O impasse resultante do primeiro encontro entre o primeiro-ministro e o líder da oposição fez com que o Presidente da República venha agora pressionar declaradamente ambos a que olhem para o “interesse nacional” e a que cheguem a acordo para viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), e assim evitar que seja o Chega a decidir se há, ou não, crise política, o que acabaria por levar o problema para Belém. Marcelo Rebelo de Sousa faz questão de lembrar a Luís Montenegro que o Governo da AD é “minoritário” e a Pedro Nuno Santos que o PS “não é Governo”.
Após meses em que a pressão exercida a partir de Belém levou várias vezes o líder socialista Pedro Nuno a acusar o toque, considerando que Marcelo estava a condicionar a acção do PS, o chefe de Estado veio este sábado, em declarações em exclusivo à RTP3, defender que “o Governo, atento ao interesse nacional, deve perceber que o interesse nacional é mais importante do que o Programa do Governo e não ser inflexível no Programa do Governo”.
O Governo tem insistido não admitir que a oposição desvirtue o seu programa, acenando com eleições antecipadas se tal acontecer, e o PÚBLICO sabe que para o executivo da AD abdicar do IRC e do IRS Jovem, como exige o PS, seria adulterar duas medidas essenciais da sua linha programática. Mas Marcelo, que recupera o termo “inflexível” com que Montenegro caracterizou a exigência na sexta-feira feita por Pedro Nuno na reunião entre ambos, defende que um Governo minoritário deve agir como tal. “O Programa do Governo pode ser aplicado mais cedo, mais tarde, duma maneira ou doutra maneira, sobretudo [tratando-se de] um Governo que é minoritário”, disse em declarações transmitidas ao início da noite pela RTP3.
O Presidente também apontou ao PS, desta vez sem margem para dúvidas quanto ao alvo. “A liderança da oposição exactamente o mesmo: perante o interesse nacional, no mundo como está, na Europa com está, tem que fazer um esforço para, em relação aos princípios que seriam ideais do ponto de vista da oposição, e se fosse governo é o que faria, perceber que tem que se ajustar, até porque não é governo.”
Os avisos de Marcelo vão no sentido de sensibilizar AD e PS de que caso não se entendam, será o Chega a ver o seu papel reforçado (o líder do Chega, André Ventura, aproveitou o impasse entre Montenegro e Pedro Nuno para se mostrar disponível para desbloquear a situação). “Se não se entenderem, quem passa a mandar é o terceiro [partido]. Se os outros não desempatam, ele [o Chega] é que desempata por eles. Se o primeiro e o segundo partido não se entendem, a questão do Orçamento passa a depender da decisão do terceiro partido, que passa a ser chave”, argumentou o Presidente.
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou depois que no caso de o Chega também não ser factor de desempate, por “decidir não decidir”, então o problema “sobra para o Presidente”. Alinhado com Montenegro na convicção de que governar em duodécimos “não é solução”, Marcelo tem vindo a dizer que “se não houver orçamento, haverá crise política“. Ora, apesar de em 2024 o Presidente não dizer claramente, como disse em 2021, que a consequência dessa crise consiste em eleições antecipadas, restam poucas ou nenhumas dúvidas que perante tal situação Marcelo dissolveria o Parlamento. E essa é a “última coisa que devia acontecer”, apela.
Na sexta-feira, num discurso na cimeira do turismo em que reagiu à imposição do secretário-geral do PS e às medidas alternativas e negociáveis que os socialistas propõem na vez do IRC e do IRS Jovem, o primeiro-ministro comprometeu-se em apresentar ao Pedro Nuno Santos, na próxima semana, uma “contraproposta que será uma tentativa de aproximar posições”.
Até aqui os dois lados têm-se mostrado irredutíveis, mas para o ministro Adjunto e da Coesão Territorial bastará “usar a inteligência” para desbloquear o impasse. Se o Orçamento não fosse aprovado, disse Manuel Castro Almeida, em entrevista à RTP, “era mesmo porque não estávamos a usar a inteligência”.