Por Jorge Borges (*)
O lançamento do Gemini 3 representa um dos movimentos estratégicos mais importantes da Google desde a criação do Android. O novo modelo chega num momento em que a empresa procura consolidar a sua posição num mercado da inteligência artificial (IA) marcado por uma competição intensa, pela aceleração tecnológica e por sinais de possível “irracionalidade” nos investimentos, como admitiu o próprio Sundar Pichai. Mas, apesar do entusiasmo global em torno do Gemini 3, a Google continua a enfrentar o mesmo dilema estratégico que marcou os últimos anos: como inovar e liderar em IA sem comprometer o seu modelo de negócio baseado em publicidade.
Depois de um arranque irregular — com problemas iniciais de geração de imagens, uma mudança apressada de marca, de Bard para Gemini, e uma estratégia de comunicação oscilante — a Google recuperou terreno. O desempenho do Gemini 3 tem sido amplamente elogiado por especialistas e figuras improváveis, incluindo Sam Altman e Marc Benioff. O novo modelo destaca-se pela capacidade de raciocínio, pela rapidez e pela compreensão multimodal, conseguindo sintetizar informação proveniente de texto, vídeo, imagens, áudio ou código. É, indiscutivelmente, um grande salto tecnológico.
A par destas melhorias, a Google reposicionou a aplicação Gemini com um interface renovado e funcionalidades reforçadas, incluindo o Deep Research, agora capaz de analisar informação de serviços como Gmail, Drive e Chat para produzir relatórios e análises complexas. A integração profunda com o ecossistema Google é a sua maior vantagem competitiva: nenhum concorrente tem uma superfície de contacto equivalente com tantos milhões de utilizadores e com tantos dados contextuais.
Cada avanço na capacidade de resposta direta do Gemini reduz a dependência dos utilizadores da pesquisa tradicional — e, por consequência, dos cliques em anúncios, de onde provêm a esmagadora maioria das receitas da empresa. Os executivos da Google não querem repetir os exemplos da Kodak ou da Nokia mas enfrentam uma tensão semelhante: como acelerar na nova corrida, sem corroer o pilar económico que os sustenta?
Ao mesmo tempo, a concorrência movimenta-se agressivamente. A OpenAI, apesar das suas fragilidades financeiras e dispersão estratégica, continua a liderar em notoriedade e utilização: 800 milhões de utilizadores semanais, contra os 650 milhões mensais do Gemini. A Microsoft, através da integração do Copilot em todo o ecossistema Windows e Office, mantém um canal empresarial poderoso e uma capacidade de distribuição incomparável.
A Google, por seu lado, tem apostado na força da Google Cloud como plataforma para consolidar a adoção empresarial do Gemini — um mercado que, ao contrário do consumo por particulares, tem mostrado capacidade real de monetização. A estratégia passa por integrar Gemini 3 em toda a oferta: desde a publicidade ao motor de busca, passando pelos serviços para developers e pela futura geração de agentes de IA.
Agora que os avanços nos modelos de inteligência artificial começam a convergir, a liderança não dependerá apenas de quem tiver o modelo mais avançado, mas estará diretamente associada a quem de controlar os canais, o ecossistema, os hábitos dos utilizadores e o quotidiano das empresas. Se a corrida for sobre modelos, o futuro está em aberto. Mas se for sobre distribuição — como parecem indicar os movimentos recentes — a Google volta a entrar no jogo.
(*) docente e consultor especialista em estratégia e marketing de tecnologia

