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Inteligência Artificial ou Estupidez Natural? O que devemos temer mais? | Crónica

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O tópico da Inteligência Artificial (IA) tomou conta das nossas vidas, individuais e colectivas. As abordagens são quase infinitas e muitas delas fascinantes. Se é “inteligente”, se é “artificial”, se nos vai roubar o trabalho, se nos vai escravizar, se a vamos incorporar e permitir que venhamos a alcançar uma “utopia plástica”, nas últimas palavras de Nick Bostrom. Em síntese, a IA tem um potencial para mudar as nossas vidas, se para melhor ou para pior há opiniões (e factos) para todos os gostos. Mas hoje a questão que me interpela é outra.

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E a Estupidez Natural? Tem um poder maior ou menor para transformar a nossa vida e condicionar os nossos objectivos individuais e colectivos?

Há um conjunto de aspectos estruturais, que nos perseguem enquanto país (que são igualmente verdadeiros para outros territórios), que sabemos que temos de enfrentar e modificar, mas que não evoluem de acordo com aquilo que sabemos ser necessário. Dinheiro, esforços políticos (públicos e privados) e acções individuais têm sido empenhados nas últimas décadas e não têm demonstrado a força transformadora necessária.

Identifico três desses aspectos, genéricos, mas suficientemente circunscritos para que ninguém os possa confundir ou enganar-se a si próprio:

  1. Alteração do perfil da estrutura produtiva do país – a discussão acerca da sobre-qualificação da força de trabalho, dos níveis de produtividade, das horas trabalhadas, dos níveis salariais, do inverno demográfico, do nível de investimento e de captação de impostos é velha de décadas. O copo não está nem meio cheio nem meio vazio; tem, simplesmente, o dobro do tamanho. Os resultados têm sido decepcionantes. O que a construção civil foi na década de 90 e primeira década do séc. XXI está agora a ser representado pelo turismo e pelos serviços associados. O perfil da estrutura produtiva de um país (região, ou mesmo continente) determina o espaço de evolução e de aprendizagem, materializando física e conceptualmente a evolução de todas as variáveis mencionadas. Qualquer perfil é um limite, é o tamanho do copo.
  2. Decrescimento como mecanismo de combate às alterações climáticas e à transição energética – as raízes dos movimentos do “decrescimento” são antigas e diversificadas. Um planeta com recursos finitos, condicionado pela segunda lei da termodinâmica e pela lei dos rendimentos marginais decrescentes não pode crescer indefinidamente. Os limites são óbvios, perguntem a um qualquer assistente de IA. Ao contrário da religião que afirma que os problemas que enfrentamos se resolvem com “mais crescimento”, a verdade não é essa.
  3. Diminuição da abstenção e consolidação da participação nos processos democráticos, nomeadamente em eleições. Conquistada a democracia às utopias totalitaristas, as populações aderem massivamente a eleições, mas rapidamente perdem a capacidade de manter e aprofundar o nível de participação em eleições livres e democráticas. Livros, teses, campanhas de sensibilização, soluções do tipo “voto electrónico”, etc., têm procurado diminuir os elevados graus de abstenção nas diversas eleições.

Curiosamente, é possível e fácil identificar que tem sido a “estupidez natural” a desempenhar o papel de maior poder estruturalmente transformador destas dinâmicas. É certo que o faz involuntariamente – é precisamente o resultado da estupidez natural –, mas a verdade é que o faz (isto martiriza a nossa conclusão).

Vejamos, dos EUA, surgem as tarifas de Donald Trump. Para além dos aspectos já analisados em detalhe pelo mundo inteiro sobre esta estupidez, a verdade é que uma das suas consequências se vai traduzir no decrescimento (do consumo, do investimento, da produção), infelizmente descontrolado e não planeado como preconizam os movimentos do decrescimento. Da Rússia, Vladimir Putin, com a invasão da Ucrânia e a ênfase na defesa territorial das nações, está a conduzir a Europa a uma reindustrialização, que terá naturalmente efeitos no perfil das estruturas produtivas de cada país. A China, monitorizada por Xi Jinping, partilhou com o mundo a pandemia (covid-19) e, espero que se lembrem, colocou o mundo no estado de “combate às alterações climáticas” mais eficiente de que temos memória. Finalmente, o crescimento da extrema-direita é transnacional. Em Portugal, o Chega e o seu líder fizeram mais pela redução da abstenção do que todos os esforços combinados dos últimos 50 anos!

Cada um destes exemplos de estupidez natural funcionaram como catalisadores de mudanças que as sociedades têm de fazer, mas não o conseguem fazer de forma consciente, coerente, planeada e consistente. Devemos ter mais medo da IA ou da estupidez natural? Qual deles pode fazer mais pelos nossos objectivos?

Este é um texto claramente estúpido, escrito não por IA, mas por um tipo muito particular de estupidez natural.

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