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IA ajuda a ganhar tempo e, assim, dá tempo até para jogar golfe

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Senso Incomum

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Nesse Zeitgeist (espírito do tempo), em que a inteligência artificial substitui dia a dia a atividade humana, algumas coisas especialmente chamam a atenção. Como já falei, a IA, além de provocar o brain rot já tão falado desde que virou verbete no dicionário Oxford em 2024, também acarreta um déficit cognitivo proveniente de um atalho antiepistemológico.

São tempos, mesmo, de algocracia. E de brain rot. Os cérebros vão apodrecendo.

Isto é, aquilo que um professor ou estudioso de qualquer área acumula em décadas, qualquer néscio, com o auxílio de um robô, pode dispor em alguns segundos. Tudo está a um click.

Mas, se tudo está à mão – o Brasil é o país com maior número de usuários de smartphones – por que é que aumenta assustadoramente o número de analfabetos funcionais, chegando ao número espantoso de 60 milhões almas? Simples: porque robôs fornecem informação, que não é conhecimento, que não é saber, que não é sabedoria, como tenho referido tantas vezes.

Neste Zeitgeist, as pessoas já não precisam ler livros; o robô faz por elas e, além de tudo, apresenta um resumo com esquemas. Os alunos já não fazem trabalhos escolares; o ChatGPT faz por ele. Bingo. Em breve não haverá mais dissertações e teses; afinal, tudo estará dado, à disposição. É a era da técnica.

Brilhante. O robô responde a todas as perguntas. Ficamos esperando, porém, que inventem um robô que ensine a fazer perguntas.

Tudo está “dado”. Que se assemelha à volta ao mito do dado; o mundo pronto e acabado. Pré-dado. E predado. Chamo a isso de reencantamento do mundo. Como sabemos, a modernidade desencanta o mundo. Os tempos em que vivemos, essa descolagem total de palavras e coisa aliado à instantaneidade, faz com que busquemos esse reencantamento. Queremos de volta a “tranquilidade” das cartografias da pré-modernidade. Queremos respostas prontas e acabadas. Desejamos ardentemente respostas antes das perguntas. Essa linguagem prêt-à-porter é um psicotrópico cognitivo — e o brain rot é uma realidade.

Spacca

caricatura lenio luiz streck

Tenho alertado a comunidade jurídica sobre os perigos desses atalhos. Os “atropelos” (eufemismo) de advogados usando falsos precedentes, doutrinas inventadas, juízes usando robôs para baixar pilhas de processos, tribunais com robôs que fazem até minutas de decisões, sem considerar gente vendendo modelos de petição para substituir o trabalho de advogado: eis a tempestade perfeita. Não esqueçamos das empresas que usam robôs para advocacia de massa, como denunciei em coluna aqui na ConJur.

Nesse contexto, nessa busca de reencantamento, com uma simples olhada na internet descobri que existem dezenas de cursinhos e aulas para… aprender a usar a IA. Só de tribunais e juízes deve haver cerca de 20 links. E gente ganhando dinheiro ensinando como fazer atalhos e resuminhos. Em vídeo um juiz resvala naquilo que chamo de Fator Barão de Munchausen da IA. O autor usa o robô para ganhar tempo e com esse tempo ganha dinheiro ensinando a outros a ganharem tempo usando o robô. Ele deixa bem explícito que o robô o auxilia a decidir os processos.  E, é claro, segue o link para você se inscrever.

Pronto. Há várias camadas nisso. O ponto central: ganhe tempo. Porque o tempo é a moeda mais valiosa. Só que não fica dito o que se faz com o tempo “ganhado” com o uso da IA. Bom, ao que sei, alguns usam para jogar golfe. Outros para ensinar, em cursinhos, como usar ChatGPT. Como em um palimpsesto, façamos uma desleitura do fenômeno.

E, assim, forma-se um looping. O que confirma o Zeitgeist que nos fagocita.

Com muita eficiência, claro. Seremos eficientemente ferrados. Se serve de consolo… não sei. Melhor perguntar ao ChatGPT para saber.

Post scriptum. Permito-me a pergunta: o serviço público vai sendo substituído por robôs nos mínimos detalhes. Antigamente era disque 1 para.. 2 para…  Agora já é um robô que dá opções que dificilmente são aqueles que interessam ao utente. O governo federal fez o “ponto gov”. Tudo passa por ali. É? Mesmo com tudo isso, houve o que houve na previdência. Os robôs são eficientes para negar e complicar a vida dos pobres usuários. Mas não servem para proteger.

De todo modo, o servidor público deveria…servir ao público e não deixar que um robô faça seu trabalho.

Só não sei o que fazem as pessoas que são substituídas, porque não podem ser demitidas. Deve existir pessoas olhando o Chat trabalhar. E muita gente do serviço público aproveita o tempo para vender cursinhos para ensinar outros a fazer o mesmo.

Vai ver eu sou mesmo um rabugento. Não se percebe o quão problemático é isso tudo?



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