A sucessão de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central (BC) e as mudanças, simultaneamente, em mais três diretorias jogam luz sobre um tema pouco explorado quando se trata do órgão responsável pelo controle da inflação: a diversidade de raça e gênero na cúpula da instituição.
O debate começou, sem alarde, com a nomeação da primeira diretora, em 2000. Ganhou fôlego com a posse do primeiro diretor negro, Ailton de Aquino Santos, em julho de 2023, em quase 60 anos de história da autoridade monetária. Nesse período, foram apenas cinco mulheres diretoras. A pioneira foi Tereza Cristina Grossi, que assumiu a diretoria de Fiscalização em 2000.
Esse é o pano de fundo da articulação para que uma mulher seja indicada para uma das duas vagas da diretoria a serem abertas no fim do ano, que são tradicionalmente preenchidas por servidores de carreira.
Já existe decisão política nesse sentido para evitar que, diante da saída do único quadro feminino — a diretora de relacionamento, cidadania e supervisão de conduta, Carolina de Assis Barros —, o colegiado volte a ser totalmente masculino.
Em dezembro, chegam ao fim os mandatos de Campos Neto, Barros e do diretor de regulação, Otavio Damaso. Com a indicação de Gabriel Galípolo para a presidência, abre-se, automaticamente, a vaga de diretor de política monetária — para a qual, contudo, busca-se quadro ligado ao mercado financeiro.
Para assumir uma dessas duas diretorias — a de Relacionamento ou a de Regulação —, o governo procura o nome de uma servidora de carreira, que, preferencialmente, exerça função de chefia.
Alguns nomes circulam nos bastidores: Juliana Mozachi-Sandri, chefe do Departamento de Supervisão de Conduta e presidente da FinCoNet (International Financial Consumer Protection Organisation); e Isabela Damaso, gerente de sustentabilidade e relacionamento com investidores internacionais.
Isabela é irmã do diretor Otavio Damaso, que está de saída. Para a mesma vaga, também é lembrado o chefe do respectivo Departamento de Regulação, Gilneu Astolfi Vivan. O Valor procurou os três cotados, por meio da assessoria do BC, mas eles não quiseram se manifestar.
Em 2023, alas do PT movimentaram-se para emplacar o primeiro negro na cúpula do BC. Em março do ano passado, o nome do economista Rodrigo Monteiro, há 29 anos servidor da instituição, e por 11 anos em cargos de chefia, foi submetido ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para assumir a diretoria de Fiscalização.
Haddad endossou a indicação e levou Monteiro para uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chancelou a escolha. Lula faria um gesto simbólico: o nome de Monteiro seria enviado ao Senado, para sabatina e crivo do plenário, perto de 21 de março, Dia Internacional contra a Discriminação Racial.
Naquela data, Lula havia assinado um decreto estabelecendo cotas para pessoas negras em, no mínimo, 30% dos cargos comissionados e de confiança no governo, com prazo até o fim de 2025 para alcançar a meta.
Todavia, como o nome do escolhido foi a público antes de formalizada a indicação, alguns senadores fizeram chegar ao Palácio do Planalto o recado de que era preciso escolher outro quadro, porque Monteiro seria rejeitado pelo plenário.
Diante dessa reação de alas do Senado e do mercado financeiro, segundo relatos de fontes governistas ao Valor, coube a Haddad submeter a Lula outros nomes de servidores de carreira, que fossem negros, qualificados para a função e exercessem cargos de chefia. Entre as indicações dos chefes de departamento Ailton de Aquino e Belline Santana, Lula optou pelo primeiro, que tinha mais de 28 anos de carreira.
Internamente, entre seus pares, Aquino era reconhecido, entre outros atributos, pela qualificação e perfil conciliador, um diferencial em meio aos embates travados sobre os juros no Comitê de Política Monetária (Copom). O nome dele foi enviado ao Senado junto com o de Gabriel Galípolo, e ambos tomaram posse em julho de 2023.
Ao Valor, Aquino afirmou que sua escolha como primeiro diretor negro do BC é “uma vitória pessoal”, e, também, o “triunfo das milhões de pessoas iguais a mim: pessoas pretas e pessoas de origem pobre”.
Ele observou que se considera o representante dos “invisibilizados” na instituição. “Sempre que me locomovo dentro do Banco Central, recebo abraços de funcionários terceirizados da vigilância e da limpeza, que não me tratam por ‘senhor diretor’, como é de praxe, mas me cumprimentam de cabeça erguida e conversam comigo me chamando simplesmente pelo meu nome: Ailton”, revelou.
“Vejo que diante de mim essas pessoas não se notam invisíveis e se sentem, de certa forma, vitoriosas, o que me emociona. Me considero um deles porque os represento”, enfatizou.
Aquino destacou a “sensibilidade” de Lula com a causa da diversidade porque considera “fundamental” que cargos mais elevados na hierarquia do Estado sejam ocupados por representantes das classes excluídas, que sejam qualificados para a função.
Nesta quarta-feira (4), a ministra da Gestão e Inovação no Serviço Público, Esther Dweck, lançará, ao lado da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, o Pacto pela Diversidade, Equidade e Inclusão nas Estatais Federais pelo aprimoramento de políticas públicas relacionadas ao tema.
Ao Valor, a ministra afirmou que o governo tem trabalhado para ampliar a diversidade na administração pública, e citou como exemplo o Concurso Público Unificado. “Com a aplicação das regras das cotas, é uma forma de ampliar a representatividade da população negra no serviço público”, ponderou.
A ministra ressaltou, contudo, que já foi possível cumprir o decreto assinado por Lula no ano passado. “Nós alcançamos a meta [de 30% de negros em cargos de confiança] antes mesmo do prazo estabelecido, que era dezembro do ano que vem”, ressaltou.
Dados do ministério mostram que, atualmente, pretos e pardos representam 39,9% dos servidores na administração federal. Em relação aos cargos de alto escalão, que incluem diretorias, secretarias e ministérios, esse segmento representa 31,6% das vagas.
A representatividade de mulheres nas diretorias de estatais federais é pequena, mas melhorou. No período de dezembro de 2022 a fevereiro de 2024, a variação percentual de homens em vagas de diretorias caiu de 85,8% para 79,1%. No mesmo período, o índice de mulheres nesses espaços subiu de 14,2% para 20,8%, segundo dados do Sistema de Informações das Empresas Estatais (Siest), que abrange 59 órgãos.
Porém, em um ano e oito meses de governo, houve redução de mulheres no primeiro escalão do governo e em vagas da alta administração, com as demissões das ministras Daniela Carneiro (Turismo) e Ana Moser (Esporte), e da presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, para atender demandas do Centrão.
Lula também frustrou expectativas em relação à nomeação de uma jurista para a vaga de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF), ao indicar Flávio Dino. Na tentativa de amenizar esses retrocessos, ele nomeou a executiva Magda Chambriard para a presidência da Petrobras, e a advogada Daniela Teixeira para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Procurado por meio da assessoria, o Banco Central não se manifestou. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que submete os nomes dos pré-selecionados ao crivo de Lula, não confirmou a provável escolha de uma mulher para uma das próximas vagas na diretoria do BC.