Pular para o conteúdo

Comércio enfrenta dificuldade para preencher vagas no RS; saiba as principais razões

Banner Aleatório
Dificuldade em preencher vagas pode indicar uma possível instabilidade nas relações de trabalho.

O setor do comércio no Rio Grande do Sul tem sofrido com a alta rotatividade de funcionários e a dificuldade de preencher vagas, conforme lojistas e representantes do varejo. Dados do Novo Caged, divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, apontam que, apesar do crescimento no número de admissões, o volume de desligamentos também segue elevado, indicando uma possível instabilidade nas relações de trabalho.

Entre 2020 e 2024, o saldo de empregos no comércio gaúcho oscilou, saindo de um resultado negativo de -10.418 em 2020, no contexto da pandemia de covid-19, para um leve crescimento de 13.483 em 2024. No mesmo período, o número de admissões aumentou cerca de 54%, mas os desligamentos acompanharam o ritmo. 

Banner Aleatório

Só em 2024, foram mais de 403 mil admissões e 389 mil desligamentos — um retrato de um mercado dinâmico, porém instável.

Em Porto Alegre, o cenário também reflete esse comportamento. Embora o saldo de empregos tenha sido positivo nos últimos anos, a diferença entre contratações e desligamentos é pequena, apontando que muitas vagas são rapidamente desocupadas.

Por que é difícil preencher vagas no comércio

  • Trabalho aos finais de semana
  • Modelo presencial
  • Rotina intensa do comércio
  • Mudança geracional
  • Busca por novas experiências
  • Necessidade de aumentar a renda

Vagas em aberto e disputa por profissionais

Na rede de farmácias São João, uma das maiores do Estado, a rotatividade alta é sentida diariamente. O diretor comercial, Laerti de Siqueira, revela que a empresa mantém mensalmente entre mil e 1,2 mil vagas em aberto — e não consegue preenchê-las integralmente.

— Disputamos não só com outras farmácias, mas com atacarejos, hipermercados. Acabamos disputando o mesmo funcionário — explica.

Segundo ele, o trabalho aos finais de semana e o modelo presencial se tornaram obstáculos para manter profissionais, especialmente entre os mais jovens.

— Hoje, o pessoal mais jovem busca uma vida social integrada ao trabalho. Eles querem algo que permita conciliar as duas coisas. O fim de semana é sempre uma questão sensível — destaca.

Para tentar reverter esse quadro, a empresa criou uma política de incentivos: remuneração mínima de R$ 2,1 mil, plano de saúde (com 50% subsidiado), bolsa de estudos de 50% a 100% para áreas ligadas à farmácia, e um plano de carreira estruturado que permite a ascensão até cargos de gestão.

Hoje, o pessoal mais jovem busca uma vida social integrada ao trabalho. Eles querem algo que permita conciliar as duas coisas. O fim de semana é sempre uma questão sensível

LAERTI DE SIQUEIRA, DIRETOR COMERCIAL

— Nosso público é, em grande parte, quem está iniciando a vida profissional. Inclusive, criamos uma campanha para atrair pessoas aposentadas que queiram voltar ao mercado — relata.

Resistência ao ritmo do comércio

Proprietária de uma loja, Luciane diz que hábitos da nova geração contribuem para alta rotatividade.

Na Capital, a situação se repete em diferentes segmentos. Luciane Simões do Couto, advogada e proprietária de uma loja no Pop Center, no Centro Histórico, afirma que muitos jovens não se adaptam à rotina intensa do comércio.

— Quem procura uma vaga no comércio sabe que o forte do movimento é aos finais de semana. Mesmo assim, há resistência. Muitos desistem quando percebem que o sábado é um dia normal de expediente ou que o ritmo de metas é mais exigente — comenta.

Segundo ela, 90% da equipe de vendedores tem entre 18 e 30 anos, o que, aliado à inexperiência e aos hábitos da nova geração, contribui para a alta rotatividade.

— A decisão de sair da empresa, na maioria das vezes, parte deles. A estabilidade parece não ser mais um valor buscado. É uma geração que busca motivação constante e, quando isso se perde, eles simplesmente vão embora — diz.

Muitos desistem quando percebem que o sábado é um dia normal de expediente ou que o ritmo de metas é mais exigente

LUCIANE SIMÕES DO COUTO

Luciane oferece bônus por metas, que podem variar entre 0,5% e 1% do faturamento da loja, como forma de incentivo. Ainda assim, ela relata dificuldades com pontualidade, cuidado com equipamentos e compromisso com o trabalho.

Comércio especializado: rotatividade menor, mas mão de obra escassa

Marco Antônio Vieira Machado, presidente do Sincopeças-RS.

No comércio de autopeças e acessórios para veículos, a realidade é um pouco diferente. Segundo Marco Antônio Vieira Machado, presidente do Sincopeças-RS, entidade que representa o setor, a rotatividade não é tão alta quanto em outras áreas — mas há, sim, uma redução na oferta de mão de obra.

— Não posso dizer que há um apagão, mas sentimos uma redução na oferta. Nosso setor é mais específico, as equipes são mais qualificadas e o processo de treinamento é mais rigoroso e caro — avalia.

Ele aponta ainda que muitos profissionais têm optado por atividades fora da CLT (carteira assinada) ou por trabalhos autônomos, com maior flexibilidade de horários.

— Talvez não seja uma falta de interesse apenas pelo comércio, mas por outras opções de trabalho. O trabalhador quer ter mais autonomia sobre seu tempo — completa.

Qualificação

O Sincopeças, em parceria com o Senac e com fábricas do setor, promove cursos itinerantes de qualificação técnica, com foco nas novas tecnologias embarcadas nos veículos.

— Os carros hoje têm sistemas de condução, rastreamento e eletrônica embarcada. Isso exige atualização constante. Manter as equipes qualificadas é uma forma de conter a evasão — detalha o presidente da entidade.

Apesar dos investimentos em qualificação, ele destaca que a maioria das empresas do setor — cerca de 90% — são micro ou pequenas, com estruturas mais enxutas.

Talvez não seja uma falta de interesse apenas pelo comércio, mas por outras opções de trabalho

MARCO ANTÔNIO VIEIRA MACHADO, PRESIDENTE DO SINCOPEÇAS-RS

— Muitas vezes, o empregador e o empregado estão juntos no balcão. Não há espaço para planos de carreira longos, mas oferecemos uma remuneração um pouco acima da média de mercado, como forma de valorização — explica.

Para Machado, a alta rotatividade entre os jovens é também uma marca da nova geração.

— Existe uma predisposição muito maior em se aventurar, mudar de cidade, experimentar outros ramos. Isso impacta diretamente na estabilidade das equipes — conclui.

Supermercados: metade da equipe muda em um ano

Rotatividade nos supermercados exige adequação constante.

Nos supermercados, o cenário da rotatividade é ainda mais simbólico. De acordo com Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), cerca de 50% dos funcionários deixam o cargo em menos de um ano.

— Isso é uma mudança que aconteceu com o tempo. O jovem busca novas experiências e formas de aumentar a renda. A rotatividade é consequência disso — afirma.

Para Longo, o fenômeno não é necessariamente negativo, mas exige adequações constantes por parte das empresas.

— Não vejo como uma dificuldade, mas como um novo modelo. Hoje, muitos trabalhadores atuam com jornadas reduzidas, abaixo das 220 horas mensais. É uma forma de complementar renda e ganhar flexibilidade — destaca.

O jovem busca novas experiências e formas de aumentar a renda. A rotatividade é consequência disso

ANTÔNIO CESA LONGO, PRESIDENTE DA AGAS

Ele também aponta que essa dinâmica tem impulsionado a terceirização de serviços e o surgimento de novos microempreendedores, que fornecem tortas, doces e produtos antes produzidos dentro do supermercado.

— O consumidor também precisa entender que, com menos gente fixa, alguns serviços vão desaparecer ou mudar. Aquela torta especial, por exemplo, pode vir de um fornecedor terceirizado — comenta o presidente da Agas.

Segundo ele, essa nova estrutura de trabalho está ligada à perda de poder aquisitivo e à busca por novas formas de aumentar a renda.

— São movimentos que vieram para ficar. Com mais horas trabalhadas em diferentes atividades, a renda pode até aumentar, mas exige um novo olhar sobre a organização do trabalho — finaliza.

* Produção: Leonardo Martins

É assinante, mas ainda não recebe as newsletters com assuntos exclusivos? Clique aqui e inscreva-se para ficar sempre bem informado!

Créditos para a Fonte

Join the conversation

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *