nanotecnologia e inteligência artificial são áreas em alta no país

A produção de conhecimento científico no Brasil enfrenta desafios que incluem necessidade de maior estímulo, simplificação de processos e melhores condições de trabalho para pesquisadores. Contudo, mesmo atuando em um cenário que certamente se beneficiaria de mais oportunidades, o país segue se destacando com diversas ilhas de excelência, como agricultura, aviação, energia e saúde pública, áreas em que é reconhecido como referência internacional. Agora, o Brasil se prepara para uma nova fase no campo da pesquisa científica, em que busca ser protagonista em temas como inteligência artificial – e a saúde é uma área que pode se beneficiar disso.

Ainda que enfrente desafios, a qualidade nos trabalhos desenvolvido por brasileiros é alta. Prova disso é que, de acordo com um levantamento feito desde 2015 por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, a presença de brasileiros na lista dos cientistas mais citados em trabalhos científicos no mundo quase quadruplicou em cinco anos, saltando de 342 em 2017 para 1.294 em 2022. Ciências médicas, engenharia e tecnologia são as áreas mais representadas no ranking.

“O Brasil tem áreas sensacionais quando falamos de pesquisa, não nos falta qualidade para produzir ciência”, afirma Luiz Vicente Rizzo, diretor de pesquisa do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. “Basta olhar tudo que já fizemos em exploração de petróleo em águas profundas ou na engenharia de aviação, por exemplo. Temos avanços acontecendo na área de nanotecnologia e ciências de materiais, além de projetos interessantes de inteligência artificial na saúde e de origem brasileira.”

Pesquisa científica de inteligência artificial e nanotecnologia

A nanotecnologia começou a ter seu potencial reconhecido há pouco mais de uma década no país. Em 2019, uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) instituiu a Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia como principal programa estratégico para incentivo do tema no país. Nesse sentido, o Einstein, em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), tem atuado na área e trabalhado com a nanotecnologia para a entrega de vetores virais em terapia gênica.

Segundo Rizzo, o produto é fruto de uma lógica de pensamento que antecipou a tendência desse tipo de trabalho. “Há 15 anos, olhamos para os avanços na terapia gênica e identificamos o potencial dessa área e o quanto ela seria importante no futuro, por isso decidimos investir em pesquisa. E, sabendo que a ciência é um ‘esporte coletivo’, decidimos procurar o CNPEM, que domina a expertise que nos faltava para avançar nesse campo.”

Os avanços também podem ser vistos quando o assunto é inteligência artificial. Hoje, as instituições têm desenvolvido suas próprias ferramentas com foco em processos de gestão, preenchimento automático de prontuários eletrônicos, aumento da precisão diagnóstica e melhorias na jornada do paciente. Mas há ainda um universo de possibilidades a ser explorado.

O Brasil deu um passo na direção de explorar esse potencial no fim de julho, com o lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), iniciativa que prevê investimentos de R$ 23 bilhões de 2024 a 2028. A saúde é um dos campos contemplados, inclusive com investimentos para ações classificadas como de impacto imediato. Ao todo, quase R$ 100 milhões serão investidos, sendo a maior parte para otimização de diagnósticos – um dos casos de uso mais promissores de IA na saúde.

O plano marca uma nova fase de investimento e valorização da pesquisa em ciência da computação, segundo Denise Pires de Carvalho, presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para ela, é preciso ultrapassar o lugar de consumidor de tecnologia e incentivar a produção nacional.

“É uma área que está entre as 10 com maior produção no mundo. Temos capacidade instalada, mas ainda não produzimos conhecimento suficiente, somos mais usuários do que é produzido no resto do mundo. Ainda somos um país muito extrativista, baseado em commodities. É preciso mudar isso e a base é o investimento”, pontua.

Saúde pública também é referência

Na saúde pública, o país já é exemplo na produção científica de soluções de políticas de acesso universal a cuidados em saúde, tendo o Sistema Único de Saúde (SUS) como grande carro-chefe. “Nosso modelo tem sido usado por países como Estados Unidos, Austrália, Itália e Portugal para a implantação de políticas públicas semelhantes”, salienta Carvalho. “Embora países como o Reino Unido tenham um sistema público de saúde, o SUS é motivo de orgulho pela proporção continental que o Brasil tem.”

Segundo ela, que também é ex-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é possível fazer mais. Carvalho ressalta que as sociedades médicas e científicas brasileiras têm projeção internacional e que a produção de conhecimento na área de medicina interna tem despontado. Por isso, é importante apoiar esse movimento. “O investimento em pesquisas na área médica vai beneficiar não só o SUS como também a medicina brasileira baseada em evidências. Esse salto pode ser dado”, acredita.

Outra atuação brasileira de destaque é o trabalho no nicho de doenças infecciosas. Atualmente, a Fiocruz figura na lista global das dez instituições que mais produziram conhecimento científico na área em 2024, assim como a Universidade de São Paulo (USP), de acordo com o ranking global da Scimago, que faz o levantamento baseado no número de publicações e relevância de citações em periódicos científicos.

Desenvolvimento nacional de insumos e ensaios clínicos

Outra indústria que tem se aquecido com a pesquisa brasileira é a farmacêutica. Com um histórico de sucesso na produção de medicamentos genéricos, o setor nacional evoluiu e conseguiu avançar na capacidade instalada em termos de fábricas, modernização e mesmo capacitação e formação de pesquisadores.

“As indústrias farmacêuticas brasileiras intensificaram a criação de suas próprias drogas nos últimos dez anos. E podemos fazer isso, somos o país de nomes como Vital Brasil, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Maurício Rocha e Silva, dentre outros”, defende Rizzo. “Temos não só um potencial econômico como também o de incentivar outras áreas de pesquisa no Brasil, como a química fina.”

Neste contexto, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde tem buscado fomentar a indústria nacional de insumos de saúde. O objetivo é aumentar os atuais cerca de 45% produzidos localmente para 70% até 2033 – o que deve acontecer por meio de investimentos em produção local e parcerias para transferência de tecnologias entre multinacionais e instituições brasileiras.

Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciência, destaca também a participação nacional em ensaios clínicos. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está entre os 20 países com mais registros de ensaios clínicos no mundo. A diversidade da população e a biodiversidade são frequentemente mencionados como fatores positivos para a execução de pesquisas nacionais.

Ela lembra que um dos grandes destaques recentes é a pesquisa liderada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), para a produção da primeira vacina 100% brasileira contra a Covid-19, a SpiN-Tec.

“Temos nossos produtores de vacina, como a Fiocruz e o Instituto Butantan. Agora, temos a iniciativa da UFMG, que é interessante porque seria um produto totalmente nacional. Produzir no Brasil é mais barato do que produzir fora, mas precisamos de estímulos”, afirma Nader.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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