Conferência da Era Digital: pesquisadores discutem comunicação e disseminação no uso de dados e inteligência artificial

Capela Ecumênica recebe mesa sobre comunicação transversal digital e os riscos e oportunidades para produtores e usuários na Era Digital – Foto: Juliana Eulálio

A proteção de dados, a preocupação ambiental no desenvolvimento de softwares e os riscos do uso da inteligência artificial (IA) em larga escala foram alguns dos temas debatidos na mesa redonda “A comunicação transversal digital e os riscos e oportunidades para produtores e usuários na Era Digital”, realizada na manhã desta quinta-feira, na Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados – Soberania Nacional em Geociências, Estatísticas e Dados: riscos e oportunidades do Brasil na Era Digital (CONFEST/CONFEGE).

Daniel Castro, coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI) e da Coordenação de Comunicação Social (CCS) do IBGE, abre o dia dedicado aos debates sobre comunicação e disseminação – Foto: André Martins

O evento segue até amanhã (2), no Campus Maracanã, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Todas as mesas da conferência estão sendo transmitidas pela Internet, por meio do IBGE Digital, e podem ser visualizadas na plataforma do Instituto. A programação, as apresentações e mais informações estão disponíveis no site da Conferência (eventos.ibge.gov.br/conferencia-soberania-nacional)

Pedro e Bia, personagens do IBGE Educa, participam da abertura do quarto dia da Conferência – Foto: Juliana Eulálio

Mediada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom), Juliano Domingues e André Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) a mesa contou com abertura de Daniel Castro da Silva, coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI) e da Coordenação de Comunicação Social (CCS) do IBGE, que destacou que a comunicação, na Era Industrial, “era apenas uma intermediária da narrativa, mas na Era Digital passa a ter o papel de produto, [para o qual] tem que ter governança de dados, para o futuro de um país soberano, no qual o elemento humano não vai ser substituído”.

Em vídeo enviado para a conferência, o empreendedor Denis “Jaromil” Roio apresentou o trabalho da fundação Dyne.org no desenvolvimento de software livre. “Nós desenvolvemos software não porque lucramos com isso, mas porque é importante para a sociedade. Nós sempre nos perguntamos por que fazemos algo e o propósito nem sempre deve ser o dinheiro”, declarou.

Juliano Mendonça Domingues da Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom – Foto: Juliana Eulálio

Para ele, um dos pilares do desenvolvimento de software é que seja feito de modo interdisciplinar, envolvendo pessoas de várias áreas do saber. Outro ponto levantado por Jaromil é a preocupação com o meio ambiente no momento de pensar o produto. “Para nós, como desenvolvedores de software, o direito de reparar as coisas, de reutilizar, significa que o nosso software precisa ser otimizado e randomizado para diferentes usos e diferentes dispositivos, para que o hardware seja reutilizado e as pessoas não precisem comprar novos equipamentos. Isso é um impacto muito importante para nós”, afirmou.

Denis “Jaromil” Roio, da Dyne.org Foundation – Foto: Juliana Eulálio

Por chamada de vídeo, o professor Nick Couldry, da London School of Economics and Political Science (LSE), apresentou o tema “Inteligência artificial: a reconstrução da realidade social – entendendo os riscos”. “Se pensarmos por um instante sobre o que a IA de fato é, aplicando um poder computacional, combinando uma forma não linear a redes neurais que envolvem trilhares de cálculos simultâneos para fazer previsões, se isso é a IA, então é claro que deve haver algum benefício em larga escala. Pelo menos, se nós usarmos esse poder para claramente especificar propósitos sociais úteis para fazer coisas que estão além das capacidades humanas, por exemplo, como contar, monitorar doenças, resolver problemas, encontrar proteínas novas e assim por diante”, afirmou.

No entanto, o professor citou que há riscos nesse uso. “Todos esses benefícios da IA de larga escala não são materializados porque ela é aplicada apenas para propósitos comerciais e não sociais. O risco de ela ser usada de formas erradas pode determinar o fim das capacidades humanas. Isso poderia causar danos aos seres humanos e, em todas as vezes que não conseguimos controlar as nossas regulações feitas por cidadãos, há um problema. É exatamente o que está acontecendo hoje”, disse o professor.

Nick Couldry, London School of Economics and Political Science – LSE – Foto: Juliana Eulálio

Ele defendeu ainda a regulação de inteligência artificial guiada pelos interesses dos cidadãos. “Isso quer perguntar, por exemplo, quem se beneficia com a IA, quem pode diretamente receber essa assistência de IA, quem pode avaliar a funcionalidade de um sistema de IA e quem pode decidir quando desligar esse sistema se ele não estiver funcionando. São vocês, cidadãos, que têm esse poder?”, indagou o pesquisador.

Em seguida, Edemilson Paraná, professor da Lappeenranta-Lahti University of Technology (LUT University), apresentou o tema “Soberania estatística, democracia e big techs: desafios da dataficação para os Estados Nacionais”. Na apresentação, citou trabalhos em parceria com Oscar Arruda d’Alva, servidor do IBGE e orientado por ele no doutorado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em que defendeu que “não há soberania nacional sem soberania estatística”.

“As estatísticas oficiais são então um elemento que tanto orientam a ação planejada dos governos e dos agentes no espaço nacional como possibilitam o exercício da cidadania pelo conjunto da população. Isso inclui avaliação crítica do desempenho dos governantes, por meio de informações confiáveis, construídas em espaço político e em espaço cognitivo comum”.

Edemilson Paraná, Lappeenranta-Lahti University of Technology – LUT University – Foto: André Martins

“Como bens públicos, as estatísticas oficiais estabelecem um vínculo fundamental entre a soberania nacional e a democracia”, complementou o professor, afirmando ainda que há um avanço das big techs sobre essas estatísticas, o que, para os pesquisadores, pode comprometer a soberania estatística dos Estados.

“Com base nessa pesquisa empírica que estamos fazendo juntos, nós demonstramos que esse processo de intervenção das big techs no campo das estatísticas oficiais ocorre com desenvolvimento ativo de empresas como Microsoft e Google em ações de lobby, financiamento, pesquisa e desenvolvimento que podem implicar em mudanças na estrutura de produção e coordenação estatística global, com impactos significativos nos sistemas estatísticos nacionais”, disse.

Público lota capela no quarto dia da Conferência da era digital – Foto: Juliana Eulálio

A jornalista Jamile Barreto, representante do Conselho Deliberativo e da Diretoria de Igualdade Étnico Racial da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) falou sobre a falta de representatividade negra nos espaços de discussão e destacou que a comunicação precisa ser feita para todas as pessoas. “O índice de pessoas que estão hoje nas universidades ainda é muito baixo, especialmente todos os grupos que foram vulnerabilizados historicamente”, disse.

Jamile Barreto – Conselho Deliberativo e Diretoria de Igualdade Étnico Racial da Associação Brasileira de Imprensa – ABI – Foto: Juliana Eulálio

“Aqui nós temos muitas gerações, talvez tenhamos baby boomers, gerações y e z, mas nós precisamos de mais diversidade nessa comunicação que nós temos. Precisamos de mais pessoas diversas, de mais interseccionalidades”, completou.

O advogado e sociólogo Pedro Saliba, que atua como coordenador de assimetrias e poder na Data Privacy Brasil, apresentou a organização em que trabalha e discursou a respeito da proteção de dados. “A privacidade lida com uma esfera de intimidade, privada e pública e normalmente é tida como o direito de ser deixado só. Por exemplo, eu tenho o direito de que não entrem nessa esfera da minha vida, de privacidade, de intimidade. A proteção de dados assume que os dados precisam circular para que a vida funcione”, explicou, mencionando, por exemplo, quando um hospital necessita de dados pessoais para o atendimento.

Pedro Saliba, Data Privacy Brasil – Foto: Juliana Eulálio

Ele citou ainda assimetrias na proteção de dados e mencionou pesquisas como a realizada pelo próprio DataPrivacy Brasil sobre o cadastro ambiental rural (CAR). “A gente verificou nessa pesquisa que há uma assimetria entre beneficiários e beneficiárias da reforma agrária, que têm seus dados mais expostos, do que proprietários e proprietárias de terras rurais, que têm normalmente seus dados protegidos. Então vemos que os dados e a proteção de dados começam a expor questões da própria formação do Estado brasileiro. O que você sabe sobre as pessoas e o que você deixa de saber sobre as pessoas expõem questões políticas muito mais amplas”, pontou Saliba.

Mesa contou com apresentações presenciais e remotas – Foto: Juliana Eulálio

Em seguida, houve a exibição do vídeo enviado por Marco Lucchesi, presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), que não pôde participar presencialmente. “A Biblioteca Nacional, como sabemos todos, é uma grande potência. Ela representa um dos maiores tesouros do planeta Terra. É considerado pela Unesco como uma das dez mais importantes do mundo”, citou Lucchesi, destacando os esforços de disseminação do conteúdo da biblioteca. “A Biblioteca Nacional criou, a partir de 2006, uma grande difusão e grandes mecanismos de buscas e de resgate de informação que se tornaram realmente paradigmáticos. Para dar uma ideia, são quase 1 milhão de acessos a cada ano na biblioteca digital. Do início de janeiro até hoje, foram digitalizados mais de 2 milhões de páginas”, disse o presidente da FBN, mencionando o acesso dos pesquisadores ao acervo digital da instituição.

Marco Lucchesi, presidente da Fundação Biblioteca Nacional – FBN – Foto: André Martins

Também por vídeo, Geert Lovink, professor do Institute of Network Cultures, destacou que as pessoas se sentem presas às plataformas digitais. “Isso quer dizer que não há forma correta de reagir. Isso é o que as plataformas fazem, criam dependência, e simplesmente não há mais espaço para sair, porque você não quer e não consegue, uma vez que sua família, seus negócios, suas relações, tudo está preso a essa forma de dependência digital. Isso também acontece numa escala econômica muito maior”, declarou.

Geert Lovink, Institute of Network Culture – Foto: Juliana Eulálio

Finalizando a mesa, o professor da USP André Barbosa fez um apanhado dos temas discutidos. “Uma coisa importante que percebemos nas discussões desses dias aqui é que vemos, por um lado, a preocupação com os riscos dessa nova tecnologia, especialmente da inteligência generativa, por outro lado, tem o grande aspecto da sociedade tentando alcançar essas tecnologias e fazer um controle democrático, republicano, constitucional, no caso brasileiro, para que a gente consiga avançar nessa tecnologia que a gente chama de exponencial, de acordo com o grande objetivo, que é qualidade de vida dos brasileiros, dos latino-americanos e das pessoas do mundo inteiro”, ressaltou.

André Barbosa Filho, Universidade de São Paulo – USP, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT – Foto: André Martins

Participantes destacam debates da Conferência em seus cotidianos

A relevância dos debates e as aplicações dos temas em seus cotidianos de trabalho foram destacados por diferentes participantes das mesas e oficinas da Conferência. Joseane Duarte, servidora da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde explicou como o SINGED pode ser útil ao ministério. “Viemos acompanhar e conhecer melhor os trabalhos do IBGE, pois temos projetos que precisam dos dados e o Instituto é reconhecido como referência em estatísticas e pode nos ajudar em nossos eixos de trabalho. Conhecemos um pouco mais a iniciativa do SINGED e visamos uma articulação para compartilhar e produzir novos dados sobre os trabalhadores da saúde em nosso país”.

Joseane Duarte – Foto: André Martins

Na mesma linha, Janaina Guerra, também membro da SGTES destacou sua “experiência riquíssima nesta Conferência, acompanhando todos os debates. Temos projetos nas demografias das profissões da saúde e o aprendizado em encontros como este são importantíssimos para esta pasta. O Ministério da Saúde busca parcerias com o IBGE como a produção de novos dados e pesquisas”.

Janaina Guerra – Foto: André Martins

Psicólogo e doutorando da Escola Nacional de Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Hugo Gama citou a pesquisa sobre Inteligência Artificial no trabalho e seus impactos na saúde do trabalhador, especificamente aqueles que utilizam dados. “Acompanho o trabalho do IBGE e de outros pesquisadores na discussão sobre as consequências do uso de IA, as mudanças na sociedade e pensamos na soberania digital”.

Hugo Gama – Foto: André Martins

Raife Sales é publicitário e trabalha no portal Voz das Comunidades, jornal comunitário independente da cidade do Rio de Janeiro. Ele explicou como o conteúdo da Conferência pode ser útil em seu dia-a-dia e também para a população de comunidades: “trabalho no setor de tecnologia, então tudo que possua relação com big techs e Inteligência Artificial cerca meu universo, por isso os assuntos pautados nesta mesa redonda e na Conferência me chamaram atenção, como o tema ‘Soberania nacional de dados’. Este assunto também é relacionado às comunidades, como serviços como o DataLab, LabJaca e o próprio Voz das Comunidades, que produzem dados. Podemos pensar numa plataforma que utilize estes dados, unindo o IBGE a esta população”.

Raife Sales – Foto: André Martins

Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados

Local: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Data: 29 de julho a 2 de agosto
Transmissão: IBGE Digital e Webex, para participantes inscritos
Inscrições: Loja IBGE
Informações: Site Conferência 
Documento para o debate: https://eventos.ibge.gov.br/conferencia-soberania-nacional/documento-para-o-dialogo

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