Os cortes orçamentários promovidos pelo governo federal em diversas áreas da economia, com o objetivo de adequar as contas do país, começam a reverberar nas agências reguladoras, que já reclamam há algum tempo de desafios com defasagem de servidores. Os números indicam que as 11 agências reguladoras federais, dentre elas a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tiveram um corte de aproximadamente 20%, o que motivou a publicação em junho de uma nota conjunta trazendo detalhes da situação.
Futuro da Saúde teve acesso a ofícios enviados pela ANS, assinados pelo diretor-presidente Paulo Rebello, para diferentes áreas do governo nos últimos meses. O primeiro deles, enviado em 14 de março para Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil, e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, trazia a informação de que a agência havia planejado para o exercício de 2024 R$ 175.257.601,41, sendo que cerca de R$ 120 milhões eram destinados apenas para manter os contratos atuais – para referência, no exercício de 2023 a agência consumiu cerca de R$ 104 milhões.
Contudo, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) foi enviado para aprovação com o valor de R$ 110.759.400,00, sendo que a Lei Orçamentária Anual (LOA) foi publicada de fato com o valor R$ 106 milhões. Após novos cortes nos últimos meses, o orçamento da agência foi reduzido para R$ 88.252.827,00, valores para despesas discricionárias desde ano.
Diante desse cenário, a agência enviou novos ofícios em 2 de agosto endereçados para, além de Tebet e Haddad, o Ministério da Saúde, Tribunal de Contas da União (TCU), Casa Civil, Procuradoria-Geral da República, e Controladoria-Geral da União (CGU). No texto, a ANS aponta riscos para sua atividade e indica que “com base nos novos cortes e na ausência de recomposição, será necessário cortar 55% do valor dos nossos contratos e despesas, fechar a sede da ANS e dos núcleos, reduzir o Disque ANS, reduzir drasticamente atendimento ao público externo e a fiscalização da ANS.”
Em entrevista ao Futuro da Saúde, Rebello descreveu a atual situação da agência como delicada. Ele afirmou que o contingenciamento de cerca de R$ 22,5 milhões referentes ao PLOA afetará serviços e não há perspectiva de melhora: “O que dizem é que, infelizmente, teremos que aguardar os próximos meses para ver como será a arrecadação e de que forma podem nos ajudar. Enquanto isso, estamos fazendo malabarismos com nossos orçamentos e repasses financeiros, que são menores do que nossas necessidades. Estamos enfrentando dificuldades”.
De acordo com Rebello, a agência enfrenta um orçamento congelado há bastante tempo. A expectativa era de que, no início do ano, o orçamento fosse confirmado, mas o cenário se complicou com o contingenciamento de R$ 22,5 milhões e a possibilidade de novos cortes adicionais.
Serviços que serão impactados com cortes orçamentários
O diretor-presidente da ANS detalhou que, com a falta de orçamento, os primeiros impactos serão em serviços terceirizados, como é o caso do Disque ANS. Atualmente o contrato com terceirizados é no valor de 6 milhões de reais. “Para ajustar isso, não há uma previsão de corte de 20% ou 50%. Tenho que negociar uma redução de 25%, que é o máximo que posso fazer. Então, tudo isso impacta o atendimento na ponta”. Neste caso, um dos impactos será a redução na carga horária de atendimento do Disque ANS.
Em relação aos núcleos onde servidores da ANS atuam, esses passam a trabalhar de casa. “Quando eu falo que vou fechar um núcleo, é porque, na verdade, não tenho estrutura nem condições para manter, por exemplo, água, luz, telefone e o local funcionando”, relata Rebello. A agência, segundo ele, já enfrenta atrasos no pagamento a fornecedores, incluindo TI, passagens, diárias e outras despesas operacionais e, no momento, a prioridade é garantir o pagamento de salários dos servidores e terceirizados, enquanto outras áreas, como tecnologia e despesas operacionais, podem ser comprometidas.
“Queremos levar uma proposta para mostrar a nossa realidade: é isso que temos de orçamento e é isso que vamos fazer a partir de agora, para que possamos nos adequar”, afirma. Sobre quando esses serviços podem ser impactados, Rebello disse que isso pode acontecer em breve se não houver negociação e orçamento. Agora, estão fechando uma proposta, da área técnica e da diretoria de gestão, para levar ao colegiado e decidir como ficará a situação.
“Imagine que você receba doze milhões de reais, o que equivale a um milhão por mês. No entanto, o governo decide mudar e, em vez de um doze avos, você passa a receber um dezoito avos. Isso significa que, ao invés de receber um milhão por mês, você só receberá quinhentos mil reais. E o problema é que você já fez uma programação e assinou um contrato com um fornecedor com base nessa perspectiva”, contou.
A falta de recursos está afetando também a capacidade da agência de melhorar sistemas essenciais, como o guia de planos de saúde e o projeto ANS Digital. Além disso, o orçamento insuficiente compromete a realização de fiscalizações, o pagamento de diárias e o custeio das passagens aéreas dos servidores, prejudicando o desempenho da agência e sua eficácia na execução das funções.
Paulo defende que as agências reguladoras tenham um olhar diferenciado, já que 60% do PIB passa pelas agências reguladoras: “Não é razoável que você tenha, obviamente, o governo criticando as agências quando, na verdade, as soluções para esses problemas passam pelo governo, ou seja, a realização de concurso público, o não corte do orçamento, tentar encontrar uma forma ou outra para você poder dar uma suplementada no nosso orçamento, nos nossos recursos financeiros”.
Número de servidores
Outro ponto é sobre o número de servidores. Em 2013 foram encaminhadas propostas solicitando o aumento em 357 vagas de cargos efetivos a serem preenchidas via concurso público ao Congresso Nacional, que, por sua vez, desmembrou o pedido em dois Projetos de Lei. Um deles visava a criação de 127 cargos de Especialista em Regulação de Saúde Suplementar e de 87 cargos de Analistas Administrativos, totalizando 214 cargos de nível superior, mas a matéria foi arquivada durante tramitação no Senado. Houve também o Projeto de Lei nº 4.365, de 2012, transformado na Lei nº 12.823, de 2013, que majorou o número de cargos de nível médio no âmbito desta Agência Reguladora, sendo 99 de Técnico Administrativo e 44 de Técnico em Regulação de Saúde Suplementar.
Segundo Rebello, a atual situação financeira da agência limita sua autonomia para realizar concursos públicos e firmar contratos e agravam a crise, exacerbada pelo crescente volume de reclamações e pelas mudanças legislativas que intensificam a pressão sobre o trabalho da instituição.