‘É tudo verdade’, diz Nina da Hora, a mestre em Inteligência Artificial e pesquisadora em tecnologia responsável, sobre os impactos já constatados do uso da inteligência artificial na comunicação e na convivência com a natureza. Mas há formas de lidar com isso: em meio às desproporcionalidades dessas relações, ela aponta como primordial que esse caminho seja atravessado com regulamentação e mais buscas por soluções que sejam desenvolvidas no contexto brasileiro.
O uso da inteligência artificial é custoso. É preciso altas demandas de água e energia para manter os data centers – centros de processamentos de dados que estão “por trás” do funcionamento das IAs. Em busca de formas para lidar com isso, Nina cita o debate que existe em prol do uso de energias renováveis para manter essas instalações. Mas, como avalia, há uma desproporcionalidade que impede isso.
Em entrevista ao Terra, Nina explicou que a energia renovável é atrelada aos ciclos da natureza. Sendo assim, querer tornar o ciclo natural à mercê do nosso controle para dar vasão à alta demanda dos data centers, tanto para energia quanto para o gasto de água, é tirar da natureza o controle que ela tem sobre como esse ciclo se renova.
Nina diz ser seguidora de pensamentos decoloniais, principalmente os ligados a pensadores indígenas, que trazem a provocação de que a natureza nunca esteve em equilíbrio. “A gente nunca esteve em equilíbrio, sempre foi desequilíbrio”, acredita. Mas, segundo ela, é a forma como convivemos e nos comunicamos com a natureza que dita esse desequilíbrio.
“E se a gente não tem as regras transparentes para a implementação desses data centers e da inteligência artificial, nós estamos tornando essa comunicação opaca”, acredita. Opaca no sentido de que não há transparência de regras e decisões para o desenvolvimento das inteligências artificiais, de onde vem os dados e como são processados. O que inclui as questões de impacto ambiental.
A especialista explica, então, que pensar por esse lado ajuda a tirar um pouco da “ideia positivista do equilíbrio” e faz com que se comece “a trabalhar mais pensando no desequilíbrio e na escala humana, e o quanto isso interfere no ciclo natural da natureza”.
Um caminho que ela aponta é o de buscar pela inteligência artificial brasileira, “no sentido de desenvolver a partir da nossa vivência e comunicação, que aí vamos ter soluções mais atreladas ao nosso contexto”.
Por outro lado, ela também destaca a importância de se pensar a regulação dessas tecnologias: “Não tem como você desenvolver, nem na pesquisa nem na ciência, e muito menos na tecnologia, algo que você não sabe qual é o impacto na sociedade. E, de fato, política pública e regulação andam lado a lado nessa tentativa de a gente conseguir fazer uma convivência mais satisfatória. Eu realmente acredito nessa direção”.
Tecnologia decolonial
Em roda de conversa no Encontro Futuro Vivo sobre os paradoxos da tecnologia, na última terça-feira, 26, Nina evidenciou o fato de a maior parte da implementação de tecnologias no Brasil já tenha sido feita em outros países há cerca de 10 anos. “O que vivenciamos no Brasil é resultado de outros países, que a maioria está no norte global”, explica.
Mas o fato de essas tecnologias estarem em evidência não significa que sejam únicas. Ela conta que há uma gama de tecnologias que não está sendo discutida e que, em meio a isso, é preciso usar a tecnologia de forma decolonial. Diferente do norte global, na América Latina, o conhecimento não é construído em uma disputa de “quem é o melhor”, mas a partir da valorização do conhecimento local, avalia. E nisso, há muitas oportunidades.
Com relação à inteligência artificial, por exemplo, ela conta que o primeiro chatbot foi criado há mais de 35 anos. De lá pra cá, muita coisa mudou e a IA passou a ocupar um espaço muito maior na vida das pessoas em meio a um desenfreado avanço tecnológico e com pouca transparência. Para Nina, isso tem gerado riscos como a perda da noção de tempo, o bombardeio de informações e o impacto no pensamento crítico.
Ela evidencia, ainda, o risco de vieses – como os de gênero e raciais – pelo fato de as tecnologias em questão serem moldadas a partir de um olhar sobre um mundo específico, e normalmente sem deixar isso evidente. Nisso, há quem terceirize suas tomadas de decisão a partir de tecnologias sem nem saber quais são as regras por trás delas, e é a partir disso que violências costumam ocorrer.
“As pessoas que estão desenvolvendo [as novas tecnologias, como as IAs] são, na maioria, homens brancos com uma ideia de mundo e de sociedade, sendo a maioria do Vale do Silício”, diz, em referência à região que fica na Califórnia, nos Estados Unidos, conhecida como o centro global de inovações tecnológicas.



