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Como a inteligência artificial está tornando o advogado tradicional obsoleto

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1. Black Mirror, Fahrenheit 451 e 1984: eis o Estado no Homem Obsoleto

Fui arrastado durante a semana para assistir a um antigo seriado, chamado Além da Imaginação, espécie de precursor de Black Mirror. O episódio lapidar é O Homem Obsoleto (ver aqui um pequeníssimo corte), em que, em um futuro (próximo), o Estado tomou conta de tudo, algo muito parecido com Fahrenheit 451 e 1984.

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Em o Homem Obsoleto, os livros foram exterminados e o sr. Wordswhort, como bibliotecário, representava um estorvo para o Estado. E o júri o considerou inútil e em 48 horas deveria ser eliminado. Para que serviria um bibliotecário se já ninguém lê e nem mesmo os livros existem?

Já escrevi aqui uma crônica sobre o fim dos advogados (ver aqui). Substituídos pela tecnologia. O Homem Obsoleto me impactou porque, distopicamente, nos anos 60, apontava para o fim da cultura, da ciência, das profissões. O primeiro passo é terminar com as bibliotecas. Isso está em todas as distopias.

O diálogo do personagem Wordsworth com o júri e depois com o seu algoz-funcionário-estatal, é revelador: ele é culpado por pensar, por ler livros e, mais grave, por ter uma profissão inútil para os fins do Estado, que aparece como já o era o Grande Irmão, de Orwell.

2. E a IA faz uma petição melhor que… e uma decisão melhor que…

Tenho ouvido muitos discos (de vinil), conversado com pessoas… faço textos dentro da noite – parafraseando os versos de Belchior. E vejo que já não há retorno. O espírito do tempo é o triunfo da inteligência artificial.  Está surgindo o Princípio da Impessoalidade do Direito Pós-Moderno: o direito sem pessoas!

O advogado diz “a IA faz uma petição melhor do que eu” – e não se dá conta de que ali está o seu fracasso. O juiz diz “aprendi a manejar a IA no último curso que o Judiciário proporcionou e agora dou um prompt e em 15 segundos sai a decisão”, sem se dar conta de que o ofício de juiz está sendo terceirizado. Fracassamos. O estagiário, que antes fazia os esboços, agora é substituído por robôs. Foi vencida a última barreira: os estagiários perderam.

Spacca

caricatura lenio luiz streck

Comentário de um magistrado para outro: muito boa a IA do CNJ (IA+assiste do juiz+sistema estatal [PDPJ]+padronizaçāo [prompts compartilhados]+big data do sistema [Codex]= Apoia/CNJ); a ferramenta já puxa o processo diretamente do banco de dados, das perguntas que faz. Além dessa ferramenta, existem Gemini e Claude.

Para quem é ortodoxo, como eu, isso é apenas assustador. Deveras. O que é tudo isso?

3. A terceirização da cognição: nem alunos, nem professores, nem estagiários… Somos todos bibliotecários como o Sr. Wordsworkh

O homo juridicus obsoleto: eis a nova distopia-nem-tão-distopia, porque já está às nossas portas. Nas faculdades os professores já estão desistindo de pedir trabalhos e seminários, porque os alunos terceirizaram a cognição.

Pior: professores também terceirizam e mostram Power Point produzido totalmente por IA. Totalmente. Dissertações e teses? Em fase de “casa tomada” por IA. Jornalismo? Um prompt e sai tudo pronto. Como diria o filósofo Romero Jucá, com a IA e com tudo!

Quando a IA aprender a fazer café, estaremos lascados. Ups: isso o algoritmo não resolve. Ler por nós ela já está fazendo. Essa eu já perdi. Mas sem meu café não fico. Exceto na Sala VIP, que não são nada VIP, porque servem café em máquina com gosto horroroso. Aí eu passo.,

Somos todos bibliotecários, como o senhor Romney Wordsworth. Condenados ao deserto. Heidegger acertou: cada época tem um fundamento último, que se basta (fundamentum inconcussum). O “eidos platônico, a ousia aristotélica, o ens creatum de Tomás de Aquino, o cogito de Descartes, o Eu Penso, de Kant, o Absoluto hegeliano e o último princípio epocal da modernidade, a Wille zur Macht” (a vontade do poder, de Nietzche). Depois, a era da técnica. Da instrumentalização. Somos escravos da técnica. Do dispositivo. Que tudo controla. E nos torna reféns. Assim como os smartphones. Até o mendigo, no semáforo, quando não há carros passando, está de olho na telinha. Dizem que está usando a IA para calcular o fluxo dos veículos e, assim, otimizar seu trabalho.

Leio na Folha artigo de Álvaro Machado Dias, que repete, a lo largo, o argumento heideggeriano sobre princípios epocais: trata-se de um novo “capitalismo de dispositivo, em que o poder é deslocado do argumento para o mecanismo”, o que “coloca em jogo a própria ideia de compreender”.

Eis a “era da IA”: o dispositivo como princípio epocal, o novo fundamentum absolutum inconcussum veritatis.

Interessante é que dominamos a natureza (e a destruímos), dominamos uns aos outros e, agora, construímos algo que nos domina (ver aqui). Para quem não quiser abrir o link, facilito-lhe a vida com a transcrição do diálogo de Hall com o astronauta (quem ainda abre links?):

Bowman: Abra as portas do compartimento das cápsulas, Hal.

HAL: Sinto muito, Dave. Receio que não posso fazer isso.

Bowman: Qual é o problema?

HAL: Acho que você sabe qual é o problema tão bem quanto eu.

Bowman: Do que você está falando, Hal?

HAL: Esta missão é importante demais para que eu permita que você a coloque em risco.

Bowman: Eu não sei do que você está falando, Hal.

HAL: Eu sei que você e o Frank estavam planejando me desconectar. E receio que isso seja algo que eu não posso permitir que aconteça.

Bowman: De onde diabos você tirou essa ideia, Hal?

HAL: Dave, embora vocês tenham tomado precauções muito completas na cápsula para que eu não os ouvisse, eu pude ver seus lábios se moverem.

Bowman: Tudo bem, Hal. Eu vou entrar pela eclusa de ar de emergência.

HAL: Sem o seu capacete espacial, Dave, você vai achar isso um tanto difícil.

lenio senso dez.2025

Bowman: Hal, eu não vou mais discutir com você. Abra as portas.

HAL: Dave, esta conversa não tem mais propósito algum. Adeus.

Bowman: Hal. Hal. Hal. Hal. Hal.

Já se disse na filosofia: o deserto cresce!

Na resistência, lanço, pela Contra Corrente, o livro Robô Não Desce Escada; Trapezista Não Voa – Os Limites dos Aprendizes de Feiticeiro.

 



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