Decisões sobre o tema suspendem o pagamento de maioria das emendas até que medidas de transparência sejam adotadas
O Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) estão em uma disputa sobre o destino das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino suspendeu, em 8 de agosto, o pagamento das emendas Pix até que fossem adotadas medidas de transparência. Na 5ª feira (14.ago.2023), estendeu a suspensão a todas as emendas impositivas.
A maior parte das críticas recai sobre as emendas Pix. São repasses de dinheiro federal pelos congressistas com a dispensa de vários critérios técnicos. O dinheiro cai na conta do município mais rapidamente, mas há também menos transparência. Relatório (íntegra – 2 MB) da Transparência Brasil, publicado em junho de 2024, mostrou que menos de 1% das emendas Pix identifica, no momento da apresentação, o destino dos recursos.
O Poder360 explica abaixo as implicações da decisão de Dino e os argumentos do Congresso.
Leia mais:
O que foi decidido
As principais decisões sobre tema foram tomadas em uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) e duas ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) que pediram a suspensão dos pagamentos:
- ADFP 854 – ação foi movida pelo Psol em 2021 contra as emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”. O STF já havia determinado o fim das emendas de relator em 2022, mas Dino aceitou uma reclamação de que as emendas de comissão estavam repetindo o mecanismo de falta de transparência e determinou, em 1º de agosto, novas medidas de transparência;
- ADI 7688 – protocolada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) em 25 de julho e com decisão monocrática de Dino (íntegra – 184 kB) em 1º de agosto;
- ADI 7695 – a ação protocolada pela PGR (Procuradoria Geral da República) em 7 de agosto tem conteúdo semelhante. Como a legitimidade da associação de jornalistas para propor a ADI 7688 é questionada, a nova ação da PGR supriria questionamento. Dino deu nova decisão (íntegra – 200 kB) contra as emendas Pix.
Leia abaixo um resumo das decisões do ministro Flávio Dino:
Depois das duas decisões, o governo está impedido de pagar emendas impositivas, exceto em casos de calamidade pública e obras em andamento. Os pagamentos podem ser retomados caso o Congresso demonstre cumprir as determinações do ministro.
Nas decisões, Dino afirma que haverá uma avaliação das medidas tomadas para sanar os problemas que ele apontou depois da votação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025. Ou seja, será avaliado se o conteúdo da lei está de acordo com a decisão do ministro.
As decisões de Dino devem ser submetidas na 6ª feira (16.ago) ao plenário do STF, para a avaliação de outros ministros.
Entenda cada ponto das decisões
Eis uma explicação com mais detalhes do que foi decidido:
- autoria das emendas –Dino determinou que governo, Câmara e Senado divulguem os autores das indicações de emendas de comissão e dos restos a pagar das emendas de relator;
- fiscalização pelo TCU – o Tribunal de Contas da União havia decidido em março de 2023 que não fiscalizaria a aplicação do dinheiro das emendas Pix. Desde então, analisa só o cumprimento de condicionantes (como a vedação a pagar salários com esse dinheiro). A decisão de Dino obriga o TCU a também fiscalizar a aplicação de recursos repassados por emendas Pix;
- cidades devem informar dados – há informações esparsas sobre o que será feito com cada repasse de emendas Pix em plataformas de acompanhamento, como a Transferegov. Existem na LDO 2024 orientações de que sejam inseridas informações nesse sistema, mas uma consulta ao site mostra dados normalmente ou incompletos. A decisão de Dino obriga os municípios a inserir detalhes sobre a aplicação das emendas (plano de trabalho, finalidade do dinheiro e classificação orçamentária, entre outros) no Transferegov antes de receber o dinheiro. O governo fica impedido de pagar a emenda se a cidade não tiver lançado informações;
- emendas de saúde – a decisão diz que, a partir de agora, emendas Pix nessa área só serão liberadas quando tiverem um parecer técnico de instâncias de governança do SUS, como as comissões intergestoras tripartite. O ministro cita artigos da lei 8.080/1990, que fala sobre critérios de demografia de cada região para dividir os recursos de saúde com eficiência entre as cidades e a necessidade da formulação de planos de saúde pelos municípios;
- transferência a outros Estados – fica proibida a destinação de emendas Pix a municípios de Estados pelo qual o congressista não foi eleito, a não ser em projetos de âmbito nacional. Textos jornalísticos já mostraram esse tipo de destinação. O argumento do ministro é que os congressistas são representantes do Estado no Legislativo Federal;
- auditoria da CGU – a Controladoria Geral da União deverá auditar a aplicação, economicidade e efetividade das emendas Pix em execução em 2024. Além disso, a CGU tem 90 dias para realizar auditoria de todos os repasses para ONGs das emendas Pix de 2020 a 2024;
- ONGs – deverão informar na internet os valores de emendas Pix que receberam de 2020 a 2024. A decisão de Dino, no entanto, não especifica como isso será feito;
- conta exclusiva – a decisão determina a abertura de uma conta só para receber os valores de emendas Pix, o que facilitaria a fiscalização. Contudo, a LDO 2024, no artigo 83, já determina uma conta específica para esses recursos. Não está claro que haja diferença entre o que está na lei e o que o ministro do STF determinou.
O que diz o Congresso
O Congresso recorreu em 8 de agosto (íntegra – 722 kB) da decisão do ministro Flávio Dino sobre as emendas Pix e tem participado de reuniões técnicas com o STF para discutir a implementação de outras medidas.
No recurso sobre as emendas Pix, menciona uma “pretensão de subverter essa divisão constitucional, delegando ao Executivo uma autonomia desmedida”.
Eis um resumo dos argumentos do recurso:
Leia, agora em detalhes, o que argumenta o Congresso:
- não há informações sobre “padrinhos” – afirma que “a figura do patrocinador” das emendas de comissão não existe no Congresso e que, por isso, não tem como enviar as informações;
- ação da Pix deveria estar com Gilmar – a ação foi distribuída ao ministro Flavio Dino por ter sido considerada relacionada à outra ação que tem o ministro como relator, a ADPF 854. Nessa outra a ação, o partido Psol contesta o uso de emendas de comissão e de relator. A advocacia da Câmara e do Senado argumenta não haver conexão entre as ações. Pede que se considere a “livre distribuição” de 26 de julho de 2024, o que faria o processo das emendas Pix ficar com o ministro Gilmar Mendes;
- Abraji não teria legitimidade – o Congresso argumenta que a associação, por reunir profissionais de jornalismo, não teria legitimidade para propor uma ação sobre emendas;
- emenda constitucional – as emendas Pix foram estabelecidas por uma emenda à Constituição (que requer ao menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado para ser aprovada). Há jurisprudência para que o STF só atue em casos de emenda constitucional com flagrante violação de cláusulas pétreas. Como não é o caso, a advocacia do Congresso pede que o processo seja rejeitado;
- violação de autonomia das cidades – o texto que institui as emendas Pix diz que o dinheiro é repassado em transferência direta ao ente federado e que, no momento da transferência, passa a pertencer ao Estado ou município. Seguindo esse entendimento, os advogados da Câmara e do Senado argumentam que condicionar o repasse a que os municípios informem antes o que farão com o recurso seria violar a autonomia financeira deles. O mesmo argumento é usado para dizer que não seria possível a fiscalização federal, pelo TCU e pela CGU, e o controle prévio do SUS por meio de instâncias de governança;
- invasão da competência do Congresso – temas tratados por Dino na decisão, como a fiscalização por parte do TCU e a necessidade de mais informações prévias antes das emendas Pix, já haviam sido discutidos durante a tramitação do tema no Congresso. O STF estaria, assim, contrariando o voto dado por congressistas numa decisão monocrática;
- impedir transferência a outros Estados é inconstitucional – a Constituição não restringe a atuação legislativa dos congressistas ao Estado de origem. Assim, não haveria base constitucional para impedir que eles enviem recursos a outros Estados;
- já haveria mecanismos de controle – o Congresso menciona o artigo 83 da LDO 2024. O artigo diz que o beneficiário das emendas Pix abra conta bancária para receber os recursos e informe na plataforma TransfereGov a destinação da verba.