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Inteligência artificial: impacto no mercado de trabalho por Vinicius Brandão

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Inteligência artificial e mercado de trabalho

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por Vinicius Brandão

Em momentos de avanço tecnológico importante, é comum que surja o receio de substituição de trabalhadores por máquinas e, portanto, um aumento expressivo do desemprego. Esse tipo de movimentação ocorreu em alguma medida nas revoluções industriais ao longo da história e ocorre agora em relação à Inteligência Artificial (IA), especialmente a sua versão mais moderna: a IA Generativa.

Contudo, é importante qualificar o debate acerca da inserção de novas tecnologias no processo produtivo e o seu papel no mercado de trabalho. Nesse sentido, vamos abordar o tema sob duas perspectivas: a primeira, relacionada aos efeitos já visíveis na utilização da IA em empresas de diferentes países do mundo. Já em relação à segunda perspectiva, o debate será sobre como a capacidade de substituição, pela IA, de uma parcela das funções exercidas pelos trabalhadores pode ser benéfica para os próprios trabalhadores.

Em relação aos efeitos que já podem ser visualizados do uso de IA pelas empresas, em estudo realizado por Hampele et al (2024) para os EUA entre os anos de 2014 e 2023 percebe-se um efeito maior do uso de IA sobre os empregos ligados ao setores administrativo, financeiro e de engenharia. Nessas áreas, especialmente nas funções de maior qualificação, percebe-se uma redução de 2% nos profissionais necessários em um horizonte de 5 anos.

Todavia, apesar do maior potencial de substituição dos trabalhadores nesses setores, o estudo também verificou que como as empresas desses setores tiveram ganhos de produtividade, essas também expandiram o seu volume das atividades. Dessa forma, mesmo com a elevação do uso de IA, houve aumento da demanda por trabalho e criação de novas funções. Na prática, apenas ocorreu a migração de trabalhadores das funções anteriores para funções nas quais a substituição pela tecnologia é mais difícil.

  Em outro estudo acerca dos efeitos da IA no mercado de trabalho, mas nesse caso para a economia chinesa, os autores Zhou et al (2023) encontram os setores administrativo e financeiro como setores com maior propensão a serem substituídos por IA, além de também verificarem a criação de novos postos de trabalho a partir do uso da IA. Contudo, esses autores apontam para uma maior suscetibilidade à substituição de trabalhadores com menor nível educacional e de baixa renda, além de idosos e mulheres. Em suma, os trabalhadores que historicamente estão inseridos no mercado de trabalho em maior grau de vulnerabilidade seriam mais afetados pelo avanço da IA.

Ainda sobre a economia chinesa, os autores também estimam que 35% da força de trabalho do país seria substituída por IA até 2049. Em um primeiro momento, essa estimativa leva à conclusão de que a China e outros países que utilizem IA enfrentariam um desemprego massivo em um futuro próximo. Mas a partir dessa estimativa, podemos avançar no debate em relação à segunda perspectiva da nossa análise.

Como os trabalhadores podem se beneficiar do avanço da IA e da tecnologia como um todo?

A apreensão em relação à elevação do desemprego devido à substituição do trabalho humano por IA é derivada da análise das condições atuais do mercado de trabalho. É natural que o trabalhador ao verificar que as suas funções podem ser substituídas por uma máquina, chegue à conclusão de que os empregadores irão demitir parte relevante dos funcionários e os substituir por máquinas.

Todavia, é importante tomarmos a análise do mercado de trabalho de forma agregada, ou seja, analisar não um emprego específico que possa ser substituído mas a quantidade de horas de trabalho necessárias para a produção da mesma quantidade de bens e serviços. Nesse sentido, vista a tendência de aumento da produtividade a partir da inserção da IA em uma série de atividades, perceberemos uma queda na quantidade de horas de trabalho necessária para a produção.

A partir dessas conclusões em relação aos efeitos da IA e do avanço tecnológico, é possível perceber que há espaço para redução da jornada de trabalho dos trabalhadores e isso se insere diretamente em relação ao debate sobre o fim da escala 6×1 que está na pauta do dia no Brasil, por exemplo. É importante ressaltar esse ponto, visto que o principal argumento contra a redução da jornada de trabalho é uma suposta baixa produtividade das empresas brasileiras, o que tornaria inviável a redução da jornada de trabalho sem redução proporcional nos salários.  

Além de prover elevação da produtividade e reduzir a quantidade de horas de trabalho necessárias, a IA também pode contribuir como solução para a questão previdenciária e o envelhecimento da população. Em relação ao estudo sobre a economia chinesa, os autores apontam que o avanço da IA poderia inclusive ser uma alternativa benéfica, visto que a China está passando por um processo de envelhecimento da população e a IA poderia substituir os trabalhadores aposentados. Nesse sentido, os autores propõem ainda que as empresas que utilizam IA pagassem uma taxa que funcionaria para financiar a previdência dos trabalhadores aposentados. 

Desafios relacionados à expansão da Inteligência Artificial

Apesar de se mostrar uma tecnologia atrativa para ganhos de produtividade, a IA apresenta problemas que não podem ser minimizados. Entre os principais problemas está a alta concentração dessa tecnologia nas big techs, o que na prática gera um poder de oligopólio para essas empresas. Além disso, e não menos importante, vale salientar a questão do elevado consumo de energia que esse tipo de tecnologia demanda, o que se apresenta como um risco ambiental a ser levado em conta.

Em relação à concentração dos ganhos do avanço da IA, além da tecnologia estar concentrada em um número pequeno de empresas, essa concentração também insere os países em desenvolvimento em uma condição subordinada em relação aos países desenvolvidos. No caso da propriedade da tecnologia da IA ficar concentrada nos países desenvolvidos e a tecnologia continuar seu avanço de forma a se tornar indispensável para que as empresas dos países em desenvolvimento consigam manter nível concorrencial, a tendência é a transferência dos ganhos de produtividade gerados nos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos.

Essa relação subordinada fica ainda mais latente quando se observa o movimento das empresas de IA de instalarem seus Data Centers em países em desenvolvimento. Essa migração dos Data Centers ocorre devido à alta necessidade de recursos naturais, especialmente água para resfriamento dos computadores, para garantir a operação da IA. Nesse sentido, seria reforçada uma Divisão Internacional do Trabalho na qual os países em desenvolvimento se resumem à fonte de recursos naturais, ao passo que os países em desenvolvimento se apropriam dos ganhos gerados por novas tecnologias. Essa relação se apresentaria como uma versão atualizada das teses cepalina sobre a dicotomia centro-periferia e a deterioração dos termos de troca.

Considerações finais

Portanto, o avanço tecnológico de forma ampla e também da IA não é por definição prejudicial ao mercado de trabalho, mas ao contrário pode servir justamente para prover condições de trabalho melhores para o conjunto da população. O ponto central é como fazer com que os avanços tecnológicos gerem benefícios para o conjunto da população e não apenas para os grupos empresariais que detêm os direitos sobre a tecnologia.

Além da questão do mercado de trabalho, há também a concentração de poder econômico e a questão ambiental como pontos de alerta. A concentração dos direitos sobre a IA poderia levar a uma maior subordinação dos países em desenvolvimento aos países desenvolvidos, além de concentrar a tecnologia em poucas empresas estrangeiras. Para além disso, a exploração dos recursos naturais para garantir o funcionamento dos Data Centers das empresas de tecnologia pode agravar a crise climática nos países em desenvolvimento  ao invés de operar em prol de uma transição verde justa e sustentável.

Bibliografia

Hampole, M.; Papanikolaou, D.; Schmidt, L. ; Seegmiller, B. ; Artificial Intelligence and the Labor Market. Nber Working Paper 33509. 2025.

Zhou, G.; Chu, G.; Li, L.; Meng, L.; The effect of artificial intelligence on China’s labor market. China Economic Journal, pp. 1-18, 2019.

Vinicius Brandão – Professor Adjunto no IBMEC e Pesquisador FINDE-UFF

Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Instagram: Finde UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Instagram: Geep_iesp

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