
Por Flávia Brito*
A ascensão da inteligência artificial (IA) transformou profundamente a forma como empresas operam e, ao mesmo tempo, como criminosos digitais atuam. Com o uso de ferramentas baseadas em IA generativa, as ameaças cibernéticas se tornaram mais difíceis de detectar, mais rápidas de propagar e cada vez mais personalizadas. Nesse cenário, a simples vigilância tradicional já não é suficiente. O conceito que ganha espaço entre especialistas é a chamada “observabilidade cibernética”, uma evolução da detecção e monitoramento que propõe uma visão contínua, contextual e integrada do ambiente digital corporativo, aplicável a plataformas de tecnologia e cibersegurança heterogêneas.
Nos últimos anos, a aceleração da digitalização de processos, a adoção de ambientes híbridos (nuvem + on-premises) e a integração com APIs e sistemas de terceiros ampliaram de forma significativa a chamada superfície de ataque — todos os pontos que podem ser explorados por agentes maliciosos. Com a inteligência artificial, os ataques deixam de ser genéricos e passam a ser mais contextualizados, automatizados e persistentes. Nesse contexto, a observabilidade surge como único caminho para oferecer controle em tempo real sobre esse cenário dinâmico.
O conceito de observabilidade
Adaptado do mundo da engenharia de software, o termo “observabilidade” vai além do simples monitoramento de logs ou alertas. Trata-se de um modelo proativo e analítico que busca compreender profundamente o comportamento dos sistemas, identificando anomalias antes que elas se transformem em incidentes. A prática envolve a coleta e correlação contínua de dados sobre redes, endpoints, aplicações, identidade, comportamento de usuários e informações de inteligência de ameaças. Na prática, a observabilidade combina telemetria de segurança (SIEM, XDR, SOAR), análise comportamental com IA, detecção de ameaças baseada em padrões como o MITRE ATT&CK, mapeamento de ativos e fluxos de dados, além de indicadores de exposição e de comprometimento (IoEs e IoCs).
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Para gestores, a preocupação com o tema é urgente. Segundo relatório recente da IBM, empresas com alta maturidade em detecção e resposta conseguem reduzir em até 40% o impacto financeiro de incidentes. O CrowdStrike 2025 Global Threat Report mostrou que, em 2024, o tempo médio para que um atacante se movesse lateralmente após o acesso inicial (“breakout time”) caiu para apenas 48 minutos, com o registro mais rápido em 51 segundos.
Além disso, 79% das detecções do mesmo ano não envolveram malware clássico, mas sim o roubo de credenciais, identidade comprometida, engenharia social ou exploração de funcionalidades legítimas do sistema. No contexto latino-americano, o Latin America Threat Landscape Report 2025 revelou que o Brasil foi o país mais visado da região, tanto em roubo de credenciais quanto em ataques baseados em identidade, além de registrar o maior número de acessos oferecidos no mercado clandestino.
A observabilidade também se tornou critério-chave para compliance com normas como ISO 27001, NIST Cyber Framework e LGPD, para a contratação de seguros cibernéticos e para a manutenção da confiança de investidores e stakeholders. Nesse sentido, especialistas alertam que a cibersegurança deixou de ser apenas um tema técnico e passou a ser um pilar estratégico da governança corporativa, diretamente relacionado à continuidade dos negócios e à reputação das marcas.
Para adotar uma postura de observabilidade, as organizações devem seguir alguns passos estruturantes: realizar o mapeamento completo do ambiente digital, implantar ferramentas integradas de visibilidade e análise, automatizar a resposta a incidentes, capacitar as equipes com processos claros e, principalmente, alinhar as áreas de TI e segurança com a alta liderança.
Mais do que um centro de custo, a observabilidade deve ser vista como investimento estratégico. Empresas que avançam nesse caminho colhem ganhos em agilidade, confiabilidade e competitividade. Se a era da IA trouxe novas ameaças, também abriu a possibilidade de antecipar riscos com maior precisão do que nunca. A decisão agora cabe aos gestores: transformar essa capacidade em um diferencial estratégico capaz de garantir resiliência e vantagem competitiva.
*Flávia Brito é especialista em cibersegurança e CEO da Bidweb
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