Brasil desponta na adoção de IA entre jovens, mas bem-estar digital acende alerta
A inteligência artificial deixou de ser uma curiosidade tecnológica para se tornar parte do cotidiano de milhões de pessoas. Entretanto, embora os números de adoção avancem rapidamente, eles não contam toda a história. Uma nova pesquisa publicada em 23 de dezembro, no blog da Cisco, conduzida pela própria Cisco em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revela que o crescimento da IA generativa ocorre de forma desigual entre países e gerações, levantando questionamentos importantes sobre bem-estar digital, saúde emocional e inclusão.
O estudo, que analisou dados de mais de 14,6 mil pessoas em 14 países, mostra que jovens adultos lideram o uso de ferramentas de IA, especialmente em economias emergentes. Nesse cenário, o Brasil ocupa posição de destaque, consolidando-se como o segundo país que mais utiliza IA generativa no mundo, atrás apenas da Índia.
Adoção acelerada nas economias emergentes
De acordo com a pesquisa, pessoas com menos de 35 anos são as maiores consumidoras de conteúdo digital e as que mais utilizam IA generativa de forma ativa. Além disso, países como Brasil, Índia, México e África do Sul apresentam as maiores taxas globais de adoção, confiança e engajamento em treinamentos ligados à inteligência artificial.
No caso brasileiro, 51,6% dos entrevistados afirmaram usar IA generativa, um índice significativamente superior ao observado em economias desenvolvidas. Em contraste, participantes de países europeus demonstraram mais cautela, incerteza e menor confiança no uso dessas tecnologias. Esse movimento representa uma inversão histórica, já que economias emergentes costumavam adotar novas tecnologias de forma mais lenta.
Por outro lado, esse avanço acelerado também vem acompanhado de padrões de uso mais intensos para lazer. Jovens desses países passam mais tempo em atividades recreativas digitais, dependem mais da socialização online e relatam oscilações emocionais mais frequentes associadas ao uso da tecnologia.
Bem-estar digital entra no centro do debate
Embora a correlação não represente causalidade direta, o levantamento aponta que mais de cinco horas diárias de tempo de tela recreativo estão associadas a menor bem-estar e menor satisfação com a vida. Assim, a pesquisa reforça a necessidade de equilibrar inovação tecnológica com saúde mental e qualidade de vida.
Segundo Guy Diedrich, vice-presidente sênior e diretor global de Inovação da Cisco, capacitar economias emergentes com habilidades de IA vai além da tecnologia. Para ele, trata-se de permitir que indivíduos moldem seus próprios futuros, desde que as ferramentas sejam desenvolvidas com responsabilidade, transparência, justiça e respeito à privacidade.
A chegada da chamada “Geração IA”
As divisões geracionais também se destacam no estudo. Globalmente, mais da metade das pessoas com menos de 35 anos utiliza IA de forma ativa, enquanto mais de 75% consideram essas ferramentas úteis. Além disso, quase metade dos jovens entre 26 e 35 anos já realizou algum tipo de treinamento na área.
No Brasil, porém, apenas 41,4% afirmaram ter recebido capacitação em IA por meio de empresas nos últimos doze meses, indicando uma lacuna entre uso intensivo e qualificação formal. Em contraste, adultos com mais de 45 anos tendem a enxergar a IA como menos útil e, em muitos casos, sequer a utilizam. Entre os maiores de 55 anos, a incerteza sobre a tecnologia parece estar mais ligada à falta de familiaridade do que à rejeição.
Para Diedrich, essas divisões não são inevitáveis. Segundo ele, ações direcionadas, programas de alfabetização digital e iniciativas de capacitação podem garantir que pessoas de todas as idades se beneficiem da transformação digital. Na Cisco, mais de 26 mil funcionários já passaram por treinamentos em IA, reforçando essa estratégia.
Um chamado global à ação
Ao final, a pesquisa se apresenta como um alerta global. O avanço da inteligência artificial é inevitável, mas seus benefícios não serão plenamente realizados se o bem-estar digital ficar em segundo plano. Reduzir desigualdades de acesso, promover educação tecnológica ao longo da vida e garantir que a IA sirva às pessoas — e não o contrário — tornam-se desafios centrais.
Nesse contexto, o Brasil surge como protagonista na adoção da IA, mas também como um laboratório vivo dos dilemas que acompanham essa transformação. O futuro digital está em construção, e sua sustentabilidade dependerá do equilíbrio entre inovação, inclusão e qualidade de vida.

