Brasil pode ser líder em IA – aponta Fernando Paiva

O Brasil têm à mesa um conjunto de ingredientes que podem transformá-lo em um dos líderes no desenvolvimento de inteligência artificial conversacional na América Latina, e talvez até do mundo, ou pelo menos entre países lusófonos. Só que ainda nos falta a receita, para sabermos como combinar esses ingredientes.

O primeiro deles é o fato de já termos instalado no país um rico e lucrativo ecossistema de empresas desenvolvedoras de chatbots e voice bots, cujo amadurecimento Mobile Time vem acompanhando há oito anos, desde a primeira edição do Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots. São mais de 100 empresas atuando nesse mercado no Brasil, muitas delas investindo em tecnologia própria. No ano passado, havia 144 mil bots em operação no Brasil trafegando em média 6,9 bilhões de mensagens por mês, de acordo com o referido mapa – aliás, a edição 2024 está sendo confeccionada e qualquer empresa que desenvolva bots no Brasil pode participar respondendo a este questionário online.

O Brasil é reconhecido internacionalmente como um dos mercados mais avançados na adoção de chatbots. Algumas das empresas surgidas aqui, como Blip e Zenvia, estão se expandindo internacionalmente e receberam importantes aportes financeiros. A Blip comprou a mexicana GUS e agora avança pela América Latina e também pela Europa. A Zenvia abriu capital e está listada na Nasdaq. E várias outras empresas brasileiras têm atuado em projetos internacionais.

Parte do sucesso do mercado brasileiro de bots pode ser atribuído ao que considero mais um ingrediente importante para a liderança em IA conversacional, desta vez de ordem cultural. O brasileiro é tido como um povo que se interessa por novas tecnologias e que gosta de conversar – mesmo que seja com um robô. Isso explica o sucesso por aqui de tantas redes sociais e outras plataformas de comunicação digital, começando pelo Orkut, em meados da década de 2000, passando pelo Facebook, na década de 2010, e agora pelo WhatsApp. A interface conversacional, portanto, se desenvolve bem em nossa cultura.

O WhatsApp, aliás, merece pode ser classificado como mais um ingrediente nessa receita. Presente em 99% dos smartphones nacionais, de acordo com pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, ele é hoje o principal canal para bots no País. O fato de o mercado de mensageria no Brasil estar concentrado em um único canal, e não fragmentado em vários, facilita o desenvolvimento de aplicações com interface conversacional.

O quarto ingrediente são as boas condições para a implementação de data centers no Brasil. O processamento de aplicações de IA vai demandar cada vez mais data centers parrudos, preparados para alto consumo de energia. O Brasil é favorecido pelas características da sua matriz energética, composta predominantemente por fontes renováveis, e pelo fato de ter um sistema elétrico interligado nacionalmente, o que permite a uma empresa investir em geração de energia solar ou eólica no Nordeste, por exemplo, e manter seu data center próximo dos grandes centros de São Paulo ou Rio de Janeiro.

O quinto ingrediente é o arcabouço regulatório. O Brasil já conta com leis importantes para o ambiente digital, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, o que dá segurança jurídica para investidores e para a população. E nosso Congresso discute agora um Marco Legal para Inteligência Artificial (PL 2338). Embora alguns críticos reclamem que o assunto estaria avançando em passos lentos, a verdade é que poucos países estão com a discussão tão avançada quanto o Brasil – a União Europeia, sempre pioneira no campo da regulamentação digital, aprovou sua lei de IA há pouquíssimo tempo. Uma regulamentação clara, que proteja direitos fundamentais, e ao mesmo tempo fomente a inovação, é fundamental para o desenvolvimento saudável da IA.

Por fim, mas não menos importante, há o apoio do governo federal ao desenvolvimento dessa tecnologia, exemplificado pelo recente lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, com orçamento de R$ 23 bilhões, e que inclui a construção de um supercomputador e de um LLM nacional em português.

O desafio agora é inventarmos a receita com esses ingredientes. É preciso saber as quantidades certas, a ordem em que cada um deve ser adicionado…. e o tempo no forno. Se acertarmos, o Brasil pode figurar entre os masterchefs da inteligência artificial. Se errarmos, tomara que haja tempo hábil para consertar e experimentar uma nova receita.

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