Leonardo, cantor sertanejo, é acusado de envolvimento com trabalho escravo – Confira!

O CANTOR SERTANEJO LEONARDO é um dos 176 nomes incluídos na nova atualização da chamada ‘lista suja’ do trabalho escravo. Divulgado nesta segunda-feira (7), o cadastro mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) torna públicos os nomes de pessoas físicas e jurídicas responsabilizadas pelo crime, após operações de resgate de trabalhadores feitas pelo governo federal.

A entrada de Leonardo na lista se deve a uma fiscalização realizada em novembro de 2023 na Fazenda Talismã, no município de Jussara, interior de Goiás. Na ocasião, foram encontrados seis pessoas, incluindo um adolescente de 17 anos, em condições degradantes, um dos elementos que configura a escravidão contemporânea no Brasil.

Os trabalhadores dormiam em uma casa abandonada dentro da Fazenda Talismã. Ali não havia água potável, banheiro e colchões. O espaço para deitar era improvisado com tábuas de madeira e galões de agrotóxicos. (Foto: Reprodução/MTE)

Os trabalhadores dormiam em uma casa abandonada, onde não havia água potável, banheiro e camas – o espaço para deitar era improvisado com tábuas de madeira e galões de agrotóxicos. O local também tinha sido tomado por insetos e morcegos, e exalava um “odor forte e fétido”, descreve o relatório de fiscalização acessado pela Repórter Brasil.

No final de julho, o cantor – batizado como Emival Eterno da Costa – comemorou seu aniversário, em festa luxuosa, na mesma propriedade. Avaliada em R$ 60 milhões, a fazenda conta com uma mansão, além de piscina, quadras esportivas e quartos estilo bangalô.

A reportagem entrou em contato com Paulo Vaz, advogado de Leonardo. Ele afirmou que o caso aconteceu em uma área arrendada na Fazenda Lakanka, contígua à Talismã, e que a responsabilidade pela contratação dos empregados era de um terceiro [o arrendatário]. “Tratava-se de uma área arrendada, todas essas pessoas tiveram as indenizações pagas e os processos se encontram arquivados”, disse à Repórter Brasil.

Criada em novembro de 2003, a “lista suja” é atualizada semestralmente pelo governo federal. Os nomes dos empregadores são incluídos após os autuados exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa e lá permanecem por dois anos.

O cadastro é considerado pelas Nações Unidas um dos mais relevantes instrumentos de combate ao trabalho escravo no mundo por garantir transparência. Com a nova atualização, a lista chega a um total de 727 patrões responsabilizados. Confira a relação completa neste link.

Imagem do banheiro encontrado dentro da propriedade do cantor sertanejo Leonardo. Empregados não conseguiam utilizá-lo, pois estava sem água e tomado por fezes de morcegos (Foto: Reprodução/MTE)

Entenda o caso

O nome da Fazenda Talismã é uma homenagem a um dos maiores sucessos da dupla Leandro & Leonardo, de 1990. Essa não é a única propriedade do cantor e empresário, que atua no ramo da pecuária e recentemente tem apostado na soja.

O local onde os trabalhadores foram resgatados ficava na Fazenda Lakanka, vizinha à Talismã, e também pertencente a Leonardo. Em 2022, o terreno foi arrendado para um terceiro, encarregado do plantio de grãos. Mas, segundo o relatório de fiscalização, a limpeza e preparação do local ainda seriam responsabilidades do cantor, motivo que levou Leonardo a ser identificado como empregador.

“Não tem chuveiro, não tem pia e o local está extremamente sujo, com muitas fezes de morcego”, disse o adolescente aos auditores, durante a fiscalização. Segundo o depoimento de outros trabalhadores, formigas e cupins “andavam por cima” de seus corpos quando eles deitavam para dormir. Outro empregado relatou ter adoecido depois de a chuva molhar sua cama – o telhado estava sem manutenção e as telhas, deslocadas.

Além das seis pessoas resgatadas, outras 12 foram encontradas trabalhando sem carteira assinada “na mais completa informalidade”, diz o documento. A operação contou com auditores do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

Os empregados acordavam antes das 6h da manhã e às 7h já estavam arrancando pedras, raízes e tocos de árvores sem qualquer equipamento de proteção. As refeições eram feitas embaixo de uma árvore e a água era armazenada em quatro garrafas térmicas.

Imagem da Fazenda Lakanka, local onde os trabalhadoes foram resgatados da condição de escravos. A propriedade também pertence a Leonardo e é vizinha a Fazenda Talismã, onde os trabalhadores dormiam (Foto: Reprodução/MTE)

Metade dos empregados estava trabalhando há 12 dias sem descanso. “Trabalhava de domingo a domingo”, conta o adolescente, que chegou na fazenda junto com seu irmão e primos para atuar na “catação de raízes”.

Os fiscais alertam que a atividade pode ser enquadrada na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, probida para menores de 18 anos. “As tarefas típicas do preparo do terreno para o cultivo de soja devem ser consideradas extremamente danosas e prejudiciais”, diz o relatório.

O trabalhador que adoeceu após a chuva no alojamento disse que sabe que a propriedade “é do cantor Leonardo”. Em depoimento aos fiscais, o gerente da fazenda afirmou que  “o sr. Leonardo não comparece aos alojamentos dos trabalhadores, mas vem à sede da fazenda e depois vem pescar”.

Segundo ele, “quem toma conta de tudo” é o irmão do cantor, Robson Alessandro Costa, que  tentou uma vaga na Câmara de Vereadores em Goiânia (PSDB), mas ficou como suplente. “Nesse mesmo dia em que a fiscalização do trabalho chegou à fazenda, [Alessandro] perguntou sobre o término do serviço de catar as raízes”, disse o gerente.

A Fazenda Talismã é avaliada em R$ 60 milhões. Operação contra trabalho escravo ocorreu na propriedade e em outra fazenda de Leonardo, a Kalanka (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Sobre a Lista Suja

Prevista em portaria interministerial, a “lista suja” inclui nomes de responsabilizados em fiscalização do trabalho escravo, após os empregadores se defenderem administrativamente em primeira e segunda instâncias. Uma vez incluídos, os empregadores – pessoas físicas e jurídicas – permanecem listados por dois anos.

Apesar de a portaria que prevê a lista não obrigar a um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas brasileiras e estrangeiras para seu gerenciamento de risco. Isso tornou o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.

Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade da “lista suja”, por nove votos a zero, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

A ação sustentava que o cadastro punia ilegalmente os empregadores flagrados por essa prática ao divulgar os nomes, o que só poderia ser feito por lei. A corte afastou essa hipótese, afirmando que o instrumento garante transparência à sociedade. E que a portaria interministerial que mantém a lista não representa sanção – que, se tomada, é por decisão da sociedade civil e do setor empresarial.

O relator destacou que um nome só vai para a relação após um processo administrativo com direito a ampla defesa.

Trabalho escravo hoje no Brasil

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 63,5 mil trabalhadores foram resgatados. Participam desses grupos, além da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Defensoria Pública da União.

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