“A inteligência artificial (IA) está a ganhar cada vez mais importância na escrita.” Foi assim que Adriana Gonçalves, investigadora de IA em jornalismo, começou o debate promovido pelo PSuperior nesta quarta-feira, sob o mote “Onde fica a cultura e os direitos de autor na era da inteligência artificial?”. A IA dominou, mas os direitos de autor não foram esquecidos.
A investigadora considera que “a IA é uma ferramenta que ajuda nas tarefas do dia-a-dia”, incluindo o jornalismo, e deu alguns exemplos que já entraram nas redacções, como as transcrições e traduções de entrevistas, que, com a ajuda da IA, deixaram de ser um trabalho “moroso”, poupando tempo ao jornalista, que se pode focar mais na produção de outro conteúdo.
Alex Couto, escritor, publicitário e formador, revela que já fez “muita reflexão filosófica” sobre o assunto e considera que esta ferramenta “ainda” não consegue substituir a originalidade e criatividade de um escritor. “Sempre escrevi, é a minha paixão, mas a IA não deixa de ser impressionante”, confessa Alex Couto. Para o autor, a inteligência artificial deve ser voltada para tarefas que permitam uma maior liberdade intelectual: “Quero que a IA lave a loiça enquanto eu faço o que gosto.”
Carlos Eugénio também usa a IA nas suas tarefas diárias. O interveniente no debate e director-geral da Visapress, empresa que protege os direitos de autor dos jornais a nível nacional, admite que a escrita não é a sua “área de eleição” e que, por exemplo, a IA o ajuda imenso, principalmente na coesão e correcção do texto.
Mas, no que à Visapress diz respeito, Carlos Eugénio garante que a empresa “vai defender os autores independentemente da tecnologia”, mas alerta para o facto de existir uma “maior possibilidade de serem utilizados conteúdos sem autorização dos titulares dos direitos” com o crescimento da utilização de IA. O director-geral da Visapress afirma que a empresa alerta constantemente os editores dos jornais para introduzirem linhas de código nos artigos que protejam os direitos de autor dos jornalistas, sublinhando que é urgente “o dever de informar sobre a legalidade, as barreiras e as excepções. Nem todas as organizações de media têm essa noção.
Até nas questões jurídicas, a utilização da IA tem utilidade. Pedro Alfaiate, coordenador do Departamento Jurídico e de Relações Internacionais da Sociedade Portuguesa de Autores, que faz 100 anos na quinta-feira, admite que a IA o “ajuda nesses processos jurídicos, mesmo na procura de jurisprudência”. Todavia, não tem medo da substituição da sua profissão, porque “o ChatGPT não o consegue fazer” e reflecte: “Se a IA tem aquela interpretação, esta será a mesma que a minha? Será que eu vou concordar?”, questiona.
Alcance da IA
A IA é fonte de problemas ou de soluções? Adriana Gonçalves diz não ter uma resposta à questão de a IA poder ser um problema, apesar de considerar que esta ferramenta tecnológica não coloca em risco a profissão do jornalista. A investigadora, que analisa a produção de texto jornalístico em articulação com IA, concorda que a ferramenta “até pode ajudar, na medida em que será produzido mais conteúdo e, consequentemente, este vai ser mais visto nos motores de busca”, mas alerta para os problemas relativos à responsabilidade, direitos de autor, éticos, de transparência, entre outros.
Noutra perspectiva, o escritor Alex Couto diz-se “assustado” com a possibilidade de o Governo português colocar a inteligência artificial a ajudar em áreas como a educação ou a saúde, quando esta ainda não está suficientemente desenvolvida para ser útil em áreas tão nucleares da sociedade, incluindo a cultura, que é “muito dependente da educação e da sua qualidade”.
À questão sobre se, agora ou no futuro, a IA pode imitar certos tipos de discurso de oradores ou de escritores, Pedro Alfaiate tem as suas dúvidas, por acreditar que vai ser sempre possível reconhecer a IA, por “não ter emoção”. Alex Couto também acredita que, “com a criação de templates para IA, o principal desafio torna-se demonstrar o quão pouco profunda e emotiva pode ser a IA”, mas garante que “vai ser difícil substituir o que temos de mágico e fantástico dentro de nós”.
Carlos Eugénio, no entanto, chama a atenção para outro problema que surgirá quando passar a haver uma “obra criada pela máquina com recurso à própria máquina e não a autores humanos”.
Sobre a reacção dos media aos avanços da IA, o director-geral da Visapress considera que, desde que se passou do analógico para o digital, o modelo de negócio existente “prejudica fortemente o jornalismo, a cultura e a democracia”, uma vez que existe muito pouca fiscalização na partilha de conteúdos com direitos autorais. “As grandes plataformas desdenham da democracia”, conclui Carlos Eugénio.
Na mesma linha, Alex Couto dá um exemplo pessoal de um conhecido que lhe enviou um printscreen de um grupo de Telegram no qual estava a ser pedido o seu livro para efeitos de partilha pirata, que o deixou chocado. “É a minha obra e dinheiro que simplesmente não entra no meu bolso. Assim, desvalorizamos a cultura”, afirma o escritor.
Pedro Alfaiate não esconde o medo que tem de, num futuro “distante”, estar a ser dada nas escolas a interpretação de um texto gerado por IA. No entanto, garantiu que os autores vão estar sempre protegidos desde que haja justiça na sua remuneração, o que só será possível de alcançar com uma maior regulação da partilha de conteúdos com direitos autorais e “fiscalização que defendam os criadores”.
Na conclusão do debate, Adriana Gonçalves apelou a uma maior cooperação entre meios de comunicação, autores e academia para encontrar caminhos comuns e combater os problemas que as mais variadas formas de tecnologia trazem à cultura.