Principal aposta do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o momento para equilibrar as contas públicas, a agenda de recomposição de receitas deverá impor dificuldades adicionais para o cumprimento da regra de limite de gastos imposta pelo novo marco fiscal em um prazo mais longo.
A avaliação é de integrantes da própria equipe econômica da atual administração, que já veem na composição das despesas públicas (ou seja, a distribuição entre gastos obrigatórios e discricionários) como um dos grandes desafios para o Orçamento de 2025.
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A preocupação, segundo fontes ouvidas pelo InfoMoney, é que há uma tendência de cada vez mais as despesas obrigatórias ocuparem espaços no Orçamento Público — o que torna o cumprimento das regras fiscais cada vez mais difícil.
Isso ocorre porque despesas obrigatórias, por serem vinculadas e indexadas, normalmente têm uma trajetória de crescimento inercial superior ao ritmo permitido pelos próprios limites das regras fiscais, exigindo sacrifícios cada vez maiores do lado das despesas discricionárias para compensar.
Um retrato deste cenário está desenhado no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional. No documento, o Executivo estima R$ 231,2 bilhões em despesas discricionárias no ano que vem, contra R$ 2,118 trilhões das obrigatórias.
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As projeções chegam, na mesma ordem, a R$ 181 bilhões e R$ 2,509 trilhões em 2028. Em relação às despesas totais estimadas, a participação das discricionárias sai de 9,8% para 6,7% no período.
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Sendo assim, apesar de a agenda de aumento de receitas ajudar no fechamento das contas para o resultado primário no curto prazo, ela também traz “armadilhas” em um horizonte mais longo, permitindo um aumento maior de despesas (mas em grande medida abocanhado pelo crescimento das obrigatórias).
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Fontes da equipe econômica admitem que as medidas dificultam, a médio prazo, o cumprimento das regras fiscais estabelecidas, já que servem de trampolim para um aumento dos gastos (vale lembrar que, no arcabouço fiscal, é o comportamento das receitas que determina os próximos limites para despesas).
Como as obrigatórias sempre crescem a uma proporção maior, cresce a necessidade de corte das discricionárias, cada vez mais comprimidas. “É como se colocássemos cada vez mais água, e não leite, na receita”, explicou uma fonte.
Isso leva à percepção de que um olhar mais aprofundado sobre as despesas, para além do “pente-fino” recente, será inevitável. Segundo interlocutores do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento e Orçamento, a agenda de 2025 será definitivamente a de busca por uma boa composição das despesas.
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“Precisamos trabalhar a [despesa] obrigatória para não ter uma pressão violenta sobre a discricionária que leve a um risco de implodir o limite de gastos”, disse uma fonte.
“Se não tomarmos cuidado com a despesa obrigatória, vamos fazer os ministérios ficarem à míngua, com pouco espaço”, prosseguiu.
Dentro da equipe econômica, predomina uma avaliação otimista sobre o andamento do debate sobre revisão de despesas em nível interno. Segundo uma fonte que participa das discussões, aumentou a compreensão da ala política sobre a necessidade das medidas — e sobre própria viabilidade de aprovação de muitas delas.
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“Não há como sobreviver até 2026 sem encarar as despesas”, admitiu uma fonte com participação nas discussões. Para ela, soluções de curto prazo pelo lado das receitas deverão levar o país a um “precipício fiscal”. “É como cortar o cabelo ou as unhas para emagrecer”, afirmou.
Um mês atrás, a equipe econômica tentou incluir no projeto de lei complementar que institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), dispositivo que alterava o conceito de Receita Corrente Líquida na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), retirando dele receitas eventuais, sem caráter continuado. A mudança, porém, acabou retirada pelo relator da matéria, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), durante a tramitação no Senado Federal, a pedido da Casa Civil.
Apesar de frustrada a tentativa, membros da equipe econômica esperam uma nova “janela de oportunidade” para avançar com a discussão. O “cardápio” também conta com medidas que envolvem a desvinculação de benefícios temporários, como seguro-desemprego e auxílio-doença (hoje conhecido como benefício por incapacidade temporária), da regra de correção do salário mínimo.
O abono salarial, que consiste numa espécie de 14º salário para trabalhadores com remuneração de até 2 salários-mínimos mensais, também está na mira do governo por ser considerada política pública sem objetivo claro e regressiva (já que não atende as camadas mais vulneráveis da sociedade). Neste caso, o desafio é que qualquer mudança dependeria da aprovação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Para uma fonte da equipe econômica, no entanto, há ideias sendo “ventiladas para fora” cedo demais e sem a devida preparação do terreno para o debate — o que pode dificultar a construção de ambiente político favorável. Ela defende que se amadureça mais o debate internamente para que as ideias sejam lançadas em um momento mais adequado, passadas as turbulências das eleições municipais.
O governo projeta chegar ao final do ano com uma despesa primária girando em torno de 19% do Produto Interno Bruto (PIB), ante cerca de 20% atuais, em razão dos precatórios ─ patamar comparável aos momentos pré-pandemia, nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
Como as despesas só podem crescer até 2,5% acima da inflação e as expectativas do governo são de PIB acima deste patamar nos próximos anos, eles acreditam em uma dinâmica mais favorável para a dívida pública.
“Em termos de despesa pública em relação ao PIB, estamos num dos melhores mundos. Vamos fechar o ano e caminhar para 2025 em um dos menores patamares da história fiscal”, projetou uma fonte.