Ainda em campanha para retornar à Presidência, em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva disse diversas vezes que o Brasil precisava de “mais livros e menos armas”. Sua candidatura animou o mercado editorial, que é conhecido por seu progressismo e também pela dependência das compras do governo. Em julho de 2022, Lula recebeu um manifesto com as demandas do setor e, às vésperas do segundo turno, a Companhia das Letras, maior editora do Brasil, lançou a campanha “Faz o L com o livro”, que mobilizou dezenas de escritores.
Lula voltou ao Planalto, mas a promessa de “mais livros” ficou no papel. Reservadamente, editores reclamaram ao GLOBO da demora do governo em dar andamento ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), colocando em risco as contas do setor. O calendário do governo para aquisição de livros está completamente “desajustado”, afirmam editores.
Este ano, o governo compraria livros didáticos de reposição para o Ensino Fundamental 1 e 2. Como é de praxe, as editoras enviaram seus catálogos, as escolas escolheram os títulos e houve negociação de preços. Esse processo acabou no fim de junho. No início de julho, o governo enviou o registro de negociação, uma espécie de ata que discrimina os títulos contratados e o valor. A expectativa era que o contrato fosse assinado em cerca de duas semanas, mas até agora nada aconteceu. Ao todo, foram negociados cerca de 70 milhões de livros, no valor de mais de R$ 900 milhões. As editoras têm cada vez menos esperança de receber alguma parcela desse montante ainda este ano.
— Procuramos o FNDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação, responsável pelo PNLD) e dizem que a pessoa responsável estava de férias, de licença-médica. Não temos informação — afirma um editor.
A situação do PNLD Literário é ainda pior: a edição de 2022, dedicada à literatura para a educação infantil, deveria ter sido feita no governo Bolsonaro, mas só foi negociada em junho deste ano e a contratação ainda está pendente. O PNLD Literário 2023 (Ensino Fundamental 1) ainda não teve as obras escolhidas pelas escolas. O de 2024 (Ensino Fundamental 2) só deve andar após a conclusão do 2023. O ano do PNLD se refere à data em que os livros deveria chegar às escolas. Mais de 300 editoras estão aguardando respostas.
— Ao contrário do anterior, este governo parecia aberto ao diálogo e pronto a escutar as editoras, mas tem sido incapaz de garantir um calendário que permita organizar os fluxos da cadeia do livro — disse um editor.
Os atrasos dos PNLD ocorrem num momento em que o mercado editorial vai mal das pernas. Segundo a Nielsen BookScan, as vendas já caíram 6,47% este ano o faturamento do setor só cresceu (4,68%) graças ao aumento dos preços.
— Todo mundo tinha incluído os PNLDs Literário de 2022 e 2023 no desenho do fluxo de caixa deste ano — afirmou uma editora. — A bibliodiversidade do mercado editorial depende muito desses programas.
Outra editora explica que a preocupação das editoras não é só com os lucros futuros, mas em cobrir os investimentos já feitos. É caro participar do PNLD: as editoras precisam produzir os livros para avaliação e adequá-los aos formatos exigidos pelo governo, que também solicita a confecção de material de apoio (inclusive digital). Ainda que nem o PNDL Literário de 2022 tenha sido concluído, o mercado já se prepara para as edições 2025 e 2026.
Uma editora disse ao GLOBO que, apesar de eventuais atrasos, os PNLDs sempre funcionaram bem, graças ao profissionalismo da burocracia do FNDE.
— Até os problemas que existiram no governo Bolsonaro foram de ordem muito menor que os de agora, e ainda tínhamos alguma resposta — afirmou.
O que mais desespera os editores é o silêncio do governo. Ninguém sabe se os entraves são logísticos ou orçamentários. A ausência de obras literárias em editais recentes para compras de livros para o Ensino Médio e a Educação de Jovens Adultos também frustrou o setor, embora espere-se que um edital focado somente em literatura ainda seja lançado.
A decepção do mercado editorial é ainda maior devido ao protagonismo dos livros no programa do governo Lula.
— Ninguém sabe qual é a causa desses atrasados. Nós tememos não só prejuízos econômicos, mas também perda de credibilidade do PNLD e da capacidade do governo de operacionalizar o programa. O presidente e o ministro da Educação (Camilo Santana, do PT) têm que se dar conta disso e nos dar alguma luz. Nenhuma entidade do livro consegue conversar com o MEC.
Em resposta a um ofício enviado pelas entidades representativas do livro ao FNDE, foi agendada uma reunião no início de setembro com a presidente do órgão, Fernanda Pacobahyba.
Procurados pelo GLOBO, o MEC e o FNDE afirmaram que “têm recebido todos os interessados da sociedade que demanda atendimento, sendo essa uma das marcas do PNLD”. Informou ainda a compra dos livros didáticos de reposição deve ser concluída em duas semanas. Já as aquisições do PNLD Literário 2022 deve ocorrer entre setembro e outubro. O governo também ressaltou que as compras dos PNLDs Literários de 2023 e 2024 estão previstas e que, recentemente, publicou “três novos editais para garantir a expansão de atendimento, inclusive para Educação de Jovens Adultos”.