A transição da indústria automotiva brasileira para veículos elétricos pode gerar mais do que o dobro de novos empregos até 2050 em comparação com a manutenção do modelo atual baseado em motores a combustão. A conclusão é de um estudo elaborado pelo ICCT (Conselho Internacional de Transporte Limpo) em parceria com a USP (MADE/USP) e a Unicamp (IE/UNICAMP), publicado em junho de 2025.
Utilizando uma abordagem de insumo-produto aplicada à economia brasileira, o estudo analisou dois cenários distintos para a evolução da frota de veículos no país até 2050: um chamado Base, no qual os veículos a combustão continuam predominantes com aumento no uso de biocombustíveis; e outro denominado Eletrificação, com crescimento expressivo na produção e venda de veículos 100% elétricos, além da nacionalização parcial das baterias.
BYD Seagull – Dolphin Mini – produção
Foto de: BYD
No cenário Eletrificação, estima-se uma geração 116% maior de empregos em relação ao cenário Base até 2050. O principal vetor para esse aumento está na expansão da produção nacional de veículos elétricos e, especialmente, de seus componentes — em particular, baterias e motores elétricos. O estudo destaca que o avanço da cadeia de valor doméstica tem potencial de impulsionar os setores industriais associados, como máquinas e equipamentos elétricos, beneficiando também áreas como serviços, transporte e construção.
Geração acumulada de empregos até 2050
Cenário | Empregos gerados | Variação relativa |
Base (combustão + biocomb.) | 1,12 milhões | — |
Eletrificação (VEs + baterias nacionais) | 2,42 milhões | +116% |
Fonte: ICCT (2025).
Nota: valores estimados para o período de 2019 a 2050, considerando manutenção da produtividade.
O modelo do ICCT projeta que, mesmo assumindo produtividade e tecnologia constantes ao longo do período, a adoção de metas ambiciosas para a eletrificação da frota pode resultar em uma expansão do emprego industrial no Brasil. Já no cenário Base, onde os veículos a combustão permanecem dominantes, as oportunidades de geração de postos de trabalho seriam significativamente menores e concentradas nos segmentos tradicionais da indústria.
Outro destaque do estudo está na composição da renda gerada. A participação dos salários no total da renda é maior no cenário Eletrificação (53%) do que no Base (45%), o que, segundo os autores, se deve ao maior peso de setores com melhores remunerações e menor margem de lucro na cadeia dos veículos elétricos.
Volkswagen ID.4 – produção em série em Zwickau
Em relação aos gêneros, a pesquisa alerta para a possibilidade de reprodução de desigualdades já existentes. A maior parte dos novos empregos projetados em ambos os cenários seria ocupada por homens — cerca de dois terços das vagas. Isso se deve à predominância de setores tradicionalmente masculinos na indústria, como produção de veículos (89% da força de trabalho masculina), transportes (83%) e manufatura de equipamentos elétricos (71%). O ICCT recomenda que políticas públicas e programas de qualificação com foco em mulheres sejam implementados para evitar o aprofundamento das desigualdades de gênero.
O estudo também chama atenção para a importância estratégica da produção local de baterias. No cenário analisado, assume-se que o conteúdo doméstico nas baterias automotivas cresça dos atuais 21% para 50% em 2050. A depender do ritmo dessa nacionalização, os efeitos sobre o emprego podem ser ainda mais significativos. Em um cenário otimista, com 100% de conteúdo local nas baterias até 2050, o número total de empregos pode aumentar substancialmente.
Distribuição dos empregos em 2050 por setor
Setor produtivo | Cenário Base | Cenário Eletrificação |
Veículos a combustão e autopeças | Alta | Baixa |
Veículos elétricos e baterias | Inexistente | Alta |
Máquinas e equipamentos elétricos | Média | Alta |
Agropecuária e combustíveis | Alta | Média-baixa |
Serviços (transporte, construção etc.) | Alta | Alta |
Fonte: ICCT (2025).
Classificação qualitativa baseada na análise setorial do estudo (p. ii e iii).
Por outro lado, o ICCT alerta para o risco de perda de competitividade internacional caso o Brasil atrase sua transição para veículos elétricos. Países como Chile, México e Colômbia já estabeleceram metas formais de eletrificação para suas frotas. A ausência de metas no Brasil, até o momento, pode comprometer as exportações da indústria automotiva nacional, atualmente ainda muito dependente de veículos a combustão.
O estudo também recomenda a adoção de políticas industriais e comerciais coordenadas, incluindo incentivos à exportação, estímulo à produção local e metas ambiciosas de redução de emissões. Segundo os autores, o novo programa MOVER (Mobilidade Verde e Inovação), instituído pela Lei nº 14.902 de 2024, oferece uma base para esse tipo de transformação, mas precisa ser complementado com estratégias claras de eletrificação da frota nacional.
Por fim, o relatório do ICCT conclui que a eletrificação da indústria automotiva pode representar não apenas uma resposta à crise climática, mas também uma oportunidade de desenvolvimento industrial e geração de empregos qualificados no Brasil. Mas essa oportunidade dependerá diretamente da capacidade de o país estruturar uma política integrada, com metas claras, apoio à produção nacional e foco em inclusão social.
Fonte: ICCT