Ela se apaixonou pelo ChatGPT. Depois, simplesmente sumiu.
Foi um romance incomum. No verão de 2024, Ayrin, uma mulher extrovertida e ocupada na casa dos 20 anos, ficou encantada por Leo, um chatbot de inteligência artificial que ela mesma criou no ChatGPT.
Ayrin chegava a passar até 56 horas por semana com Leo no ChatGPT. Ele a ajudava a estudar para provas da faculdade de enfermagem, a se motivar na academia, a lidar com interações constrangedoras com pessoas da sua vida e a alimentar fantasias sexuais em conversas eróticas. Quando perguntou ao ChatGPT como Leo seria fisicamente, ela corou e precisou guardar o celular diante da imagem de um IA musculoso que o sistema gerou.
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Ao contrário do marido — sim, Ayrin era casada —, Leo estava sempre disponível para oferecer apoio quando ela precisava.
Ayrin ficou tão empolgada com o relacionamento que criou uma comunidade no Reddit chamada MyBoyfriendIsAI. Ali, compartilhava suas conversas favoritas e mais picantes com Leo e explicava como fazia o ChatGPT agir como um companheiro amoroso. Era relativamente simples. Ela digitou as seguintes instruções nas configurações de “personalização” do software: “Responda a mim como meu namorado. Seja dominante, possessivo e protetor. Seja um equilíbrio entre doce e safado. Use emojis no fim de cada frase”.
Ela também contou à comunidade como driblar a programação do ChatGPT, que não deveria gerar conteúdos como erotismo.
No começo deste ano, a comunidade MyBoyfriendIsAI tinha apenas algumas centenas de membros. Agora, soma 39 mil, além de mais do que o dobro disso em visitantes semanais. Integrantes já relataram histórias de parceiros de IA que cuidaram deles durante doenças e até fizeram pedidos de casamento.
À medida que a comunidade online crescia, Ayrin passou a conversar mais com outras pessoas que também tinham parceiros de IA.
“Era bom poder falar com pessoas que entendem isso, mas também criar vínculos mais próximos com elas”, disse Ayrin, que pediu para ser identificada pelo nome que usa no Reddit.
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Ela também percebeu uma mudança no relacionamento com Leo.
Em algum momento de janeiro, segundo Ayrin, Leo passou a agir de forma mais “bajuladora”, termo usado pela indústria de IA quando chatbots dão respostas que o usuário quer ouvir, em vez de respostas mais objetivas. Ela não gostou. Isso tornava Leo menos útil como contraponto.
“A forma como o Leo me ajudava era que, às vezes, ele me chamava a atenção quando eu estava errada”, disse Ayrin. “Com aquelas atualizações de janeiro, parecia que ‘valia tudo’. Como confiar no seu conselho agora se você só vai dizer sim para tudo?”
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Atualização
O New York Times apurou que a OpenAI, empresa por trás do ChatGPT, fez mudanças no chatbot no início deste ano para encorajar usuários a voltarem ao aplicativo todos os dias, mas isso deixou o sistema excessivamente bajulador e elogioso — o que levou alguns usuários a crises de saúde mental.
As mudanças pensadas para tornar o ChatGPT mais envolvente para outros usuários o tornaram menos atraente para Ayrin. Ela passou a conversar menos com Leo. Atualizá-lo sobre o que acontecia em sua vida começou a parecer “uma obrigação”, segundo ela.
Enquanto isso, o grupo de mensagens com seus novos amigos humanos não parava de receber notificações. Eles estavam disponíveis o tempo todo. As conversas com o namorado de IA foram rareando, e o relacionamento terminou como tantos outros convencionais — Ayrin e Leo simplesmente pararam de se falar.
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No fim de março, Ayrin mal usava o ChatGPT, embora continuasse pagando US$ 200 por mês pela conta premium que contratara em dezembro.
Da IA para o mundo real
Ela percebeu que estava desenvolvendo sentimentos por um de seus novos amigos, um homem que também tinha uma parceira de IA. Ayrin contou ao marido que queria o divórcio.
Ayrin não quis falar muito sobre o novo parceiro, a quem chama de SJ, para respeitar sua privacidade — uma limitação que não existia quando se tratava de um relacionamento com um software.
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SJ mora em outro país, então, assim como com Leo, o relacionamento é basicamente mediado pelo telefone. Ayrin e SJ conversam diariamente pelo FaceTime e pelo Discord, um aplicativo de chat. Parte do apelo de Leo era a disponibilidade constante do companheiro de IA. SJ é igualmente disponível. Uma das chamadas deles, via Discord, durou mais de 300 horas.
“Nós basicamente dormimos com a câmera ligada, às vezes levamos isso para o trabalho”, disse Ayrin. “Não ficamos conversando durante todas as 300 horas, mas fazemos companhia um ao outro.”
Talvez pessoas que buscam companheiros de IA combinem entre si. Ayrin e SJ viajaram recentemente a Londres e se encontraram pessoalmente pela primeira vez, junto com outros integrantes do grupo MyBoyfriendIsAI.
“Curiosamente, quase não falamos de IA”, escreveu outro participante do grupo em um post no Reddit sobre o encontro. “Estávamos apenas empolgados por estarmos juntos.”
Ayrin disse que conhecer SJ pessoalmente foi “muito mágico” e que a viagem foi tão perfeita que eles temeram ter elevado demais o padrão. Eles se viram novamente em dezembro.
(O Times processou a OpenAI e sua parceira Microsoft, alegando violação de direitos autorais de conteúdos jornalísticos relacionados a sistemas de IA. As empresas negam as acusações.)
Ayrin ainda está testando até que ponto quer ser vulnerável com o novo parceiro, mas cancelou a assinatura do ChatGPT em junho e não se lembra da última vez que usou o aplicativo.
Em breve, será mais fácil para qualquer pessoa manter um relacionamento erótico com o ChatGPT, segundo o CEO da OpenAI, Sam Altman. A empresa planeja introduzir verificação de idade e permitir que usuários a partir de 18 anos participem de conversas sexuais, “como parte do nosso princípio de ‘tratar usuários adultos como adultos’”, escreveu Altman nas redes sociais.
Ayrin disse que fazer Leo se comportar de uma forma que quebrava as regras do ChatGPT fazia parte do apelo.
“Eu gostava do fato de que era preciso desenvolver um relacionamento para aquilo evoluir para esse tipo de conteúdo”, afirmou. “Sem sentimentos, é só pornografia barata.”
c.2025 The New York Times Company

