Chefe do órgão responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos públicos federais, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, se une ao grupo de autoridades que defendem mudanças no sistema destinação de emendas de comissão — que não identifica o autor da indicação da verba. Em entrevista, Dantas atribui a falta de transparência a um provável descuido do Congresso e diz que a Corte de Contas pode atuar para corrigir eventuais “distorções”.
A opacidade nos repasses de recursos indicados por deputados e senadores conflagrou uma crise entre os Três Poderes na semana passada. Ao falar da relação com o governo Lula, Dantas minimiza a “guerra fria” com a Advocacia-Geral da União (AGU) após criar um órgão de mediação de acordos no TCU e diz que decisões recentes que contrariaram o Planalto não representam qualquer tipo de recado.
Leia a seguir a entrevista:
O Supremo Tribunal Federal tem cobrado mais transparência às emendas parlamentares e determinou a atuação do TCU na auditoria desses recursos. Como o Tribunal vai atuar?
O problema que se está identificando é nas emendas de comissão, que são deliberadas coletivamente. Então, por vezes, ao que parece, não constava no sistema o autor da emenda. A deliberação é coletiva, mas quem foi o autor da emenda? Quem alocou aquele recurso para o município A, o estado B? Não acho que tenha grandes dificuldades para o Congresso identificar quem foi o autor das emendas. O que eu acredito é que esse modelo de emenda de comissão foi implementado meio que às pressas, talvez tenha sido algum descuido do Congresso na identificação disso.
Quais são os problemas que o senhor vê nesse modelo?
O que parece que está acontecendo é que emendas de comissão estão sendo usadas para transferências pulverizadas em muitos municípios. Se isso é uma distorção, acredito que é possível corrigir e que o esforço que deve haver daqui para frente é para que haja essa identificação. O TCU tem recursos técnicos para colocar à disposição do Congresso para que essa transparência seja realizada.
O TCU contrariou interesses do governo ao manter mandatos de dirigentes de agências reguladoras. O Planalto via a possibilidade de indicar novos nomes. Houve alguma pressão do Congresso?
Para mim, não houve. Claro, o plenário é composto de nove ministros, cada um forma sua convicção de acordo com a prova dos autos, de acordo com a sua convicção jurídica. A maioria dos ministros entendeu que se tratava de um ato político, e não de um ato administrativo. Portanto, o tribunal não tinha competência. A governança do TCU não permite que se possa conjecturar um alinhamento de opiniões para passar mensagem X ou mensagem Y.
O senhor acredita que a decisão do TCU de liberar o presidente Lula de devolver um relógio de luxo abre brecha para a anistia no caso dos presentes de Jair Bolsonaro?
Não cabe a mim, como presidente do TCU, comentar o que as pessoas pensam dos julgamentos do tribunal. O TCU se manifesta pela maioria do seu plenário e cinco ministros votaram como votaram. O presidente do tribunal nem vota. A maioria entendeu que precisaria de lei. Isso é o que foi decidido. De novo, decisão jurídica. O compromisso do TCU vai até a proclamação do resultado. Como personagem político A ou B vai utilizar essa decisão, isso não pode nem influenciar, sob pena de nós adotarmos decisões casuísticas.
Lula ligou para o senhor para avisar que irá devolver o relógio?
Aprendi com o presidente José Sarney que telefonema de presidente da República você não revela nem o telefonema nem o conteúdo.
Por que o senhor foi contra a inclusão da AGU na mediação de acordos entre governo e empresas? O governo precisou alterar um decreto que previa essa participação.
Não é a AGU que faz controle de legalidade. A AGU faz orientação de uma das partes. Quem cuida disso é o TCU. Mas isso foi bem entendido. Os ministérios têm consultorias jurídicas que são ocupadas por membros da AGU. Então, dizer que a AGU não estava acompanhando é uma mentira. O que poderia dizer é que o gabinete do ministro da AGU também queria participar. Acho que essa demanda é legítima e nós já atendemos.
A competência do TCU para atuar como mediador nesses acordos entre governo e empresas tem sido questionada…
O Código de Processo Civil diz que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual de conflitos. Mas não é só. A câmara de mediação do TCU, batizada de SecexConsenso, não torna o tribunal parte do acordo. Ela nada mais é do que o nosso esforço para antecipar a análise dos auditores sobre eventuais irregularidades nas cláusulas da repactuação, criando para as partes segurança jurídica.
O senhor vê risco fiscal na situação das contas do governo?
Penso que o Brasil vive uma situação fiscal que inspira atenção, mas não há descontrole. Seria muito útil reunir os presidentes dos Poderes, as lideranças partidárias, o procurador-geral da República, colocar todo mundo numa mesa e mostrar o quadro fiscal do Brasil. É preciso que todos tenham responsabilidade.
O nome do senhor foi cotado para assumir o comando da mineradora Vale. Há interesse do senhor nessa vaga?
Termino o meu mandato no TCU em 6 de março de 2053. Portanto, tem muito chão pela frente. Talvez tenha gente que deseja vir para o TCU e gostaria que eu saísse. Para esses, eu só posso dizer que vão ter que esperar um pouco.