O lançamento da inteligência artificial da DeepSeek — que abalou os mercados e gerou preocupações ao redor do mundo — deveria ser visto como presente para o Brasil. Ao contrário de ser encarado como ameaça, é motivo de comemoração. Na prática, abriu caminho para que o país entrasse na corrida global de avanço tecnológico. O feito dos chineses é tão grande que pode tirar nosso atraso em relação aos Estados Unidos, berço das big techs.
Além de ser um dos avanços mais incríveis desde a Revolução Industrial, o software de código aberto permitirá que as empresas brasileiras possam entrar no mercado porque a principal barreira não existe mais: o custo. Estamos presenciando o que deve entrar para a História como um dos maiores saltos de produtividade já vistos.
Treinar modelos LLM (sistemas de IA que compreendem e geram linguagem humana por meio do processamento de grandes quantidades de dados) nunca foi tarefa fácil — ou barata. Supõe-se que, para treinar seu último modelo (“o1”), a OpenAI tenha gastado entre US$ 80 milhões e US$ 100 milhões. É muito dinheiro até para padrões de Primeiro Mundo.
Imagine se o Brasil poderia comprar essa briga? Para ter uma vaga ideia, o orçamento da área de ciência e tecnologia do governo é de R$ 16,7 bilhões para 2025. Esse é o valor aprovado pelo Congresso Nacional. Num cenário onde é preciso reduzir gastos, não deve nem ser a quantia executada no fim do ano. Com números assim, estamos muito distantes da elite tecnológica global.
Antes do DeepSeek, para treinar um “modelo de fronteira” (os mais avançados), precisaríamos gastar cerca de 6% de tudo que o país investiu em tecnologia em um ano. Com um detalhe desanimador: a obsolescência dos modelos está cada vez mais rápida. Basicamente é preciso treinar um novo modelo a cada ano — e não fica nada barato também. O governo do Brasil não tem recursos para isso, e as empresas também não.
Somente para o desenvolvimento de IA, o presidente americano, Donald Trump, anunciou um programa de US$ 500 bilhões com as gigantes do setor. Esse é o investimento em apenas uma iniciativa. No entanto a notícia foi ofuscada justamente pelo investimento muito menor feito pela startup chinesa.
O avanço chinês — com investimentos correspondentes a menos de 10% do que investiram as grandes corporações — quebra toda a barreira que tínhamos para entrar nesse mercado e deixar de ser reféns das nações mais ricas que dominam o “novo mundo da IA”.
O Brasil não tinha chances por causa dos recursos e também de uma estrutura que inviabilizou nossos avanços. Toda a cadeia de produção de inteligência artificial se concentra nos Estados Unidos: universidades de ponta, produção de chips, pesquisadores e as grandes empresas.
Agora, como a DeepSeek tornou suas descobertas e seus algoritmos código aberto, para que qualquer um use ou desenvolva técnicas e modelos, podemos finalmente entrar no jogo. Isso automaticamente transforma qualquer um num possível player competitivo em IA. Permitir a consumidores tornar-se produtores foi o presente para o mundo.
Qualquer jovem que monte uma startup na garagem da casa dos pais poderá competir com empresas maiores. A engenhosidade derrubou barreiras tecnológicas. Não é mais impossível que grandes empresas brasileiras tenham caixa para investir em projetos capazes de competir internacionalmente.
Investimento de R$ 30 milhões é um valor que está totalmente ao alcance das nossas empresas e do governo brasileiro para nos inserir no cenário global de produtores de IA. Claro que os desafios de antes continuam: talento, laboratórios, pesquisa, investimentos. Mas sempre fomos criativos, e os chineses provaram que a criatividade nunca perde seu valor. Então, o que faremos a partir de agora?
*Patrick Gouy é o CEO e criador da inteligência artificial da Recrut.AI, startup de recursos humanos