Governo desiste de mexer no piso da saúde por meio de projeto de renegociação da dívida dos Estados

BRASÍLIA – O Ministério da Fazenda tentou emplacar uma mudança no projeto de renegociação das dívidas dos Estados no Senado que poderia diminuir os gastos com saúde pública – uma das áreas que pressionam as contas públicas – projetados para os próximos anos. O texto, porém, repercutiu mal entre aliados do governo no Congresso e governadores, levando o Executivo a recuar e pedir que o relator do projeto, senador Davi Alcolumbre (União-AP) retirasse o dispositivo do parecer.

A proposta alterava o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL), que serve para calcular quanto a União deve gastar com ações e serviços públicos de saúde, a partir de 2028. Além de mexer com o piso da saúde, a mudança forçaria Estados a reduzir gastos com servidores, que são calculados pelo mesmo parâmetro – o que desagradou governadores.

A Constituição estabelece que o governo federal deve desembolsar 15% da Receita Corrente Líquida em gastos com saúde, incluindo exames, cirurgias, construção de hospitais, postos de saúde, pagamento de profissionais e apoio a Estados e municípios. Esse gasto pressiona o arcabouço fiscal e pode deixar outras despesas do governo federal sem dinheiro a partir de 2028, como mostrou o Estadão, justamente o período impactado pela proposta.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Fazenda), durante cerimônia no Palácio do Planalto no dia 3 de julho de 2024. Foto: Wilton Junior/Estadão

O conceito de Receita Corrente Líquida está na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); portanto, a alteração não dependeria de mudança na Constituição, mas de uma lei complementar, como é o projeto do Senado. A ideia de mexer na Constituição para mudar o piso encontrou forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A proposta de mexer na LRF, que entrou na primeira versão do parecer de Alcolumbre, retirava da base de cálculo da Receita Corrente Líquida receitas extraordinárias, que o governo não arrecada a todo momento – entre elas concessões e permissões; dividendos e participações, como é o caso do lucro da Petrobras; receitas de exploração de recursos naturais; e receitas de programas de recuperação fiscal dos Estados e municípios com a União (estas últimas impactam os governos locais).

Para os Estados e municípios, a mudança impactaria diretamente nas contas públicas. A Receita Corrente Líquida serve como parâmetro para definir o limite de gastos com pessoal. Com menos receitas no cálculo, haveria pressão maior para reduzir despesas com a folha salarial. Estados mais dependentes de receitas extraordinárias do petróleo, como o Rio de Janeiro, onde um quarta da receita vem de royalties e participação especial, teriam que reduzir mais o que gastam com servidores.

A intenção, de acordo com o relator, era evitar que governos estaduais e municípios usem receitas extraordinárias, que só aparecem uma vez ou outra, para aumentar gastos que viram permanentes e oneram a manutenção da máquina pública. “A alteração proposta é para excluir do conceito receitas eventuais, sem caráter continuado. Essa medida evita que receitas eventuais deem ensejo à assunção de despesas de caráter permanente, fortalecendo a responsabilidade fiscal”, escreveu Alcolumbre.

Na segunda versão, porém, a mudança desapareceu do relatório, a pedido do governo. Além da saúde, a alteração também impactaria as emendas parlamentares impositivas, que o Executivo é obrigado a pagar conforme a indicação dos congressistas. As emendas individuais de cada deputado e senador são equivalentes a 2% da Receita Corrente Líquida. As emendas de bancada, colocadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado, correspondem a 1% da arrecadação.

Mudança gradual

A mudança não era imediata e seria feita de forma gradual a partir de 2028, justamente quando o governo estima que as contas podem entrar em colapso, até 2040. As receitas extraordinárias seriam retiradas do cálculo da RCL em 8,33% no primeiro ano e depois em 8,33 pontos porcentuais a cada ano, até alcançarem 100%, de acordo com o projeto.

O Ministério da Saúde é contra a mudança no piso da área, pois afirma que uma redução pode comprometer os recursos necessários para o atendimento da população e para os repasses a Estados e municípios.

“O governo criou um arcabouço fiscal com incompatibilidade já conhecida e está tentando resolver isso mudando a regra da Receita Corrente Líquida para reduzir a taxa de crescimento com a saúde, mas isso tem efeitos cruciais para os Estados e municípios”, diz o economista David Deccache, assessor econômico na Câmara. “Com a redução da Receita Corrente Líquida, fica mais difícil alcançar os indicadores previstos na LRF para gastos com pessoal. É preciso entender o impacto e é impossível votar o projeto sem ter uma base de impacto orçamentário e fiscal”, afirma.

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