A engenharia robótica atingiu um marco histórico. Pela primeira vez, uma inteligência artificial foi capaz de criar e implementar, sem qualquer programação humana direta, um sistema completo de comando e controle para drones. A conquista, liderada pelo pesquisador Peter J. Burke, da Universidade da Califórnia em Irvine, aponta para uma nova era onde as capacidades da IA rivalizam – e até superam – as habilidades humanas em tarefas altamente técnicas.
O estudo, publicado em agosto, detalha o desenvolvimento do WebGCS (Web Ground Control Station), um sistema de controle baseado em navegador, hospedado diretamente no drone. Totalmente gerado por IA, o WebGCS permite planejamento de missões, execução de voos com waypoints, telemetria em tempo real, decolagem e pouso automáticos, além de controle remoto via qualquer dispositivo com navegador — sem exigir software adicional ou instalação local.
O que esse “cérebro digital” faz?
Entre as funcionalidades do WebGCS destacam-se:
- Planejamento de missões autônomas
- Execução de rotas com pontos de passagem
- Visualização de localização, altitude, velocidade e orientação em tempo real
- Controle de voo, com decolagem, pouso e retorno automático
- Operação remota via navegador, sem necessidade de apps específicos
E, surpreendentemente, tudo isso foi criado sem que uma única linha de código fosse escrita por humanos.
IA como cérebro do drone
Burke compara a arquitetura do sistema à estrutura do cérebro humano. O Ardupilot, firmware de voo responsável pela estabilidade e funções básicas, seria o equivalente ao tronco cerebral. Já o WebGCS, com seu poder de decisão e controle superior, funciona como um córtex cerebral artificial, capaz de compreender dados e tomar decisões estratégicas em tempo real.
Como a IA construiu o sistema
O desenvolvimento foi dividido em quatro etapas principais:
- Claude (200 mil tokens): Os primeiros protótipos funcionais foram limitados por capacidade de memória, impedindo a aplicação em voo real.
- Gemini 2.5 (1 milhão de tokens): O modelo da Google permitiu instalar o sistema num Raspberry Pi a bordo do drone e realizar os primeiros testes de voo.
- Cursor IDE + GitHub: A organização do código em arquivos separados (Python, HTML, JS) trouxe mais estabilidade, apesar de desafios técnicos.
- IDE Windsurf: Com melhorias de rede, correções de bugs e novos recursos como notificações de voz, o sistema chegou à versão 2.0 funcional, testada com sucesso em drones reais e simuladores.
Decisões técnicas tomadas pela IA
A IA produziu cerca de 10.000 linhas de código, tomando decisões arquitetônicas como:
- Backend em Python com Flask
- Comunicação de voo usando PyMAVLink
- Front-end interativo com HUD e mapas em tempo real
- Transmissão de dados via WebSockets
Embora Flask não seja ideal para operações em larga escala, a escolha foi compatível com o objetivo inicial: controlar um único drone de forma confiável.
Resultados em voo e simulação
O sistema foi testado com sucesso em um drone equipado com Raspberry Pi Zero 2W:
- Conexão Wi-Fi estável até 100 metros
- Execução precisa de funções como armamento, decolagem e retorno automático
- Código totalmente gerado por IA, sem intervenção humana na programação
Além dos testes físicos, o WebGCS foi simulado com o ambiente SITL do Ardupilot e também implantado na nuvem para testes remotos. Os resultados confirmaram a viabilidade de um sistema de voo funcional gerado por IA.
Desafios futuros
Apesar do sucesso, o estudo alerta para os riscos de utilizar código gerado por IA em sistemas físicos sem revisão humana rigorosa. Ainda não há protocolos amplamente aceitos para validar segurança e confiabilidade nesse tipo de aplicação, especialmente em contextos críticos. Além disso, estudos mostram que, mesmo com memória estendida, modelos de IA podem sofrer degradação ao manipular grandes quantidades de código.
Ainda assim, a conquista representa um divisor de águas na automação e na colaboração entre humanos e máquinas inteligentes. Com apenas 100 horas de engenharia humana envolvida — comparadas a mais de 2.000 horas em projetos semelhantes feitos por estudantes e especialistas —, o feito abre caminho para novos paradigmas na robótica autônoma e no uso ético da inteligência artificial.
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