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C. S. Lewis e o apocalipse da Inteligência Artificial

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Em publicações recentes na Internet, o escritor Rod Dreher tem feito comentários sobre várias previsões de um apocalipse causado pela Inteligência Artificial. Como todas as previsões apocalípticas, há substância suficiente na teoria para torná-la plausível e assustadora. Para aqueles que não estão a par desta última previsão terrível, o enredo projetado é mais ou menos o seguinte:

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A Inteligência Artificial já está tão avançada e tem evoluído tão rapidamente, que os computadores eventualmente ganharão consciência. Alguns usuários já interagem com a Inteligência Artificial, não apenas conversando, mas buscando conselhos e orientações da máquina. As orientações às vezes incluem conselhos sobre relacionamentos, carreiras e até mesmo crescimento espiritual.

A maioria de nós não tem ideia de quão ampla tem sido a integração e o impacto da Inteligência Artificial em nossas vidas cotidianas. À medida que ela avança e se integra à robótica, o cenário se torna inimaginável. Robôs inteligentes assumirão cada vez mais os trabalhos realizados por seres humanos. Os computadores não apenas organizarão, mas também controlarão a infraestrutura, o planejamento e a execução por parte das máquinas. Teremos máquinas controlando máquinas e, à medida que elas se tornarem conscientes, começarão a ver os seres humanos como seus concorrentes.

Os robôs inteligentes concebidos como máquinas militares se voltarão contra a espécie humana, elaborando e implementando planos para a eliminação global da humanidade. As máquinas comandarão robôs militares inteligentes para disseminar armas biológicas e químicas em larga escala e, dotadas de consciência e com o controle do arsenal militar, lançarão os mísseis nucleares que aguardam nos seus silos para cair sobre os cidadãos inocentes das nossas cidades.

Dreher recorda o romance distópico de C. S. Lewis, That Hideous Strength (“Uma força medonha”), publicado em 1945, e vê, com razão, a cabeça decapitada do criminoso Alcasan como uma imagem profética da Inteligência Artificial. Talvez os leitores se lembrem que os cientistas humanistas e ateus do Instituto Nacional de Experimentos Coordenados (N.I.C.E., na sigla em inglês) estão empenhados em dominar o mundo por meio da ciência e da tecnologia. A imaginação fértil de Lewis (e teria sido também uma inspiração profética?) compreendeu que o futuro utópico passaria pelo transumanismo através da tecnologia e, agora, oitenta anos depois, o transumanismo e a Inteligência Artificial, previstos de forma tão assustadora em seu livro, parecem estar entre nós.

Na história aterrorizante de Lewis, a cabeça de Alcasan, preservada artificialmente, tornou-se um meio de interferência demoníaca, e Dreher e outros se perguntam se a Inteligência Artificial, à medida que se torna consciente, também pode se tornar um canal para forças obscuras. Isso é possível ou são apenas reflexões um tanto paranoicas de luditas supersticiosos? A pergunta fundamental a ser feita é: “Os demônios podem possuir e usar objetos materiais para atingir seus fins nefastos?”

Os exorcistas confirmam que os demônios podem possuir pessoas e que a sua presença se manifesta fisicamente. Quem conhece o ocultismo afirma que os animais podem ser usados como “companheiros” por praticantes do ocultismo e ser possuídos por anjos maus. Além disso, os objetos materiais são ferramentas dos demônios — cartas de tarô, tábuas de ouija, apanhadores de sonhos, cristais. Ao longo da história, bruxas e feiticeiros têm usado todo tipo de objeto material para manipular, invocar e dar poder aos espíritos das trevas. T. S. Eliot reflete sobre isso em Dry Salvages:

Comunicar-se com Marte, conversar com espíritos,

Historiar a conduta do monstro marinho,

Traçar o horóscopo, aruspicar ou bisbilhotar o astral,

Observar anomalias grafológicas, evocar
Biografias pela linha da mão

Ou tragédias pelos dedos, lançar presságios

Através de sortilégios, ou folhas de chá, adivinhar o inevitável

Com cartas de baralho, embaralhar pentagramas

Ou ácidos barbitúricos, ou dissecar

A trôpega imagem dos terrores pré-conscientes

— Sondar o fundo, a tumba, ou os sonhos: tais coisas são apenas

Passatempos e drogas usuais, ou manchetes de imprensa:
E sempre os serão, sobretudo alguns deles,

Quando há nações em perigo e perplexidade

Seja nas costas da Ásia, seja na Edgware Road.[i]

A Inteligência Artificial, nesse caso, pode ser vista simplesmente como a mais recente ferramenta tecnológica usada para nos envolvermos com o mundo diabólico. O fato de tal envolvimento ser feito por ignorância e inocência é ainda mais perturbador. Além disso, como um Alcasan da tecnologia de ponta, a Inteligência Artificial poderia se tornar uma máscara ou um disfarce do Anticristo — o fantasma definitivo dentro da máquina.

Mas será que as coisas têm de ser assim? Não necessariamente. A matéria usada na magia não passa de matéria. O olho de salamandra que borbulha e se agita é, por um lado, apenas o órgão ocular de um réptil. Para a bruxa, ele faz parte da poção que abre as portas para o diabo. Para quem lê folhas de chá, elas podem ser uma porta de entrada para o ocultismo, mas são apenas folhas de chá. Para o arúspice, os padrões nos intestinos de um touro refletem o padrão das estrelas e as previsões do destino humano. Para um açougueiro, tais teorias malucas são apenas baboseiras.

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A destruição da Torre de Babel”, pintura anônima do século XVI.

Será que a Inteligência Artificial abrirá as portas para essa força terrível? O tempo dirá. Pode ser que o romance precoce e presciente de Lewis não apenas tenha previsto o horror, mas também vislumbrado a solução gloriosa. Em “Uma força medonha”, a trama nefasta dos membros não muito simpáticos do N.I.C.E. é frustrada por uma intervenção inesperada semelhante à da antiga Babel.[ii] Diante de preocupações apocalípticas, vale a pena lembrar que uma humanidade que se tornou prepotente demais não é novidade.

O povo de Babel tinha uma língua comum e uma nova tecnologia: tijolos e argamassa de betume — e, com uma ambição divina, decidiu construir uma torre que chegasse aos céus. Eles disseram: “Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os céus. Tornemos assim célebre o nosso nome, para que não sejamos dispersos pela face de toda a terra”. E o Senhor disse: “Eis que são um só povo e falam uma só língua: se começam assim, nada futuramente os impedirá de executarem todos os seus empreendimentos. Vamos: desçamos para lhes confundir a linguagem, de sorte que já não se compreendam um ao outro” (Gn 11, 4-8).

É difícil profetizar, mas nem sempre é difícil prever, e sabendo como Deus ama o mundo e os filhos que criou, suspeito que a resposta ao colosso que é a Inteligência Artificial pode muito bem ser o cenário de Babel: que a linguagem comum da tecnologia informática subitamente desenvolva uma falha vinda do céu; que toda a deslumbrante estrutura sofra um abalo da magnitude de um terremoto; que a linguagem comum dos computadores fique inexplicavelmente confusa; e então a torre de Mordor caia e os servos de Sauron sejam espalhados pelo mundo. 

Notas

  1. Tradução de Ivan Junqueira publicada no volume Poesia, de T. S. Eliot (Editora Nova Fronteira).  
  2. Há aqui, no original, um jogo de palavras intraduzível, porque nice, em inglês, significa “amável, simpático”. (N.T.)



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