Especulamos sobre o futuro da indústria cinematográfica após o aniversário de 25 anos do AdoroCinema.

O AdoroCinema completou 25 anos nesta semana e isso talvez seja um lembrete de alguns pontos interessantes: sim, o tempo passa rápido demais e há algumas décadas estávamos sofrendo para abrir a notícia de um filme pelo qual estávamos obcecados porque a internet estava um muito longe de ser como é hoje. Internet discada, quem lembra?
Foi neste período também que muitos criaram um grande apreço pela sétima arte, seja através do site, nas tardes visitando a locadora do bairro e, claro, nas inesquecíveis idas ao shopping ou cinema da cidade para uma experiência que hoje se tornou corriqueira, mas já foi motivo de uma empolgação sem tamanho.
Aos poucos, as redes sociais ganharam um papel fundamental na divulgação de longas-metragens e séries de TV, que, ao lado da disseminação de serviços de streaming e novos formatos de reprodução em telas (celulares, notebooks, tablets etc), proporcionaram uma experiência completamente nova ao público.
Para além do afeto e da nostalgia, o AdoroCinema presenciou, e registrou ao lado de outros veículos atentos às tribulações da cultura pop, o desenvolvimento do audiovisual e o surgimento de inúmeros artistas. Hoje, acompanhamos uma nova era da indústria cinematográfica em que os indicadores para o futuro pipocam a todo instante – seja pela tecnologia, pelo discurso ou pela linguagem.
Uma vez que o córtex pré-frontal do portal esteja finalmente fechado (risos), assim como para o próprio site, os próximos 25 anos também devem corresponder ao amadurecimento ou transformação da mídia neste século. Já que no ano passado olhamos para todo o caminho que nos trouxe até aqui, chegou o momento de especular sobre o futuro do cinema.
Novas tecnologias e a Inteligência Artificial ganharão protagonismo?

Warner Bros. Pictures
O debate sobre o uso de inteligência artificial tem uns bons capítulos no entretenimento. Há poucos anos, a greve dos atores e roteiristas já abordava o assunto, a fim de regulamentar o recurso em produções audiovisuais. Gradualmente, com o aperfeiçoamento da tecnologia, muitos estão começando a aplicar a IA em seus respectivos trabalhos.
Neste ano, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas foi pega de surpresa quando foi revelado que Emilia Pérez e O Brutalista tinham elementos de voz alterados via inteligência artificial. Mais recentemente, com a reprodução do estilo do Studio Ghibli apoiada por uma trend nas redes sociais, não falta muito para que filmes completos sejam feitos com a tecnologia. Na verdade, isso já tem acontecido.
Essas tribulações nos levam a pensar que é muito possível que, aos poucos, a IA se torne presente na rotina de qualquer profissional de Hollywood de maneira indispensável. Resta entender o quão longe isso será aplicado em filmes e séries. Movimentos de sindicato são imprescindíveis para que isso não seja ainda mais prejudicial aos artistas, principalmente quando há ferramentas que utilizam o trabalho de terceiros como base para criar algo “novo”.
No ano passado, em um painel da SXSW sobre o tema, Kamala Avila-Salmon, chefe de conteúdo inclusivo do Lionsgate Motion Picture Group, falou sobre o tema. “A IA vai ser tão enviesada quanto os homens que a geram”, disse ao reforçar que ela deve ser usada como uma “mão a mais” no trabalho, além de reforçar que sempre há um viés a partir de quem alimentou ou criou o recurso. “Ela nunca vai substituir a experiência humana e a variedade de experiências que uma equipe pode oferecer.”

CNW Group/Cineplex
Toda essa discussão é apenas uma ponta do que a tecnologia pode contribuir para a transformação do audiovisual nos próximos anos. Assim como o 3D, o IMAX, o XD e até cinemas com telas panorâmicas surgiram nas últimas décadas, nada impede que realizadores como James Cameron popularizem todo um novo arsenal de ferramentas para produzir longas-metragens de maneiras inimagináveis – da estética detalhista ao visual que evoca as mais diferentes eras e emoções.
Corrosão da experiência do cinema pelo fenômeno das redes sociais

Brand New Images/Getty Images
O papo sobre o fim do cinema ou as grandes ameaças à linguagem praticamente nasceram com a sétima arte. Com o desenvolvimento da tecnologia, assistir a filmes perdeu um pouco da coletividade – de uma sessão em que todos estão ali focados em embarcar na história – para dar lugar a individualidade: agora é possível assistir a longas e séries em qualquer tela (daí que vem o nome da série black mirror, inclusive).
Segundo o levantamento da pesquisa Digital 2023: Global Overview Report, da DataReportal, brasileiros passam em média 56% do dia em frente a telas. Enquanto nos tornamos uma sociedade que passa cada vez mais tempo diante de algum tipo de dispositivo eletrônico interativo, com atenção especial aos smartphones, o nosso tempo de atenção tem diminuído exponencialmente. Consequentemente, o excesso nesta posição tem diminuído a capacidade de atenção das pessoas e isso também afeta como assistimos aos filmes.
Este fenômeno claramente foi impulsionado pela pandemia. O isolamento foi responsável por aumentar o período de utilização destes aparelhos. Além disso, essa espécie de vício também tem prejudicado a experiência da sala escura. Não é preciso ir muito longe para ouvir relatos de pessoas usando celulares em sessões de cinema. Os próximos 25 anos são um verdadeiro mistério sobre este aspecto, mas a partir disso é um pouco difícil ser otimista.
Por último, vale ressaltar também que este fenômeno é uma extensão do assistir em casa. Mais uma vez evocamos a pandemia. É muito difícil replicar o que acontece em uma sala de cinema, portanto pausas e interrupções são frequentes neste ambiente que nem sempre é controlado – principalmente por uma mente ansiosa e uma enxurrada de notificações pedindo atenção.
Sobre como isso pode impactar o cinema, já há mais esperança: a produção de longas nacionais e internacionais nunca se prendeu necessariamente a este aspecto para determinar a duração de um projeto – o problema é se estúdios e distribuidoras começarem a vetar histórias muito longas devido à falta de atenção da audiência, algo que é muito provável.
O fim da era de super-heróis?

Marvel
As atuais oscilações na bilheteria dos filmes de super-heróis são apenas alguns indícios de que as produções inspiradas em histórias em quadrinhos passam por uma crise. Mais do que apenas a visão de lucro, há também o fato de que há muito tempo tais histórias não caem nas graças do público e da crítica como antes.
Pensando nos maiores estúdios responsáveis por levar tais franquias às telonas, como a Marvel e a DC, observamos que o desenvolvimento destes projetos terá algum tipo de freio no futuro – isso se o lucro realmente cair. Qualquer movimento do cinema é cíclico. Isso é natural da lingaugem. Embora a Warner Bros. esteja pronta para iniciar uma nova fase ao lado de James Gunn e Peter Safran, é preciso de uma reinvenção valiosa e detalhista desses longas-metragens para que o gosto amargo deixado por tantas tentativas frustradas seja deixado para trás.
Ainda assim, é cedo para dizer com precisão quando e se isso realmente ocorrerá. A questão é que o cinema mainstream, guiado por blockbusters milionários, afeta de maneira significativa o acesso a outros tipos de narrativas. Um exemplo disso é a disposição de outros filmes quando há uma grande estreia de um destes estúdios – a maioria das salas é ocupada por um mesmo projeto, enquanto longas menores, de realizadores que fizeram um árduo percurso para chegar ao corte final, ficam às margens.
É difícil nadar contra a maré, portanto, enquanto houver lucro, existirão adaptações megalomaníacas. Isso pode significar também uma baixa no estimulo à criatividade, na condução de tramas originais em função de franquias, sagas e outros enredos que privilegiem reconhecíveis aventuras formulaicas.
As múltiplas possibilidades do cinema brasileiro após Oscar de Ainda Estou Aqui

Sony Pictures
O cinema brasileiro vive em festa após a vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar 2025. Mesmo que muitos já tenham perspectivas pessimistas sobre o futuro – muitas delas embasadas -, ainda não pode-se determinar se o frisson do longa estrelado por Fernanda Torres terá efeitos passageiros ou mudará a indústria de maneira significativa a longo prazo.
Do lado otimista, é possível dizer que há sim maior interesse por projetos nacionais por parte do próprio público. Se isso se perpetuar, o crescimento do cinema nacional será apenas questão de tempo.
Outro ponto é o inevitável interesse do mercado internacional para as produções feitas aqui: isso já se traduz com uma presença significativa de 12 filmes e quatro séries brasileiras no Festival de Berlim e uma homenagem no vindouro Festival de Cannes 2025, por exemplo. Há também alianças com diferentes países, como França, Portugal, Itália, Argentina, Reino Unido, entre outros, para o investimento de projetos audiovisuais.
O investimento dentro do próprio também país deve crescer. Com uma produção prolífica de obras diversas – e a chegada de longas como Oeste Outra Vez, Baby, Vitória, Kasa Branca e Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa logo nos primeiros meses do ano, é possível observar que o engajamento do público vem se intensificando.
Políticas públicas também estão em andamento, como a Cota de Tela, o streaming público Tela Brasil, a tentativa de regulamentação de plataformas de vídeo sob demanda, a elaboração do Novo Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual, entre outras. Para os próximos 25 anos, a esperança é que o cinema brasileiro tenha crescido de maneira nunca antes vista, pois é o que a nossa arte merece.
De volta ao Oscar, ver o pós de outros países fora dos Estados Unidos que venceram uma estatueta de ouro é estimulante. A Coreia do Sul teve o fortalecimento do soft power após a vitória de Parasita, assim como a Argentina passou a ter seu cinema reconhecido e respeitado internacionalmente pela seriedade de seu cinema político.
O cinema não está morrendo, mas está mudando

reprodução
Enquanto as especulações sobre o futuro podem render mais alguns artigos como este, deixo as palavras do mestre do cinema, Martin Scorsese, sobre o que esperar das histórias que vão encher corações, provocar lágrimas e gerar controvérsias nas telonas.
“Eu não acho que esteja morrendo de jeito nenhum. Eu acho que está se transformando”, disse Scorsese, conforme relatado pela Variety. “Nunca foi destinado a ser algo estático. Estávamos acostumados com a ideia de que o cinema era uma coisa só. Cresci com essa concepção: se você quisesse ver um filme, ia ao cinema. Pode ser um cinema de qualidade ou não, mas era um cinema. Sempre foi uma experiência comunitária.”
“Mas a tecnologia mudou tão rapidamente e tão profundamente que, de certa forma, o que podemos realmente segurar é a voz individual. Essa voz individual pode se expressar no TikTok, em um filme de quatro horas ou em uma minissérie de duas horas”, afirmou. “Não devemos nos tornar escravos da tecnologia – devemos controlá-la e direcioná-la corretamente. O caminho certo é aquele que vem da voz individual, em vez de algo que é meramente consumido e descartado.”