Em evento recente, a Amazon apresentou oficialmente a Alexa+, versão de sua assistente virtual com inteligência artificial mais avançada.
Além das funcionalidades já existentes, como lembrar de compromissos, pesquisar na internet algum assunto solicitado, acender e apagar as luzes da casa e informar a previsão do tempo, agora o dispositivo chega com a promessa de realizar tarefas sozinho —ou seja, sem que precisemos programá-lo para isso.
Há ainda a perspectiva de humanização do equipamento, com a interação mais intuitiva e natural, próxima ao diálogo humano. De acordo com a empresa, a nova Alexa será capaz de aprender com o usuário e, a partir das informações armazenadas, sugerir restaurantes, lembretes e cardápios de acordo com cada perfil.
Uma pesquisa recente encomendada pela empresa de software Zendesk mostra que mais da metade dos brasileiros se sente confortável em depender da IA para as atividades do dia a dia, entre elas fazer reservas de viagens e organizar finanças. É fato que estamos cada vez mais acostumados a deixar que os computadores tomem a frente por nós.
Poderíamos imaginar que chegamos perto do mundo dos Jetsons, o desenho animado futurista que fez sucesso por aqui nos anos 1980, mas, a meu ver, estamos ainda mais próximos do mundo de Wall-E, a animação lançada em 2008.
O que me refiro, neste caso, não é à destruição da Terra retratada no filme, mas sim à transformação dos humanos em “bebês gigantes”, tamanha a dependência da tecnologia. No enredo, os indivíduos ficaram tão condicionados a delegar tarefas às máquinas que perderam a própria autonomia e a capacidade de raciocinar.
Não é exagero dizer que estamos nos aproximando dessa realidade, e isso vai além da IA. É como se estivéssemos nos tornando inaptos a decidir e escolher por nós mesmos.
Prova disso é a proliferação de livros de autoajuda à disposição, ensinando a fazer amigos, a parar de procrastinar e até a aprender a desagradar os outros; e o crescimento dos serviços de coaching, que prometem auxiliar a alavancar a carreira, destravar relacionamentos e melhorar a vida pessoal. Recebemos tudo de maneira mastigada, o que nos dispensa da prática de refletir.
Ou seja, estamos pensando cada vez menos. O problema é que, se não pensamos, não sonhamos; e se não sonhamos, perdemos a capacidade de criar.
Em seu livro “Second Thoughts” (“Segundos Pensamentos”), o psicanalista britânico Wilfred Bion diz que o pensamento nasce a partir da habilidade de tolerar a frustração. É essa experiência que nos permite lidar com nossas necessidades e emoções.
Aí é que está o impasse: se recebemos tudo à mão, não nos frustramos. E, se não aprendemos a nos frustrar, não desenvolvemos a habilidade de pensar.
Dados relacionados a esses fatores assustam. Pesquisa recente do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) concluiu que usar o ChatGPT para ajudar a escrever redações pode levar a um déficit cognitivo e à diminuição da capacidade de aprendizagem.
Outro estudo, da Microsoft em parceria com a Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia (EUA), indica que a dependência da IA no trabalho reduz o pensamento crítico, levando à deterioração das faculdades cognitivas.
Além disso, quando não conseguimos tolerar as frustrações do cotidiano —e elas acontecem o tempo todo—, nossos sentimentos transbordam de maneira incontrolada, levando a males como depressão, ansiedade generalizada e falta de sentido da vida.
O que nos distingue dos animais, entre outras coisas, é a aptidão de raciocinar, ter consciência da nossa própria existência, analisar situações e fazer escolhas. Se perdermos essas características, o que nos diferenciará das demais espécies?
Não estou defendendo aqui que devemos banir a IA ou outros recursos tecnológicos, ao contrário. Esses avanços melhoraram e muito nosso bem-estar, aprimorando a produtividade e a saúde física e mental. O que precisamos, a meu ver, é usá-los de uma forma que estimule o pensamento, e não o contrário.
O ato de pensar, refletir e eleger caminhos a seguir é um presente inestimável que a vida nos deu, e preservar essas qualidades representa, talvez, nosso maior desafio na era das máquinas.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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