Um novo processo judicial contra a Google alega que os resumos de conteúdos escolares gerados através da ferramenta de inteligência artificial (IA) da gigante tecnológica estão a prejudicar o tráfego e as receitas da Chegg de tal forma que a empresa de educação online norte-americana pode não sobreviver no seu formato actual.
A Chegg, que fornece ajuda com os trabalhos de casa e respostas de testes para estudantes, entrou com um processo contra a Google e a Alphabet esta semana, num tribunal federal dos EUA. Num relatório trimestral divulgado na segunda-feira, a empresa relacionou as suas recentes dificuldades financeiras com os resumos gerados por IA [que aparecem no topo das pesquisas] e alegou que a Google “reteve injustamente o tráfego” que antes fluía para o site da Chegg. A empresa registou 144 milhões de dólares (cerca de 137 milhões de euros) em receita no quarto trimestre de 2024, uma queda de 24% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Este é um dos primeiros casos em que uma empresa de capital aberto recorre à justiça para alegar que a IA de uma gigante tecnológica afectou gravemente os seus negócios. O declínio do tráfego que a Chegg atribui às ferramentas de IA da Google forçou a empresa de educação a considerar “alternativas estratégicas”, como tornar-se privada ou ser adquirida por outra companhia, disse o presidente-executivo, Nathan Schultz durante uma conversa com analistas na segunda-feira.
A empresa alega, no processo, que a Google usa a sua posição dominante nos resultados das pesquisas para forçar empresas como a Chegg a fornecer conteúdos grátis. “A Google está a colher os benefícios financeiros do conteúdo da Chegg sem ter que gastar um centavo”, disse Schultz. “O nosso processo desafia a concorrência desleal da Google, que é injusta, prejudicial e insustentável.”
Num email enviado ao The Washington Post, o porta-voz do Google, José Castañeda, apelidou as alegações da Chegg de “infundadas”, explicando que as ferramentas da Google enviam tráfego para mais sites e criam oportunidades para os utilizadores descobrirem outros conteúdos.
A pandemia de covid-19 criou uma crescente popularidade para empresas como a Chegg e o Course Hero, que prometiam ajuda nos trabalhos de casa e na preparação para avaliações. Os estudantes podiam pagar por uma subscrição e receber conjuntos de informações de diferentes cursos, incluindo, em alguns casos, cópias de exames com as respostas correctas.
Mas a ascensão da IA introduziu maneiras mais baratas e fáceis para os alunos procurarem essas respostas, deixando a Chegg e outras empresas tradicionais a lutar para acompanhar esse ritmo. O tráfego de utilizadores não subscritores da Chegg caiu 49% em Janeiro, em comparação com o mesmo mês do ano passado.
No pico de utilização, em Fevereiro de 2021, o preço das acções da Chegg atingiu os 113 dólares (107 euros), mas esta terça-feira as acções da empresa fecharam em menos de dois dólares. E a IA não é um problema novo para a Chegg. Em Maio de 2023, o então CEO da empresa, Dan Rosensweig, disse que o ChatGPT, da OpenAI, estava a afectar os negócios, embora a Chegg tenha desenvolvido posteriormente um chatbot de aprendizagem complementar com a OpenAI.
Mas quando a Google disse, no ano passado, que adicionaria IA aos resultados das pesquisa no motor de busca, alguns especialistas argumentaram que a mudança aumentaria o controlo já rígido da gigante tecnológica sobre a Internet. Em Fevereiro de 2024, a empresa de pesquisa Gartner previu que o tráfego da internet proveniente de motores de pesquisa cairia 25% até 2026, devido, em grande parte, aos chatbots e aos resumos que utilizam IA, que estavam a usurpar cliques.
Especialistas em optimização de mecanismos de pesquisa têm-se tornado menos “apocalípticos” sobre o impacto da IA nas receitas, disse Ross Hudgens, CEO da consultora Siege Media. No entanto, os conteúdos gerados por ferramentas IA da Google prejudicaram algumas indústrias mais do que outras. Até agora, grassaram principalmente consultas puramente informativas — como notícias e auxílio com os trabalhos de casa — e não afectaram as pesquisas relacionadas com compras, disse Lily Ray, vice-presidente de estratégia e pesquisa de SEO na Amsive. A Google também ainda não implementou totalmente todos os seus recursos relacionados com IA, o que significa que a maioria das empresas ainda não sentiu o efeito total das mudanças.
“No caso de sites que ganham dinheiro puramente através de tráfego e visualizações de página, é uma ameaça devastadora para todo o modelo de negócio”, disse Ray. “Ainda é bem cedo, mas há muitas empresas que certamente estão chateadas com isto.” No ano passado, vários media fizeram soar os alarmes de que o uso de IA pela gigante tecnológica para resumir os resultados de pesquisa prejudicaria o tráfego para sites de notícias.
A Chegg, por exemplo, dependia de uma combinação entre as perguntas que eram feitas ao Google e as respostas que disponibilizavam no seu site, daí que o aparecimento de chatbots e conteúdos resumidos que oferecem ajuda gratuita tenham feito da Chegg uma “primeira vítima óbvia”. “Eles devem estar em pânico”, referiu Ross Hudgens.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução e adaptação: Sofia Neves