A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, que dá autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central (BC), será votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado logo após o segundo turno das eleições municipais. Seu avanço ocorrerá em paralelo a outro debate dos senadores envolvendo o futuro do BC, o que trata da confirmação do economista Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para suceder a Roberto Campos Neto à frente da instituição.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou no início do mês que a indicação de Galípolo, diretor de política monetária e número 2 do BC, para presidir a autoridade monetária será votada em 8 de outubro, após o primeiro turno de 2024. A votação da PEC, relatada por Plínio Valério (PSDB-AM) e que transforma a autarquia federal em empresa pública, ocorreria, então, no fim de outubro ou começo de novembro.
O Palácio do Planalto acompanha de perto as duas matérias, as quais considera fundamentais para a condução da politica econômica na segunda metade do mandato de Lula. A PEC amplia em definitivo a autonomia do BC, para além das esferas operacional e técnica, incluindo também a sua completa independência administrativa e financeira. Ela tem absoluta rejeição do governo e dos partidos de esquerda.
O senador Rogério Carvalho (PT-PB) apresentou, inclusive, um relatório alternativo (voto em separado) contrário à proposta. Há ainda um projeto, em análise na Câmara (PLP 19/2023), na direção oposta, para revogar a autonomia já exercida pelo BC. De autoria do deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), a matéria está em análise na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Casa.
Chamado por Lula de “menino de ouro”, Galípolo – que trabalhou na campanha do presidente, na transição de governo e como principal auxiliar do ministro da Fazenda, Fernando Haddad – tem buscado conquistar a confiança do mercado, após a série de ataques do chefe do Executivo a Campos Neto e aos juros altos. Além de votar em consonância com o resto da diretoria, o indicado também tem dado outros gestos em favor de sua blindagem.
Galípolo teria expressado apoio à PEC da autonomia do BC durante uma reunião com Plínio Velário, conforme informações divulgadas pelo senador à CNN Brasil. O economista, que passará por uma sabatina no Senado como parte do processo de confirmação para a presidência do BC, procurou os senadores para encontros individuais em seus gabinetes, uma fase conhecida como “beija-mão”.
Durante a conversa com Valério, Galípolo teria elogiado alguns aspectos da PEC, o que, segundo o relator, pode ajudar na sua tramitação. Além disso, o fato de a proposta ser de autoria de Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que também preside a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde o indicado será sabatinado antes da votação no plenário, pode reforçar esse apoio.
A votação da PEC já foi adiada várias vezes pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sobretudo devido à oposição do governo ao texto atual. O relator acredita que o governo poderia dialogar mais sobre os detalhes da proposta, em vez de rejeitá-la completamente. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), não descarta novos embates entre Executivo e Legislativo em torno do tema.
As discussões que podem mudar completamente a estrutura do BC estão nas mãos do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), virtual sucessor de Pacheco na Presidência do Senado, a partir de 2025. “Estas negociações ocorrem tendo como pano de fundo a preocupação do governo com a taxa básica de juros”, salienta Juan Gonçalves, diretor-geral da ONG Ranking dos Políticos. Mas a questão da sucessão no comando do Parlamento também entrou no jogo.
Pressionado pelo governo e pelas entidades que representam servidores do BC a fazer alterações no seu texto, de modo a manter instituição sob o guarda-chuvas do Estado brasileiro e com algum grau de supervisão do Executivo, Plínio Valério tem adotado o caminho inverso, reforçando o arranjo de independência política.
Em seu último parecer, apresentado no fim de agosto, o relator criou um regime jurídico único para o BC, o de “corporação do setor público financeiro”, para deixar ainda mais clara a decisão de desvincular o banco do ambiente governamental.
Defendida por economistas liberais e pela maioria dos seus ex-presidentes, como Henrique Meirelles, a autonomia financeira do BC é vista como crucial para proteger suas operações, sobretudo a política monetária, de interferências dos presidentes da República.
Hoje, a dependência orçamentária do BC em relação ao Executivo para autorizar despesas adicionais, como viagens, contratações de funcionários e investimentos em equipamentos, é apontada pelo relator da PEC como reflexo do desejo do governo de preservar uma relação de poder que pode impedir a autonomia plena.
“O BC é um Boeing moderno com orçamento de biplano,” compara Plínio Valério, destacando a falta de flexibilidade para ajustar operações ao padrão dos maiores bancos centrais do mundo, apesar de já desempenhar papel de destaque.
Em seu relatório, o senador propõe que o orçamento anual da instituição seja definido com base nos valores do exercício anterior, corrigidos pela inflação, tendo eventuais acréscimos submetidos à aprovação do Senado, e não mais do governo.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) apoia a aprovação da PEC e argumenta que a autonomia de gestão do BC é insuficiente, pois o governo ainda pode interferir ao cortar verbas. Ele defende que o BC também tenha autonomia financeira e orçamentária e cita o exemplo do Pix, que aumentou a necessidade de investimentos em pessoal e equipamentos, e poderia enfrentar dificuldades se o governo fosse contra.
Sindicato aponta manobra para tirar qualquer controle público sobre o BC
O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), que já fazia oposição à PEC, reagiu imediatamente contra a sua nova redação. Por meio de nota, a entidade afirmou que o relator “desafia a lógica e a segurança institucional”, ao criar uma “figura jurídica inexistente no direito brasileiro”.
O Sinal ainda destacou que o relatório de Valério “escancarou” uma “manobra que coloca em risco a estabilidade e a soberania econômica do país”. Segundo a nota da entidade, o projeto é influenciado pelo atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, além de criar “cenário de sombrias incertezas e fragilidades preocupantes”.
Neste sentido, a principal argumentação da entidade de classe está na proposta de mudança no regime dos servidores, do Regime Jurídico Único (RJU) para a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para seus dirigentes, essa migração fragilizaria o vínculo dos funcionários com o Estado e ameaçaria a execução de funções estratégicas na política monetária, “abrindo caminho para a privatização de serviços essenciais”.
Relator da PEC rejeitou propostas de governo e dos sindicatos de servidores
Valério rejeitou a sugestão que propõe que o orçamento do BC seja definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Ele argumentou que a proposta apresentada por técnicos do governo contraria o já estabelecido em seu texto. A PEC estipula que o orçamento do BC “será elaborado e executado por ato próprio do Banco Central”, cabendo à comissão temática pertinente do Senado a aprovação das despesas de custeio e investimento.
Segundo Plínio Valério, a autonomia financeira do BC visa permitir que a instituição se sustente com receitas próprias, sem depender do Executivo ou de qualquer ministério, garantindo maior autonomia na gestão de recursos, incluindo a realização de novos concursos e reajustes salariais, sem a necessidade de aprovação federal. Entre políticos de centro-direita e direita, além de economistas liberais, há o consenso que a autonomia atual da autoridade monetária desde 2021 garantiu o controle inflacionário no país.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem defendido essa PEC como forma de fortalecer a capacidade de gestão da instituição, consolidando os avanços já obtidos. No entanto, associações de servidores do BC e setores do governo criticam a PEC, e afirmam que ela enfraquece o papel do Estado na execução da política monetária e cambial e ainda na supervisão do sistema financeiro.
Governo tem preocupações em perder receitas com a independência do BC
A sugestão do governo de submeter o orçamento do BC ao Conselho Monetário Nacional é vista como “meio-termo”, mas Plínio Valério revelou que o governo também busca acertar detalhes sobre a situação dos servidores e discutir melhor o impacto fiscal das mudanças propostas. Hoje, o orçamento do BC é integrado ao orçamento federal, e o governo considera as receitas geradas pelo órgão para equilibrar suas contas anuais, afetadas pelo caos fiscal.
Uma alteração já feita no parecer do relator estabelece que o banco será “instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira”, com poder de polícia, incluindo regulação, supervisão e resolução.
O governo é contrário à ideia de transformar o Banco Central em uma empresa pública, como previa a proposta original da PEC. Essa divergência foi um dos motivos que levaram a sucessivos adiamentos da análise do texto.