Uma série de incertezas na economia brasileira são responsáveis por manter as expectativas de inflação e os juros mais elevados. Porém, apesar de os impulsos de gastos de dinheiro público pressionarem a inflação, ainda não é cenário para o Banco Central (BC) retomar a alta dos juros.
Esta é a opinião do ex-diretor do BC e presidente do conselho da JiveMauá Investimentos, Luiz Fernando Figueiredo, que avalia que o Executivo vinha adotando uma retórica que funciona como “um tiro no pé”.
O disparo: a elevação dos gastos públicos, ferindo sua imagem de responsabilidade fiscal e pressionando a inflação.
“A primeira incerteza é a fiscal. No ano passado, o governo estava fazendo um ajuste baseado no aumento de receitas, e teve um certo sucesso nisso. Registrou um déficit, mas grande parte por conta dos precatórios, tirando os precatórios, não foi tão grande”, explica Figueiredo à CNN.
“No começo deste ano, as receitas vieram muito fortes e o governo gastou muito. Dois meses depois, as receitas arrefeceram, e o governo mudou a meta fiscal para permitir um déficit maior. A reação do mercado foi ‘então quando aumenta a receita você gasta, e aí quando diminui você muda a meta. Que compromisso é esse?’”, indaga.
Enquanto as receitas vinham registrando níveis recordes no começo do ano, o déficit primário do setor público consolidado seguiu crescendo.
A bomba indicada pelo ex-BC veio em abril, quando o governo alterou a meta fiscal de 2025 de um superávit primário para déficit zero.
“A agenda de manter um certo equilíbrio fiscal menos pior estava indo por terra porque as despesas estão vindo muito fortes e as receitas nem tanto”, aponta Figueiredo.
O governo então passou a ser pressionado para diminuir o rombo. A primeira rota escolhida: aumentar ainda mais a arrecadação.
“Mas na batalha por novas receitas, o Congresso disse ‘não vem aqui que não vai ter’. A tentativa de aumentar então foi frustrada”, diz o ex-diretor de Política Monetária.
As primeiras propostas do Executivo para compensar a desoneração da folha de pagamentos — que segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve custar aos cofres públicos até R$ 18 bilhões neste ano — também passavam pela arrecadação, e acabaram barradas.
Hoje, tramita no Legislativo uma proposta de compensação com medidas propostas pelo Senado. A Fazenda estima que a medida não será suficiente e afirma que voltará a discutir novas ações caso sua expectativa se comprove.
O governo então tomou o rumo da contenção de gastos. Entre os principais anúncios nesse sentido, vieram o congelamento de R$ 25,9 bilhões das contas de toda a Esplanada e o pente-fino de benefícios concedidos irregularmente.
“Essas questões geraram incertezas, muitas dúvidas, e o governo recuou e começou a olhar para as despesas. Ainda não é suficiente para o equilíbrio, mas estão fazendo algo que começou a dar uma acalmada no mercado”, pondera Figueiredo à CNN.
O reflexo disso foi a desancoragem nas expectativas da inflação, principalmente nas curvas mais longas. Diante deste movimento, membros da cúpula do BC falaram abertamente que os juros podem voltar a subir no país caso o cenário exija.
Os sinais foram lidos pelo mercado como a volta de um ciclo novo ciclo de alta, com visões apontando para Selic terminal em torno de 12%.
Atualmente, a taxa básica de juros, a Selic, está no patamar de 10,5%. Os juros vinham sendo derrubados pelo BC desde agosto de 2023, até o Comitê de Política Monetária (Copom) encerrar o ciclo de quedas em junho deste ano.
“A taxa de juros nunca é causa das coisas, é sempre consequência. O Banco Central tenta calibrar os juros para que a inflação não seja alta. Então, o juro pode ficar mais baixo mais para frente, mas isso dependendo do governo ter uma política fiscal sustentável”, conclui.
Portanto, o ex-diretor afirma que as políticas monetária e fiscal são incompatíveis. “Enquanto está freando o carro de um lado, está acelerando do outro.”
O problema, é que os juros no país são historicamente elevados no Brasil, e isso também por conta da dívida ser historicamente elevada. O resultado desse fenômeno é uma taxa de juros neutra – aquela que nem movimenta e nem trava a economia – elevada, segundo explica o ex-diretor do BC.
“Com a política fiscal tão expansionista, é difícil que se tenha uma taxa de juros mais razoável”, comenta Figueiredo.
Desse modo, quando a autarquia precisa elevar os juros para conter a inflação, a taxa é cravada em um patamar muito mais elevado do que o usual.
Tensão sobre futuro do Banco Central
Luiz Fernando Figueiredo indica que quando o BC não consegue reduzir muito os juros, é porque tem ruído. E segundo o ex-diretor de Política Monetária, é bem isso o que está acontecendo, além da questão fiscal.
“A briga com o Banco Central sobre o andamento da política monetária, com o [presidente da República] Lula dizendo que o novo presidente [do BC] ia reduzir os juros fez o mercado questionar: ‘e a autonomia?’”, pontua Figueiredo.
O presidente Lula vinha conduzindo uma retórica agressiva contra o atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto. A reação para a tensão era rapidamente refletida na bolsa com quedas do Ibovespa e altas na taxa de juros futuros.
O principal temor nesse sentido era sobre o futuro do BC, se o próximo presidente — a ser empossado no ano que vem — teria autonomia para agir firmemente no combate à inflação, ou se seria incentivado pelo executivo a descer os juros na marra.
No dia 28 de agosto, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, foi indicado pelo governo a assumir a cadeira de Campos Neto. Recentemente, a dúvida do mercado recaía sobre a postura de Galípolo, devido sua proximidade com o Executivo.
Apesar do temor inicial, Figueiredo aponta que o desdobramento dos fatos não comprovou o quadro negativo.
“Galípolo tem tido um discurso muito duro, diria que até passou do ponto, mas com o objetivo de trazer credibilidade. Isso já tem ajudado sobre a percepção do mercado, mas tem passado do ponto ao nível que as pessoas passaram a achar que o Banco Central vai subir os juros”, avalia o ex-BC.
Na avaliação dele, que já ocupou a cadeira de Galípolo na autarquia, o momento atual não requer que os juros sejam elevados.