Governo propõe driblar orçamento para aumentar auxílio-gás, que atingirá pico em ano eleitoral

A reformulação do programa foi anunciada pelo governo na última segunda-feira, mas o projeto só veio à público depois. O texto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para entrar em vigor.

Atualmente, os beneficiários recebem o auxílio bimestralmente como um adicional do Bolsa Família. O projeto inverte a lógica e vai conceder descontos no botijão diretamente no ato da compra nas revendedoras de gás, que serão recompensadas pela União. Deixa de ser um valor em dinheiro e passa a ser uma autorização para buscar a mercadoria.

O governo quer ainda ampliar o acesso ao Auxílio Gás para mais de 20 milhões de famílias até o fim de 2025. Dessa forma, o programa atingirá seu pico em 2026, ano de eleições presidenciais. Atualmente, 5,6 milhões de famílias têm o benefício. Assim, o custo do programa deve aumentar para R$ 5 bilhões em 2025 e R$ 13,6 bilhões em 2026. No ano passado, o programa custou R$ 3,7 bilhões.

A elevação do custo, porém, não deve enfrentar as restrições orçamentárias impostas por regras como o arcabouço fiscal. O arcabouço trava o crescimento das despesas do governo, que só podem crescer até 2,5% acima da inflação.

O projeto de lei faz uma triangulação. Diz que a receita da venda de óleo e gás que cabe à União nos contratos do pré-sal pode ser repassada diretamente à Caixa. E à Caixa caberá operacionalizar o programa. Dessa forma, é um dinheiro que deixa de entrar no Tesouro Nacional. Além disso, como a despesa não será paga pelo Tesouro, não conta para regras fiscais.

Na quarta-feira, a equipe econômica detalhou o pente-fino em programas do governo que promete poupar R$ 25,9 bilhões no ano que vem. A revisão foi implementada diante do aumento ininterrupto de despesas obrigatórias, que já estão batendo no limite de gastos do arcabouço fiscal.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, garantiu que o aumento do auxílio-gás não vai comprometer essa economia e afirmou que a proposta passou no crivo da pasta na compatibilidade com o arcabouço fiscal.

— A avaliação da equipe econômica não é sobre o mérito da proposta, é sobre a compatibilidade com o arcabouço fiscal e o orçamento, e não vai de nenhuma forma comer essa economia — disse Dario Durigan.

Além do uso de dotações orçamentárias do MME, o projeto prevê que entidades públicas poderão pagar diretamente à Caixa valores devidos à União. O projeto estabelece que poderão ser repassados recursos provenientes da comercialização do óleo excedente do pré-sal e que deveriam ser destinados ao Fundo Social do Pré-Sal. O fundo é dedicado a programas nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento.

— O projeto tem a possibilidade de entidades públicas poderem pagar direto dentro do programa, que pode ser operado pela Caixa, com dedução do que essas entidades pagariam à União. Do ponto de vista fiscal, tem equilíbrio de despesas e receitas — afirmou Durigan.

Já o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães, disse que o impacto do programa será compensado dentro das regras fiscais.

— Se for pela via orçamentária, vamos ter que enquadrar ou reduzir discricionárias ou fazer mais revisões em outras políticas obrigatórias. Se for por subsídio, temos que lembrar que o regime fiscal sustentável tem uma conexão direta entre receitas e despesas. Se está abrindo mão de receitas, indiretamente vamos reduzir o espaço futuro de despesas. Vai ter que ter ajustes naturais que vão acontecer dentro do conjunto de regras fiscais que temos hoje.

Nos bastidores, porém, técnicos da equipe econômica, consultores do Congresso e o Tribunal de Contas da União (TCU) manifestam preocupação com o movimento de possível desvio do orçamento. Há um temor de que seja difícil barrar a iniciativa caso o projeto seja aprovado no Legislativo.

Especialistas em contas públicas avaliam que a opção de repasse dos recursos do pré-sal diretamente à Caixa contraria princípios orçamentários e pode ser questionada pelo TCU.

— É uma política parafiscal, com requintes de crueldade. O Pé de Meia (programa para incentivar a permanência no ensino médio) foi retirado explicitamente dos limites de gastos. Agora, foi algo obscuro, escondido — avaliou Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista da ASA Investments.

Os economistas Felipe Salto, Josué Pellegrini e Gabriel Garrote, da Warren Rena, destacam, em relatório, que o processo natural para um programa desse tipo seria a União recolher as receitas que lhe cabem para financiar o Fundo Social e na sequência pagar o programa. Mas decidiu-se pela renúncia de arrecadação, o que contorna o limite de gastos.

“Como o teto de dispêndios (despesas) se encontra pressionado no Orçamento, realiza-se subsídio sem que o ônus incorrido pela União seja contabilizado como gasto”, afirmam.

Os economistas ainda dizem que é uma iniciativa que fragiliza a credibilidade do ajuste fiscal promovido pela equipe econômica. Outras ações já foram contestadas por especialistas, como a proposta de adiantamento da edição de um crédito extra para aumentar o teto de gastos este ano.

“É preciso deixar claro: o desejo de membros do governo de contornar a regra de evolução das despesas primárias, criada ainda nesse mandato, fragiliza a credibilidade do ajuste fiscal defendido pelo Ministério da Fazenda.”

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