Não resta dúvida de que o governo Lula está testando os limites até onde ir com medidas fiscais e parafiscais para acelerar o crescimento da economia brasileira.
A revelação pela Folha de que o governo patrocinou artigo incluído numa PEC aprovada pelo Senado, que permite a liberação de dinheiro dos fundos públicos para turbinar o crédito, foi o assunto mais comentado nas principais casas do mercado financeiro ao longo desta segunda-feira (30).
Especialistas consultados pela coluna não têm dúvida de que a PEC, se aprovada também pela Câmara, abrirá o caminho para turbinar o caixa do BNDES com dinheiro dos fundos públicos. Uma operação considerada por eles com características muito parecidas aos empréstimos de mais de R$ 500 bilhões que o Tesouro Nacional fez ao banco no passado.
Esses empréstimos marcaram a chamada Nova Matriz Econômica dos governos do PT. Eles promoveram uma ciranda em que o governo federal fez empréstimos vultosos ao BNDES para conceder financiamento às empresas com taxas altamente subsidiadas. Por outro lado, o banco reforçou o caixa do Tesouro com volumes recordes de dividendos do lucro gerado pelos títulos públicos repassados para a sua tesouraria.
O polêmico artigo foi incorporado na PEC 66, que trata de medidas já negociadas com os municípios, com anuência da oposição. As chances de aprovação na Câmara são, portanto, certeiras.
O Tesouro diz que o máximo que poderá acontecer é recorrer a R$ 20 bilhões por ano. Mas o dispositivo permite destinar até 25% do superávit financeiro de fundos públicos do Executivo ao financiamento de projetos ligados a ações de enfrentamento, mitigação e adaptação a mudanças climáticas e de transformação ecológica. Pelos dados desses fundos, o potencial é maior do que diz o Tesouro.
Como dinheiro não tem carimbo, o BNDES se apressou a divulgar em nota, no fim de semana, que vai liberar R$ 100 bilhões para MEIs (microempreendedores individuais), micro, pequenas e médias empresas. Nesse roteiro bem desenhado, o banco já tinha anunciado que reforçaria o caixa deste ano do governo com dividendos extras para ajudar o ministro Fernando Haddad (Fazenda) a entregar a meta fiscal de déficit zero.
A pergunta que está sendo feita agora com a PEC é se o governo vai se valer de novos mecanismos parafiscais. São aqueles que possuem menor controle do governo e do Congresso Nacional, como despesas financiadas por fundos públicos e privados, empresas estatais e operações de crédito. Em comum está o fato de não passarem pelo crivo do Orçamento no momento em que estão sendo realizados.
A PEC renova a discussão sobre a volta da chamada meia-entrada do crédito direcionado com recursos do BNDES, com taxas de juros mais baixas para as empresas. É um termo usado para explicar a situação em que uma parte dos agentes do mercado paga uma meia-entrada e a outra a entrada inteira com taxas de juros mais altas.
A meia-entrada foi apontada ao longo dos anos como um fator a obstruir os canais de transmissão da taxa Selic na economia, inclusive pelo Banco Central. Fica mais barato para uns e mais caro para outros.
Resultado: Selic mais alta. Esse filme, de tão velho, já passa até na Sessão da Tarde. O agravante é que pode atrapalhar a agenda de estímulo ao mercado de capitais que estava caminhando bem no governo Lula.
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