Segundo advogados, as emendas interferem no processo eleitoral, na atribuição dos Três Poderes e precisam ser revistas pelo Judiciário; tema está sob impasse com o Congresso após últimas decisões de Flávio Dino
Especialistas ouvidos pelo Poder360 avaliam que há uma “confusão” entre as atribuições dos Três Poderes no embate sobre as emendas pelo Legislativo e o Judiciário. Espera-se que a temperatura entre o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) suba nas próximas semanas com o julgamento dos recursos e mudanças na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
A PGR (Procuradoria Geral da República) e o Congresso avançaram sobre as últimas decisões do ministro Flávio Dino, que determinou requisitos para garantir a transparência das emendas Pix. Na decisão de 1º de agosto, o ministro determinou que as emendas Pix devem atender aos requisitos constitucionais da transparência e da rastreabilidade e ainda serem fiscalizadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e pela CGU (Controladoria Geral da União).
Já na 5ª feira (8.ago), Dino retificou o que foi decidido e autorizou o repasse só em casos de calamidade pública e para o financiamento de obras já em andamento. Essa alteração ocorreu após a PGR argumentar que as emendas Pix poderiam afetar as eleições municipais de 2024.
O especialista em direito constitucional Pedro Serrano afirma que o uso da emenda em ano eleitoral pode interferir no resultado das eleições, comprometendo a igualdade de condições na disputa.
Pode favorecer, por exemplo, o deputado e candidato à reeleição, em detrimento daquele que não é deputado, é novo na política e não possui o poder de determinar emendas.
Congressistas apresentam propostas de investimentos para obras e projetos em seus Estados, mas em ano eleitoral há deputados e senadores que direcionam as verbas para suas bases eleitorais para ampliar o capital político.
Apesar das medidas para melhorar a transparência, especialistas consideram que poderiam ter sido tomadas ações mais efetivas para resolver impasses constitucionais.
A decisão de Dino sobre a transparência das emendas Pix será analisada em plenário virtual pelo STF em 16 de agosto. A decisão em resposta à PGR está prevista para julgamento ainda neste mês.
CONFUSÃO ENTRE OS PODERES
No mesmo dia em que Flávio Dino decidiu sobre o pedido de extinção das emendas Pix pela PGR, a Câmara e o Senado entraram com um recurso pedindo a revogação da decisão. Os órgãos legislativos viram na medida uma concessão excessiva de autonomia ao Executivo, acirrando a tensão entre os poderes no Brasil.
Especialistas divergem sobre a intervenção do Judiciário nas prerrogativas do Legislativo. André Marsiglia, advogado e articulista do Poder360, não considera as emendas Pix com “bons olhos”, mas questiona a abordagem do Judiciário em criar regras que deveriam ser competência do Legislativo.
Para os demais especialistas, o Judiciário não está entrando na competência do Legislativo, mas determinando os limites que o Legislativo deve ter numa atividade de controle da administração pública.
Segundo o advogado constitucionalista Álvaro Palma de Jorge, dado que o orçamento é uma disciplina constitucional, é dever do STF preservar as regras. Além disso, já foi decidido em 2022 a proibição do orçamento secreto. Portanto, uma emenda que não é rastreável infringe a decisão já julgada inconstitucional pelo STF.
O especialista Pedro Serrano, endossa a posição de Álvaro, mas afirma que o Judiciário deveria avançar mais sobre o tema. O advogado diz que a decisão “mitiga problemas”, mas falta o Supremo corrigir a imposição das emendas pelo Legislativo.
EMENDAS IMPOSITIVAS
O advogado cita o pedido formulado pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade) na 5ª feira (8.ago), que pede o bloqueio das emendas impositivas de 2024. O instrumento obriga o Poder Executivo a executar despesas específicas propostas por congressistas. Geralmente são usadas em obras e projetos de política pública nos Estados.
Segundo o Psol, tais emendas determinam “um desarranjo profundo no modelo de determinação orçamentária”. Para Pedro Serrano, “é atípico o Legislativo exercer uma atividade de controle do poder Executivo”. O advogado, em suas declarações, sugeriu que as emendas deveriam ser transformadas em autorizações para despesas, não obrigações.
“O que falta ao Supremo é declarar a inconstitucionalidade de emendas impositivas. É um desequilíbrio dos Poderes o Legislativo ter a possibilidade de formular, com rotinas, emendas impositivas ao Executivo. Quem decide o destino das verbas orçamentárias deve ser o Executivo. O Legislativo tem um papel de autorização; ele autoriza que a despesa seja realizada e, não, determina que ela seja realizada”, afirmou Pedro.
A controvérsia sobre as emendas impositivas reflete uma questão mais ampla de como os poderes da República interagem e se equilibram. A posição do Congresso de que o Judiciário estaria interferindo no Legislativo e a defesa do Psol de que o atual modelo orçamentário favorece um desequilíbrio destacam a complexidade do debate.
AVANÇO NO TEMA
Marsiglia vê como um problema o STF avançar “mais do que deve” na tarefa de regular as funções legislativas. O advogado chama a atenção para a possibilidade de ocorrer abusos do Poder vizinho.
O advogado Pedro Serrano destaca um dos “déficits” da decisão de Dino. Sobre a imposição de que deputados e senadores só podem determinar verba para o próprio Estado ou Município, Pedro diz que “não faz sentido limitar o congressista a fazer emendas para o seu próprio Estado. Ele deve poder interferir no orçamento como um todo. Tem questões que não dizem respeito ao seu Estado, mas são de interesse público nacional, e ele poderia ou deveria poder intervir”.
RESPOSTA DO CONGRESSO
Na 5ª feira (8.ago), o Congresso recorreu da decisão de Dino em relação à transparência e auditoria das emendas Pix. Houve ainda uma tentativa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na 4ª feira (8.ago), em tentar estreitar o diálogo com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, depois da ação da PGR.
Segundo apuração do Poder360, o Legislativo deve responder ainda às recentes decisões de Dino na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Há uma pretensão de incluir na lei a criação de um dispositivo que cria um novo tipo de emenda – a emenda partidária. Ela permitiria um repasse de verbas pelas lideranças das bancadas.
A Câmara e o Senado também solicitaram ao STF que reconsidere outra decisão de Dino, desta vez sobre as emendas RP-9 (de relator) e RP-8 (de comissão). O magistrado também só autorizou os repasses dessas verbas se houver “transparência e rastreabilidade”. Eis a íntegra do recurso (PDF – 640 kB).
Com a entrada dos recursos na Corte, um caminho para evitar disputas entre os Três Poderes seria a possibilidade de uma conciliação das partes sobre o tema.
“Uma atitude de diálogo dos Poderes é sempre positiva. Mas tem que ser um diálogo a partir do cumprimento da Constituição”, afirma Pedro Serrano.