicial [do Partido Novo]”.
Extrapolação e protagonismo
No processo contra a SecexConsenso, o Partido Novo entende que o TCU, ao estabelecer o “controle prévio” do órgão fiscalizador, estaria se distanciando de sua atividade constitucional de “órgão de controle externo de fiscalização concomitante e posterior ao exercício da atividade administrativa”, o que extrapolaria as atribuições previstas em lei.
Sobre tal alegação, a AGU reconhece que “desde longa data, a atividade de controle da Corte de Contas não resta adstrita ao controle ‘concomitante’ ou ‘posterior’”, mas que isso não significaria agir em desacordo com a lei.
“Para além dessas abordagens ditas ‘clássicas’, que, aliás, permanecem preservadas, já que não houve renúncia, e nem poderia haver, de qualquer atribuição constitucionalmente ou legalmente deferida ao TCU, [a Constituição Federal] indica que a competência para “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade”, encampa a possibilidade de implantação de outras mecânicas de atuação, inclusive aquelas de cunho conciliatório”, avalia a Advocacia-Geral.
A AGU também rebate a visão do Partido Novo de que a criação da SecexConsenso faria com que o TCU passasse a ter o protagonismo na formulação de políticas públicas, se misturando às funções típicas do Poder Executivo, o que seria contrário ao princípio da separação dos Poderes.
“[…] a presença dos órgãos e entidades federais em procedimentos de solução consensual de controvérsias disciplinadas pela IN 91/ 2022 [norma que disciplina as Soluções Consensuais], é facultativa. Do mesmo modo, não há óbice algum para que as conciliações ocorram diretamente entre as partes interessadas, sem a mediação do TCU, e, acaso optem pela participação do Tribunal, o acordo ali talhado somente será efetivamente celebrado caso as partes envolvidas entendam, autonomamente, que os termos definidos satisfazem suas legítimas expectativas”, observa o órgão.
Por fim, conclui que “dentro da lógica de funcionamento estabelecida pelo TCU, o seu corpo técnico exerce um papel de mediação e supervisão, de modo a garantir a regularidade e compatibilidade dos ajustes com o interesse público e o ordenamento jurídico, mas a posição de primazia está sempre reservada aos atores principais da divergência ou controvérsia que se pretende dirimir”.
Moralidade
AGU também rechaça a alegação de que as soluções consensuais do TCU estariam violando o princípio da moralidade. “O partido político requerente parte de premissas equivocadas para chegar a conclusões incorretas sobre o ‘aniquilamento de princípios republicanos e da própria moralidade que deve conduzir a atuação de qualquer agente público’ ou, ainda, de que os processos abertos perante a Corte de Contas passaram a ser vistos como uma ‘oportunidade de atender os interesses do governo de ocasião’”.
“Em contraposição às alegações autorais, percebe-se que o modelo desenhado pela IN 91/2022 foi pensado exatamente com vistas a inibir eventuais condutas de má-fé, prejudiciais ao interesse público, mediante a confecção de normas que priorizam o controle, a transparência e a supervisão dos atos procedimentais” acrescenta.
Por fim, o órgão entende que “o engessamento excessivo da atuação da gestão pública, a inação e a perpetuação de conflitos sem solução, também são situações que drenam recursos públicos e impactam negativamente a concretização do almejado interesse público, em prejuízo de toda a coletividade”.
Entenda o caso
A SecexConsenso foi criada no TCU no ano passado para mediar conflitos que envolvam o poder público, e se tornou uma via comum para acordos entre concessionárias e agências reguladoras. No setor de telecom, há solicitações de Solução Consensual em andamento para o fim da concessão de telefonia fixa, envolvendo o Ministério das Comunicações (MCom) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) nas tratativas com a Vivo e a Oi. Outras operadoras, Sercomtel e Algar, também estão na fila.
A constitucionalidade da SecexConsenso é objetivo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1183), movida pelo Partido Novo em julho, mesmo mês em que o governo manifestou, por meio de decreto, a necessidade da participação da Advocacia-Geral da União (AGU) nas Soluções Consensuais no âmbito do TCU. Naquele momento, a atuação da Corte também foi abordada por reportagens jornalísticas que enfatizaram os valores bilionários envolvidos nas mediações.
Inicialmente, o Executivo determinou que a Advocacia passaria a ter o papel de “autorizar” o ingresso dos entes públicos em mediações na Corte e também de opinar sobre os termos dos acordos. Por conta disso, as comissões de conciliação ficaram suspensas por algumas semanas no mês de julho, até a análise dos impactos.
Contudo, posteriormente, o governo recuou, revogando ainda no final do mês passado os dispositivos que tratavam especificamente da interferência da AGU nos processos do TCU. Apesar disso, a Corte já analisava a participação da Advocacia, o que ficou pacificado recentemente, com a intenção de editar a Intrução Normativa de criação da SecexConsenso para assegurar que ela seja notificada e possa encaminhar representantes nos próximos processos.