‘É uma questão de vender nossa humanidade para as máquinas’, diz Marcelo Gleiser sobre avanço da IA
Em tempos de I.A, como preservar a ética, como preservar ética, a humanidade e equilíbrio num mundo onde a tecnologia muda jeito de ver, viver e sentir a vida. Crédito: TV Estadão
Quando li que uma rede de escolas “sem professores” que ensinam principalmente com inteligência artificial (IA) acabara de abrir suas portas em Miami, entrei imediatamente em contato com seus diretores. Estava curioso para saber se essas escolas são algo revolucionário ou uma moda passageira.
Antes de apontar o que dizem seus críticos, vamos ver o que dizem essas novas instituições educacionais, chamadas de escolas Alpha.
De acordo com seu site, são escolas particulares de ensino fundamental e médio onde as crianças aprendem competências básicas, como matemática e linguagem, em apenas duas horas pela manhã, e dedicam as tardes a oficinas onde desenvolvem “habilidades para a vida”.

Logo do Chat GPT aparece em uma convenção na cidade de Frankfurt, na Alemanha Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP
Elas não têm professores, mas sim “guias”, que são adultos que supervisionam o aprendizado com IA e ministram oficinas de oratória, educação financeira, programação e empreendedorismo.
Tasha Arnold, diretora das escolas Alpha, me explicou que “os guias não ensinam da maneira tradicional. Eles usam seus conhecimentos de psicologia, modelos de motivação e outras ferramentas para ajudar as crianças a encontrar sua paixão nas oficinas”.
Quando lhe perguntei como as crianças podem aprender matemática, inglês e outras matérias básicas em apenas duas horas por dia, ela me disse que a IA permite personalizar a educação para cada criança, e isso permite que os alunos aprendam muito mais rápido.
Além disso, as crianças não conseguem se concentrar mais do que uma ou duas horas por dia nessas matérias, acrescentou. É melhor dedicar o resto do dia a oficinas que ensinam habilidades para a vida, observou.

Uma ilustração mostra o programa Chat GPT no computador e no celular Foto: Justin Tallis/AFP
Mas se as crianças aprendem com IA, elas não vão copiar e colar o que encontrarem no ChatGPT?, perguntei. Não vamos produzir jovens que não usam a cabeça e que se tornarão cada vez mais burros?, insisti.
Um estudo recente da universidade MIT descobriu que o uso do ChatGPT e de outros chatbots provavelmente reduz as habilidades cognitivas dos alunos. Em outras palavras, o cérebro é como um músculo: se não for usado, ele atrofia.
Arnold respondeu que as escolas Alpha não permitem que os alunos usem o ChatGPT ou qualquer outro chatbot, justamente para evitar que copiem e colem suas respostas. Em vez disso, as crianças estudam com um programa de aprendizagem de IA especialmente projetado para escolas, que faz perguntas até que elas cheguem às respostas corretas, explicou ela.
Quanto ao desempenho acadêmico das escolas Alpha, Arnold me disse que elas se saem muito bem nos testes padronizados.

O CEO da OpenAI, Sam Altman, participa de um evento em Washington Foto: Mandel Ngan/AFP
Os céticos alertam que isso pode ser porque muitos de seus alunos vêm de famílias ricas e com alto nível educacional. A mensalidade dessas escolas é de US$ 40.000 por ano, ou mais, dependendo da cidade.
Muitos especialistas apontam que, embora os programas de IA educacional possam ser excelentes ferramentas para ajudar as crianças com suas tarefas após a aula, não está comprovado que o método de “aprendizado em duas horas” funcione.
Em primeiro lugar, pode funcionar para alunos cujos pais têm um alto nível de escolaridade e os ajudam com as tarefas escolares. Mas provavelmente não funciona tão bem em famílias de baixa renda.
Emiliana Vegas, professora de educação em Harvard, comentou que os alunos das escolas Alpha “são claramente muito diferentes da maioria das crianças que frequentam escolas públicas”.

Aplicativo Chat GPT aparece na tela de um celular em Chicago, Illinois Foto: Kiichiro Sato/ AP
Em segundo lugar, mesmo que as crianças tenham aulas com programas de IA educacional, se tiverem acesso ao ChatGPT, elas usarão este último.
Em terceiro lugar, aprender com IA pode aumentar o vício em telas nas crianças e prejudicar seu bem-estar emocional, dizem vários estudos.
Desde que escrevi, há alguns anos, um livro chamado “Basta de Histórias”, sobre as novas tendências na educação, sempre fui um grande defensor do uso da tecnologia nas salas de aula. E continuo sendo, mas com mais cautela.
Preocupa-me, entre outras coisas, que as escolas que ensinam com IA dediquem demasiado tempo a desenvolver competências para o mundo do trabalho e muito pouco a ensinar valores morais, empatia e civilidade.
As escolas Alpha podem ser a tendência do futuro. Mas temos de ter cuidado para não acabar por produzir gerações de jovens obcecados pelo sucesso económico, sem alma e robóticos.
