Régis de Oliveira Júnior
Jornalista formado pela Unisc, pesquisador e especialista em Inteligência Artificial pela ESPM TECH São Paulo.
A inteligência artificial (IA) já faz parte da rotina de milhões de brasileiros. Assistentes virtuais, sistemas de recomendação e ferramentas de comparação de preços facilitam compras, economizam tempo e ajudam a encontrar promoções. Levantamentos recentes indicam que mais da metade dos consumidores brasileiros já utilizam essas tecnologias para compras online. A conveniência, contudo, não é isenta de riscos.
Em 2025, os números confirmam a dimensão do desafio. O Procon‑SP registrou 1.553 reclamações na semana da Black Friday, sobretudo por atraso na entrega e cancelamento de pedidos. Em Porto Alegre, a plataforma digital do Procon contabilizou 22 mil atendimentos ao longo do ano, com índice de resolução superior a 90%. O Reclame Aqui somou 8.600 queixas em apenas dois dias de vendas e emitiu 400 alertas sobre fraudes digitais apoiadas em IA, como sites falsos e mensagens automatizadas. Esses dados mostram que a tecnologia, apesar de útil, aumenta a exposição a fraudes e práticas comerciais abusivas.
Sem regras claras, a IA pode transformar conveniência em vulnerabilidade para o consumidor.
O impacto da IA vai além da logística ou da conveniência. Sistemas automatizados podem influenciar escolhas de produtos, concentrar vendas em poucas plataformas e criar dependência digital. A coleta de dados para personalizar ofertas também gera riscos de privacidade e decisões enviesadas, que podem prejudicar consumidores sem que eles percebam. Apenas cerca de 27% das empresas brasileiras declararam ter políticas claras para lidar com IA, revelando lacunas de responsabilidade no setor privado.
A Febraban informou investimentos de 50 bilhões de reais em tecnologia em 2024, dos quais 10% foram destinados à segurança digital, com foco em proteger idosos de ligações e vozes sintéticas usadas por agentes mal‑intencionados. Dados da OCDE indicam ainda que 72% dos jovens brasileiros entre 15 e 19 anos utilizam tecnologias digitais em atividades escolares, enquanto apenas 18% dos idosos participam de programas de inclusão digital. Esses números evidenciam a necessidade de políticas públicas para reduzir desigualdades de acesso e proteção.
A boa notícia é que Brasília já discute soluções. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem estudado regras para aumentar a transparência no uso de algoritmos comerciais, enquanto a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) analisa medidas para proteger o cidadão de práticas automatizadas abusivas. Projetos de lei em tramitação no Congresso buscam atualizar o Código de Defesa do Consumidor, incluindo dispositivos sobre publicidade automatizada, clareza nas recomendações e responsabilidade das plataformas por decisões digitais que afetem consumidores.
Além da regulação, é essencial investir em educação digital. Programas para jovens e idosos, como as oficinas de alfabetização digital da Prefeitura de Belo Horizonte e o Projeto Maioridade da UFMG, ajudam cidadãos a compreender riscos e a usar ferramentas de forma segura. Auditorias independentes e relatórios públicos das plataformas também podem aumentar a confiança do consumidor, enquanto parcerias público‑privadas para detecção e resposta a fraudes fortalecem a prevenção.
O desafio é equilibrar inovação e proteção. A IA oferece benefícios concretos: redução de custos, acesso a informações e proteção contra fraudes. Mas sem regras claras, fiscalização e educação digital, esses avanços podem se transformar em vulnerabilidade. A atualização do Código de Defesa do Consumidor, a atuação firme da ANPD e da Senacon e a colaboração entre Estado, empresas e universidades são passos essenciais para garantir que a tecnologia sirva ao cidadão, e não o contrário.
A inteligência artificial é uma ferramenta poderosa, mas apenas políticas públicas e fiscalização bem coordenadas podem assegurar que ela beneficie o consumidor sem comprometer seus direitos. A proteção digital precisa caminhar junto com a conveniência que o mundo online oferece.

