Os agentes autônomos de inteligência artificial (IA) despontam como o próximo salto previsível de uma revolução tecnológica ainda incipiente, mas aparentemente irreversível.
Assimiladas e estimuladas pelas gigantes da tecnologia, essas mesmas IAs agora põem em risco os modelos de negócios que colocaram empresas como Google e Amazon entre as maiores do mundo, afirma Thiago Kapulskis, analista do Itaú BBA.
À medida que as IAs autônomas avançam, o Google precisará encontrar uma solução para uma de suas principais fontes de receita: a visualização de anúncios. Já a Amazon tende a ser mais afetada por uma provável queda do tráfego orgânico em seu domínio.
Em entrevista ao Seu Dinheiro, Kapulskis disse ver o Google como a empresa de tecnologia coberta pelo Itaú BBA que mais tem a perder com o desenvolvimento das IAs autônomas. Já o caso da Amazon é mal compreendido e pouco debatido pelo mercado, afirmou.
Se Google e Amazon podem ter problemas com a queda de tráfego, o Itaú BBA considera que a Meta, dona do Facebook, está menos exposta a esse risco. O motivo principal é a dinâmica de funcionamento de redes como o Facebook e o Instagram, que demandam do usuário o tempo de tela.
O que é uma inteligência artificial autônoma
Antes de entrar em detalhes, no entanto, é preciso explicar como funcionam as IAs autônomas, identificadas por executivos do setor de tecnologia como uma das principais tendências de 2025.
Esses agentes de inteligência artificial já estão mudando a maneira como as IAs interagem com o mundo digital — e também a forma como nós interagimos com elas.
Muito disso acontece ainda em nível experimental, mas já é possível preconizar uma grande mudança de comportamento por parte dos usuários.
Isso acontece porque esses novos agentes de IA estão sendo desenvolvidos para executar tarefas específicas complexas sem a supervisão humana. Além disso, eles proporcionam resultados melhores quando consultados.
O que faz uma inteligência artificial autônoma
Seja no preenchimento de formulários, na recomendação de produtos ou na automação de processos, esses agentes têm autonomia para estabelecer seus objetivos e reconfigurar sua lógica de funcionamento de acordo com as necessidades comunicadas pelo usuário.
Dentro de uma empresa, elas são capazes de proporcionar eficiência no atendimento a clientes, no uso de assistentes virtuais, na detecção de fraudes e no monitoramento de normas internas.
Kapulskis vê as IAs evoluindo mais como “companheiras” dos usuários do que como “exterminadoras” de postos de trabalho.
Um exemplo prático envolve a programação de uma viagem.
A partir das orientações do usuário, a IA autônoma é capaz de vasculhar a internet sozinha e pinçar as melhores opções de hospedagem e de passagens para o destino escolhido, entre outros detalhes.
O único trabalho do usuário seria confirmar a escolha e autorizar o pagamento.
De um lado, isso facilita bastante a vida do usuário e tende a tornar a publicidade mais assertiva.
No entanto, caso uma tendência como essa se confirme, haveria uma diminuição considerável do tráfego orgânico de usuários por esses sites.
Como as IAs autônomas afetam o Google
É nesse ponto que Kapulskis vê o Google como a gigante tecnológica que mais tem a perder com esses agentes de inteligência artificial.
O Google detém mais de 90% do mercado de pesquisa por palavras e expressões na internet.
A não ser que o agente de IA seja programado para gerar tráfego nos sites pesquisados, ele é capaz de extrair informações sem que a navegação seja detectada ou que anúncios sejam visualizados por humanos.
A resposta é obtida com muito menos navegação.
Diante disso, Kapulskis vê um risco de que as perguntas hoje feitas ao Google passem a ser feitas para os modelos de IA.
Em contrapartida, o Google tem a oportunidade de desenvolver um modelo de negócios que crie valor para o anunciante.
A visão do Itaú BBA, no entanto, é mais cética.
“O Google foi muito vencedor, alcançou mais de 90% de fatia de mercado e tem uma margem muito alta dentro do search. Então ele aparenta ter muito mais a perder do que a ganhar”, afirma Kapulskis.
Risco da Amazon é pouco debatido, diz Kapulskis
O caso da Amazon é diferente. Os riscos enfrentados pela gigante do comércio eletrônico é menor do que o enfrentado pelo Google, segundo Kapulskis.
No entanto, ele acredita que esses riscos são de algum modo mal compreendidos e pouco debatidos pelo mercado.
“Vamos supor que você queira comprar um livro ou um par de óculos escuros mais barato. Pode ser que ele [o agente de IA] procure em um lugar qualquer, não necessariamente na Amazon”, afirma.
Mas esse é o menor dos problemas. Uma eventual redução brusca do tráfego tem o potencial de afetar duramente a receita da Amazon com publicidade, de onde vem parte considerável do resultado financeiro da companhia.
“É preciso enfatizar que é uma questão conceitual, mas nem por isso menos preocupante”, afirma Kapulskis.
De qualquer modo, seja por meio do Gemini ou da Alexa+, tanto o Google quanto a Amazon já estão se mobilizando — e podem encontrar uma alternativa até mesmo antes que a queda de tráfego se transforme em um problema real.
Visão do Itaú BBA para Google e Amazon é positiva, apesar dos riscos
Também por isso, a equipe de Kapulskis tem uma visão positiva para essas empresas.
Até porque grandes transformações tecnológicas não acontecem da noite para o dia.
“A internet levou pelo menos uma década para começar e mais uma para se tornar algo mais material”, compara Kapulskis.
Independentemente de quanto tempo demorar, a revolução tecnológica em andamento parece um caminho sem volta.
Para Kapulskis, o que diferencia as inteligências artificiais de quimeras tecnológicas recentes é sua aplicação prática.
O metaverso, por exemplo, recebia bilhões de dólares em investimentos até poucos anos atrás. Hoje, mal se ouve falar nele.
“Que problema o metaverso resolve? É quase como se fosse uma solução em busca de um problema”, explica Kapulskis.
Com a inteligência artificial ocorre o contrário. Em pouco tempo desde sua popularização, com o lançamento do ChatGPT pela OpenAI, já há uma série de casos de uso prático.
“A OpenAI tem hoje milhões de usuários pagos, tanto empresas quanto pessoas físicas”, afirma o analista do Itaú BBA.
As máquinas não vão se rebelar
Por mais que tudo isso se assemelhe à ficção científica, Kapulskis não prevê nenhuma espécie de revolta das máquinas.
É claro que há questões de segurança digital envolvidas e que precisam ser levadas a sério.
No entanto, as IAs atuais não alucinam como as primeiras nem tomam decisões importantes sem que recebam a instrução humana.
Elas não vão estourar seu cartão de crédito nem marcar uma viagem que você não pensa em fazer.
“A decisão final será sempre do usuário”, afirma Kapulskis.