Foto: Divulgação/GrindrGeorge ArisonCEO do Grindr
O Grindr é o maior aplicativo de encontros para comunidade LGBTQIA+, com mais de 15 milhões de usuários globalmente. George Arison, CEO da empresa, tenta criar na plataforma um “bairro gay”, onde as pessoas podem ser quem são sem medo de preconceitos ou represálias. Com recursos de inteligência artificial (IA), Arison espera que esse ambiente se torne mais global ao conectar pessoas que falam diferentes línguas.
“A IA torna global a comunidade gay, que é a essência do Grindr. Isso deixa melhor e mais simples para as pessoas. Isso é super empolgante”, diz Arison, em entrevista exclusiva ao Estadão.
O executivo conta que ainda há uma grande luta da comunidade LGBTQIA+ por direitos, especialmente em países onde é ilegal ser gay. Mesmo onde ser gay é permitido por lei, há desafios não só para a comunidade, como questões de segurança, mas também em rentabilidade nos negócios. Arison diz que um dos maiores desafios negativos que enfrenta desde que assumiu o comando do Grindr, em 2022, é a dificuldade de atrair anunciantes. Por isso, a maior parte da receita da companhia vem dos assinantes, que ganham acesso a funções adicionais.
O CEO passa pela sua primeira experiência na liderança de um aplicativo global. Antes, teve um histórico empreendedor, tendo cofundado a Taxi Magic, conhecida hoje como Curb, plataforma similar ao Uber. Para Arison, dificilmente a comunidade LGBTQIA+ será vista como igual por todos na internet. “Podemos certamente lutar por isso e é o que queremos. Mas a realidade também é a realidade. Como você não pode tirar os preconceitos das pessoas, eles vão pensar o que vão pensar”, afirma.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir.

George Arison, CEO do aplicativo Grindr, diz que empresa luta por direitos da comunidade LGBTQIA+ Foto: Divulgação/Grindr
Qual é a importância do mercado brasileiro para o Grindr?
O Brasil está entre os cinco maiores países. É um mercado muito grande para o Grindr. O uso do Grindr geralmente acompanha o tamanho do país, exceto pelos países onde é muito difícil e ilegal ser gay. Nesses países, nossos números de usuários são menores. Eu estive no Brasil há pouco menos de dois anos para comemorar nossos 15 anos e fizemos isso no Brasil porque a América Latina é um enorme vetor de crescimento para o Grindr. A América Latina, de forma geral, se tornou muito acolhedora para pessoas gays. O que, obviamente, é incrível.
Em muitos países, a aceitação da comunidade gay avançou nas últimas décadas. Isso foi positivo para os negócios do Grindr?
Nós vimos uma enorme mudança na sociedade nos últimos vinte anos, tanto legalmente quanto em aceitação real. Com tudo isso, nós vimos um crescimento muito grande na nossa base de usuários em toda a América Latina, incluindo no Brasil. A América Latina representa um quarto dos nossos usuários ativos mensais globais, e o Brasil é o maior mercado na região.
Como garantir que o Grindr seja um local seguro paras pessoas que moram em países onde é ilegal ser gay?
Nós frequentemente refletimos se devemos permanecer em um país específico ou não. Trabalhamos com várias organizações locais desses países e perguntamos se devemos ficar naquele país ou não. A resposta geralmente é que precisamos ficar, porque muitas vezes é a única maneira das pessoas poderem se encontrar em lugares assim. Mas só há um tanto que podemos fazer. Somos um produto que começa virtualmente e depois há um encontro pessoal. No fim das contas, você ainda é responsável por si mesmo para fazer isso, e podem acontecer coisas que são (ruins).
Nos países onde é ilegal ser gay, damos gratuitamente a função de navegar pelo feed sem se mostrar e ver o que classificamos como bairros perigosos. Também exibimos mensagens no aplicativo sobre bairros inseguros para que as pessoas saibam do que precisam saber quando estão em lugares que são perigosos. Também temos um centro de saúde onde você pode obter muitas informações sobre como gerenciar sua saúde em lugares assim também. Então, fazemos essas coisas tanto quanto possível, mas, no final das contas, infelizmente, ser gay ainda é uma coisa bastante perigosa para muitas pessoas em muitos lugares ao redor do mundo.
Sobre privacidade, quais são os cuidados do Grindr em relação aos dados de usuários?
O Grindr é extremamente voltado para a privacidade. Tanto por causa das leis, mas também porque nossos usuários exigiram isso. Ainda vivemos em um ambiente em que muitos dos nossos usuários têm que estar ou escondidos ou realmente cuidadosos sobre quem eles são. Como resultado, somos muito focados na privacidade. Portanto, não exigimos, por exemplo, que você mostre uma foto no aplicativo de forma alguma. Ou, se você mostrar uma foto, não há nada na sua imagem, a escolha do que mostrar é sua. Muitos dos nossos usuários estão ativamente sendo discretos. Os usuários precisam manter sua privacidade por inúmeros motivos, como viver em um lugar onde, se descobrirem que a pessoa é gay, estará em apuros. Algumas pessoas reclamam de que um anúncio ou outro anúncio não é específico para elas, mas o motivo de um anúncio no Instagram ser tão precisamente sobre o que você está interessado é por causa do valor extraído dos dados e nós não fazemos isso de propósito. Então, somos muito voltados à privacidade e é algo realmente crítico para nós proteger.
Você tem tentado criar uma comunidade em um aplicativo de encontros. Como isso é possível?
Inicialmente, o Grindr tinha como ideia mostrar as pessoas que estão próximas a você e com quem você pode conversar. Então, acho que as duas grandes inovações do Grindr foram o bate-papo gratuito. Você pode falar com qualquer pessoa sobre qualquer coisa de maneira ilimitada. Em segundo lugar, você vê pessoas no seu entorno imediato, o que é muito valioso para um subconjunto da população. As pessoas gays são apenas 3% a 4% das pessoas em qualquer local. Saber quem está ao seu redor é realmente valioso. Com o tempo, as pessoas começaram a usar o Grindr de outras maneiras. Nos EUA, sabemos que cerca de um terço de todos os relacionamentos românticos entre pessoas gays se originaram no Grindr. É uma forma primária pela qual as pessoas se conhecerão. Sabemos que as pessoas o usam para conhecer amigos, não apenas parceiros sexuais, e isso já é um grande caso de uso. Não estamos tentando inventar coisas novas, apenas tentamos pensar em maneiras pelas quais pode melhorar a experiência do usuário. Em segundo lugar, uma das principais oportunidades na tecnologia será usar os dados para criar uma experiência muito melhor para as pessoas. Muito do nosso investimento está nisso, usando dados com consentimento dos usuários, claro.
Como o Grindr combate discurso de ódio no aplicativo?
Nosso trabalho é garantir que as pessoas tenham a liberdade de se encontrar e se conectar. Meu trabalho não é monitorar a fala. Temos experiência demais com nossos direitos sendo negados por outros para querer estar em um mundo onde negamos os direitos das pessoas também. Nós encorajamos as pessoas a se comportarem corretamente e a serem respeitosas, e o Grindr como um produto é muito respeitoso. A quantidade de relatos de usuários sobre comportamento ilegal, por exemplo, é muito maior no Grindr do que em outros produtos. Quando você fala com especialistas em atendimento ao cliente e eles olham para o Grindr, dizem: ‘nossa, o Grindr é muito melhor nisso do que os outros’. Mas, em geral, nós temos nossas diretrizes comunitárias e fazemos cumprir essas regras tanto por meio da tecnologia quanto por meio de moderação humana. Mas, em geral, eu acho que manter a liberdade das pessoas é uma coisa realmente fundamental para pessoas gays porque vivemos em um mundo por tempo demais onde nossos direitos foram negados.
Como o Grindr tem usado a inteligência artificial no aplicativo?
A IA pode tornar a experiência do usuário muito melhor para as pessoas porque a densidade é um problema significativo para as pessoas gays em todos os lugares. Exceto, por meia dúzia de cidades ao redor do mundo e São Paulo provavelmente é uma delas, normalmente, há um número limitado de pessoas gays em qualquer lugar, e esse número é realmente bastante pequeno. Até mesmo em São Francisco, que é um dos lugares mais gay do mundo. Para conhecer outras pessoas, você tem um número limitado de pessoas disponíveis. Com a IA, posso apresentá-lo a pessoas que estão muito mais alinhadas com seus interesses em outros lugares. Posso conectar alguém uma pessoa dos Estados Unidos a alguém em São Paulo. Antes, isso não era possível. Agora, posso construir uma ferramenta no aplicativo onde alguém que fala português e alguém que fala inglês podem conversar sem ter que conhecer os idiomas um do outro. São apenas exemplos dos tipos de experiências mágicas que a IA pode proporcionar às pessoas. Não estou dizendo que temos todas essas ferramentas hoje, mas esse é o objetivo. Então, a IA torna global a comunidade gay, que é a essência do Grindr. Isso deixa melhor e mais simples para as pessoas. Isso é super empolgante.
Especialmente nos EUA, diversas empresas estão encerrando seus programas de diversidade. Como isso afeta o Grindr e a comunidade gay?
Como meu trabalho é administrar uma empresa que é sobre diversão e experiências sexys e agradáveis, geralmente, não comento sobre política. Francamente, muitos usuários querem escapar da política quando vêm ao Grindr porque a política está ao redor deles o tempo todo, em todo lugar, seja em países onde a aceitação legal é alta, bem como em lugares onde não é. Os usuários vêm ao Grindr para encontrar pessoas como elas, para se divertirem com elas. Nós defendemos muito fortemente a igualdade no casamento porque isso está muito diretamente ligado à nossa base de usuários. Defendemos com muita força a formação de famílias para garantir esse direito. Essas coisas estão diretamente conectadas ao nosso negócio e ao que fazemos enquanto empresa. Em 60% do mundo, é ilegal ser gay e isso é um grande problema para nós também. Queremos fazer o máximo possível para mudar isso. É difícil pensar nisso quando você vive em lugares como nos Estados Unidos ou no Brasil, onde isso não é um problema, mas como para muitos e muitos milhões de pessoas literalmente a própria existência deles é ilegal. Isso é horrível.
Também comentamos muito sobre coisas como saúde e defendemos muito sobre saúde, prevenção, tratamento e acesso a medicamentos para o HIV. O Grindr está em uma posição muito única de ser capaz de impactar para tornar o mundo mais livre, mais igual e mais justo para nossos usuários por ser um negócio muito bem-sucedido. Os direitos gays tiveram tanto sucesso nos últimos 50 anos no mundo porque as pessoas se juntaram e lutaram ativamente por direitos iguais. Pela primeira vez, o Grindr pode fazer isso como um negócio.
Existe uma resistência dos jovens a utilizar aplicativos de namoro, como o Grindr lida com isso?
O Grindr não pode ser usado por ninguém com menos de 18 anos porque não permitimos menores no produto. Globalmente, 20% da nossa base de usuários tem de 18 a 22 anos. Mais de 40% têm de 23 a 29 anos. Então, quase 60% dos usuários têm menos de 30 anos. Não pense que temos um problema com os jovens. Para nós isso não é uma questão. Em países onde a aceitação da comunidade avançou nos últimos 10 anos, inevitavelmente isso vai impactar mais os jovens do que os mais velhos, porque eles se sentem mais confortáveis para se assumirem. Para muitas pessoas, quando elas se tornam adultas, uma maneira primária de descobrir como é ser gay e como é a vida gay é se juntar ao Grindr e isso é como seu bairro gay online. Eu mesmo me mudei para Washington depois da faculdade e morei em Logan Circle, que é um lugar muito gay para se viver, e descobri muito da minha homossexualidade lá. Essa é uma oportunidade que a maioria das pessoas não têm. O Grindr funciona de forma parecida para elas na internet. Por isso, somos um pouco diferentes para os jovens adultos do que em outras plataformas. As pessoas não vêm ao Grindr apenas para namorar. Eles vêm ao Grindr para descobrir como é ser gay.
A principal receita da companhia hoje vem de assinaturas ou de anúncios?
Cerca de 85% da nossa receita vem de assinaturas e 15% vem da nossa receita de anúncios. Eu gostaria que o negócio de anúncios se tornasse maior, mas isso é realmente difícil de fazer porque ainda há desafios em fazer com que as empresas anunciem no Grindr. Provavelmente foi a experiência mais negativa que tive desde que cheguei aqui, a quantidade de negatividade que ainda existe em termos de publicidade conosco. O que aconteceu com a Anheuser Busch dois anos e meio atrás só piorou as coisas. (Uma ação publicitária da Bud Light com a influenciadora transgênero Dylan Mulvaney levou ao boicote de consumidores conservadores). Nós nos saímos muito bem com nosso negócio e tem sido muito bem-sucedido. Crescemos bastante, mas é uma luta constante em termos do que estamos enfrentando, geralmente todos os dias.
Aplicativos de encontros costumam perder usuários depois que as pessoas encontram quem procuravam. Como o Grindr lida com a captação de clientes? Isso é um grande custo para o negócio?
Não perdemos necessariamente assinantes como outros aplicativos. A nossa taxa de assinantes tem aumentado a cada trimestre desde que cheguei à empresa. O que acontece no Grindr é que as pessoas deixam de ser clientes pagantes e depois voltam a pagar. É um negócio muito incomum para um modelo de assinatura. Na maioria dos negócios de assinatura, você paga por algo por muitos meses e se você parar de pagar, você simplesmente não paga mais nunca. Isso acontece porque somos uma espécie de comunidade global e o nosso ambiente é muito diferente. Por isso, não nos preocupamos com o tipo de rotatividade da mesma forma que muitas pessoas precisam se preocupar. Nós nos concentramos em garantir que as pessoas tenham muitos motivos para vir ao Grindr. Enquanto tiverem, acreditamos que elas continuarão voltando ao produto.

