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Avanço do anti-intelectualismo: análise sobre cérebros em modo avião

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O desprezo pelo conhecimento, a supremacia da simplificação e o pragmatismo extremo, em que apenas a informação imediatamente útil é valorizada, culminam no anti-intelectualismo. A desvalorização das humanidades, tanto na academia como no quotidiano, é um dos sintomas mais evidentes deste fenómeno, muitas vezes involuntário. Ainda assim, o anti-intelectualismo é transformado numa arma. Vivemos numa sociedade obcecada por resultados e indiferente aos meios.

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Quem mais beneficia dessa arma é o fascismo. Não é coincidência que o crescimento da extrema-direita caminhe lado a lado com o crescimento do anti-intelectualismo. O intelectualismo promove o pensamento crítico e a curiosidade, duas ameaças diretas a qualquer regime totalitário. O interesse por outras culturas e países, inerente ao ato de pensar, é esmagado pelo nacionalismo agressivo promovido pela extrema-direita. Um sistema apropriado para servir grandes instituições, e não as pessoas, perpetua-se através da ignorância. Quem não pensa, não contextualiza e não questiona é facilmente manipulável.

O ChatGPT é uma das ferramentas que mais contribui para este cenário. Na era da Inteligência Artificial, o processo perdeu valor: o foco está no lucro e na rapidez. A aprendizagem é apagada. Até as tarefas mais simples são ainda mais simplificadas. As pessoas deixaram de pesquisar no Google para recorrer diretamente ao ChatGPT. Instalou-se a lei do mínimo esforço. Queremos tudo de forma instantânea; nunca tivemos tanto tempo livre e, paradoxalmente, nunca parece suficiente. Como escreve Ayan Artan no artigo “in defense of pretension.” (https://rentfreewithayan.substack.com/p/in-defense-of-pretension), assistimos às máquinas responsáveis por drenar os recursos do mundo a tornarem-se mais inteligentes, enquanto nós nos tornamos mais estúpidos. O fenómeno do brain rot nas redes sociais é prova disso, atingindo sobretudo crianças, numa fase crucial de desenvolvimento cognitivo.

Quando escritores recorrem à inteligência artificial para escrever livros ou atores admitem não ver filmes (https://telegrafi.com/en/actress-Millie-Bobby-Brown-admits-that-she-doesn%27t-watch-movies%2C-she-can%27t-stay-long-in-front-of-the-screen/), assistimos à morte do processo criativo e à glorificação do vazio. O dano colateral é a desvalorização das humanidades, vistas como inúteis. Vivemos na era do “ser fixe”, que se traduz numa indiferença performativa. Quem usa palavras consideradas “chiques” é ridicularizado ou acusado de pretensão. A literatura, em geral, sofre o mesmo destino. Homens de fato a falar de investimentos no TikTok ensinam-nos que os únicos livros úteis são os de autoajuda: acordar às cinco da manhã, investir na bolsa, competir constantemente. No entanto, é a ficção que nos ensina empatia, emoções e o valor da vida em comunidade. O problema é que o capitalismo não sabe atribuir valor às humanidades com a mesma facilidade com que o faz à ciência e à tecnologia.

Embora as humanidades sejam uma vítima evidente, a ciência também sofre com o anti-intelectualismo. Pseudocientistas das redes sociais são mais valorizados do que anos de investigação rigorosa. O movimento anti-vacinas é um dos exemplos mais claros desta lógica.

É urgente confrontar as nossas próprias ações. Não ler um único livro por ano é um problema. Não acompanhar a atualidade é um problema. Escolher a ignorância num mundo cada vez mais hostil ao cidadão comum é um problema. Ler e estudar tornaram-se quase atos de resistência. O anti-intelectualismo devia assustar-nos. E as soluções são simples: ver o telejornal, consumir documentários, ir a concertos, discutir ideias com amigos e com a comunidade.

Muitas vezes, o intelectualismo é confundido com elitismo. Mas ser intelectual não é o mesmo que ser académico, nem necessariamente inteligente. Há pessoas com ensino superior que não são intelectuais, e pessoas sem formação académica que o são. A sabedoria não é concedida apenas pelas instituições de ensino. Ser intelectual é manter a curiosidade viva, nunca parar de fazer perguntas e valorizar o processo tanto quanto os resultados. O cérebro precisa de ser constantemente estimulado, e as condições atuais lutam ativamente contra isso. Se o primeiro instinto for sempre recorrer ao ChatGPT, a criatividade acaba por atrofiar.

As ferramentas que nos são dadas podem ser retiradas com a mesma facilidade — ou usadas contra nós. A nossa melhor ferramenta somos nós próprios. E não nos podemos abandonar.

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