O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inaugura nesta sexta-feira (13) um polo industrial para escoar e processar gás natural, o Complexo de Energias Boaventura, em Itaboraí, região metropolitana do Rio de Janeiro. Trata-se da versão repaginada de um empreendimento que o próprio Lula anunciou 18 anos atrás e que acabou abandonado pela Petrobras.
O polo ganhou um novo nome, em homenagem ao Convento São Boaventura, localizado dentro da unidade. Mas é projeto antigo, herança do primeiro governo petista. Passou por atrasos e paralisações, foi envolvido na Operação Lava Jato e causou prejuízo gigantesco para a Petrobras, antes de passar por profundas transformações para virar o que é hoje. Cálculos indicam que o empreendimento dilapidou no mínimo R$ 40 bilhões da estatal.
Ele nasceu para ser o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que, embora não tenha saído do papel, gerou perdas devido a corrupção e ao que o Tribunal de Contas da União (TCU) chamou de gestão “temerária” e “antieconômica”, que teria causado perdas de ao menos US$ 12,5 bilhões.
Esse foi o valor apurado por uma inspeção do TCU feita em 2017, equivalente a aproximadamente R$ 40 bilhões na cotação média daquele ano ou R$ 70 bilhões atualmente. Antes, em 2015, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso calculou perdas ainda maiores, de US$ 14,3 bilhões (quase R$ 48 bilhões, segundo o câmbio médio daquele ano, ou R$ 80 bilhões hoje).
Meses atrás, o presidente celebrou a ampliação de outra obra da Petrobras que também virou símbolo da Lava Jato e teve seu orçamento multiplicado: a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que chegou a ser considerada a mais cara do mundo.
Lula anunciou Comperj em 2006, para processar petróleo dali a cinco anos
O Comperj foi lançado em 2006 pelo presidente Lula, então em primeiro mandato. Era tratado como símbolo da política desenvolvimentista do PT, que se dizia a favor das regiões mais esquecidas pelo poder público.
Orçado em US$ 6,5 bilhões, deveria estar processando petróleo dali a cinco anos. Mas, quase duas décadas após o lançamento, carrega um histórico de desperdício e inconsistências de projeto, além de ter sido envolvido no esquema investigado pela Operação Lava Jato.
Em 2008, quando as obras começaram, o projeto já estava mais caro, estimado em US$ 8,4 bilhões. Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) convocou ex-gestores e ex-diretores da Petrobras para explicar o prejuízo de US$ 12,5 bilhões, dos quais US$ 9,5 bilhões seriam de responsabilidade deles. Segundo a Corte, por indícios de gestão temerária, “caracterizada por decisões desprovidas das cautelas necessárias”, que “resultaram em um empreendimento inviável economicamente”.
Entre os indícios, o relator listou projeto conceitual indefinido, evolução inadequada do projeto, análise de riscos negligenciada, indefinição de parcerias essenciais à viabilidade do processo, indefinição de estratégia de licenciamento ambiental e antecipação de gastos incompatíveis com o projeto.
No ano seguinte, o tribunal constatou vulnerabilidades na governança do Estado em relação à Petrobras e atos de gestão “ilegítimos e antieconômicos cometidos por membros do conselho de administração da estatal entre 2006 e 2015”.
E em 2021, dez ex-gestores da Petrobras foram condenados pelo TCU a pagar multas individuais entre R$ 54 mil e R$ 67,8 mil. Além da multa, cinco ex-dirigentes foram condenados à pena de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública federal por seis a oito anos.
Um dos responsáveis pelo projeto do Comperj era Renato Duque, então diretor de serviços da Petrobras, que foi condenado por corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Ele foi preso no mês passado para cumprir penas por ilícitos em vários empreendimentos – incluindo o Comperj – que somam mais de 39 anos em três ações que já transitaram em julgado.
O complexo nunca chegou a refinar os cerca de 150 mil barris por dia previstos para 2013 em diante. No fim de 2019, após estudo de viabilidade econômica feito com empresa chinesa CNPC, a Petrobras anunciou que desistiu de concluir as obras do Comperj. No ano seguinte, rebatizado de Polo Gaslub Itaboraí, o complexo passou a concentrar esforços na produção de gás natural na região e na construção da maior unidade de processamento de gás natural (UPGN) do país.
Complexo Boaventura vai escoar e processar gás do pré-sal
Agora, como Complexo de Energias Boaventura, além da UPGN, vai receber gás do pré-sal da Bacia de Santos. A perspectiva é escoar até 18 milhões de m³/dia e processar até 21 milhões de m³/dia de gás natural. Segundo a Petrobras, a ideia é “aumentar a oferta para o mercado nacional, reduzindo a dependência de importações”.
Fazem parte do projeto, ainda, o início da operação do gasoduto Rota 3, duas termelétricas a gás, para participação nos leilões previstos pelo setor elétrico, e unidades de refino para produção de combustíveis e de lubrificante.
O início das operações comerciais está previsto para a primeira quinzena de outubro. Segundo a estatal, as obras criaram 10 mil empregos e o complexo conta com mais de 600 profissionais.
O aumento de oferta de gás no país é uma das bandeiras da gestão de Lula e da Petrobras que, como pontuou Chambriard na sua posse, “está alinhada com o governo”. Em evento na Bolívia, ela disse que, com maior oferta de gás para o mercado brasileiro e a preços acessíveis, a expectativa é viabilizar projetos de fertilizantes e de petroquímica previstos no Plano Estratégico 2024 – 2028 da estatal.