O avanço da inteligência artificial (IA) apresenta a governos e empresas um dilema recorrente em novo contexto: equilibrar o impulso inovador com a necessidade de controle. Uma regulação excessiva pode inibir descobertas e afastar investimentos, enquanto a ausência de normas expõe a sociedade a riscos difusos e de difícil reparação. Nesse contexto, a vigilância algorítmica emerge como uma alternativa viável.
A inspiração para esse modelo advém do setor farmacêutico. Nenhum medicamento é considerado totalmente seguro no momento de seu lançamento. O monitoramento contínuo e rigoroso permite identificar efeitos colaterais anteriormente desconhecidos e possibilita ajustes necessários. Essa prática, denominada farmacovigilância, salvou milhões de vidas ao longo das décadas. Considerando que a IA atualmente permeia diagnósticos médicos, decisões judiciais e políticas públicas, torna-se necessário um equivalente: a vigilância algorítmica.
Em vez de buscar antecipar todos os riscos antes da implementação, a vigilância algorítmica propõe um modelo de aprendizado regulatório. Esse modelo permite a experimentação tecnológica, desde que acompanhada de monitoramento sistemático, documentação atualizada e protocolos claros para resposta a incidentes. Dessa forma, a segurança transforma-se em um processo contínuo, e não em um entrave à inovação.
Essa abordagem tem potencial para reconciliar aspectos jurídicos e práticos. Em substituição a legislações estáticas, fundamentadas em cenários hipotéticos, propõe-se a adoção de estruturas dinâmicas de monitoramento, aptas a atualizar padrões à medida que surgem evidências concretas. Assim, a regulação evolui em paralelo ao desenvolvimento tecnológico, reduzindo a distância entre previsões legais e práticas efetivas.
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É preciso a criação do conceito de “bula da IA”. Assim como a bula de um medicamento informa sobre riscos, indicações e limitações, os sistemas de IA poderiam fornecer transparência quanto a dados de treinamento, desempenho, vieses e mecanismos de atualização. Tal medida não impede a inovação; ao contrário, fomenta a confiança institucional, elemento essencial para o desenvolvimento sustentável da tecnologia.
Em essência, a vigilância algorítmica propõe superar a dicotomia entre inovação e controle. O objetivo é promover a inovação responsável, baseada no aprendizado advindo do uso real e na correção de rumos sempre que necessário. Trata-se de uma proposta de maturidade regulatória, que evita tanto a censura quanto a ausência de supervisão, priorizando o acompanhamento inteligente.
Considerando a IA como o novo motor da economia, é fundamental assegurar que existam mecanismos de controle. A inovação somente será legítima se acompanhada de responsabilidade, sendo a vigilância algorítmica o instrumento capaz de viabilizar tal equilíbrio.

Prof. Dr. André Filipe de Moraes Batista é pesquisador do Think Tank da ABES e Professor de Inteligência Artificial do Insper. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.
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