Não há mais lugar para amadores

Não há mais lugar para amadores

Apanhado com a boca na botija em todas as etapas das operações das joias das arábias, que foram apreendidas na revista rotineira da Aduana do Aeroporto de Guarulhos (SP), em fins de 2021, contrabandeadas como valise de mão por um assessor (militar) do ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, o ex-presidente, encrencado depois pela venda e recompra, nos Estados Unidos, de outras joias e relógios recebidos quando exercia a Presidência da República, conseguiu um parecer do seu apadrinhado no Tribunal de Contas da União, o ex-secretário geral de governo, Jorge Oliveira, para tentar deixar suas mãos limpas no caso dos relógios.

Jorge Oliveira ignorou uma determinação do TCU, de 2016. E criou uma nova tese para livrar o ex-chefe da condição de vendedor de coisa pública, visto que relógios e joias que vendeu nos EUA, por intermédio do ex-colega de farda general Lorena Cid, que nomeara para a gerência da Apex, em Miami, em parceria com o filho, o ajudante de ordens da Presidência da República, tenente-coronel Mauro Cid, tiveram de ser recompradas pelo advogado Frederick Wassef, em joalheria da Pensilvânia, para não desacatar a ordem de devolução do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.

A legislação de 2016 diz que presentes recebidos por ministros ou presidentes no exercício do cargo devem ser incorporados ao Patrimônio da Presidência da República. Enquanto no cargo, poderiam ser usados pelo presidente ou pela primeira-dama (exceto as joias aprendidas pela Alfândega de Guarulhos). A regra anterior não era específica. Assim, Lula usou várias vezes um relógio Cartier recebido de presente na França, em 2005, no seu primeiro governo.

Para livrar a barra de Bolsonaro – pelo menos no caso dos relógios – Jorge Oliveira deu um triplo salto twist carpado. Em seu voto, seguido pelos ministros do TCU, Jorge Oliveira declarou que, por falta de norma clara para o tratamento dos presentes recebidos, os itens não devem ser devolvidos. Para dizer que não está protegendo o ex-chefe, disse que o presidente Lula não precisa devolver um relógio de ouro da marca Cartier, que ganhou em 2005.

No voto, Oliveira argumentou que a norma deve estar prevista em legislação — uma atribuição do Congresso —, e não em determinação da Corte, como foi definido em 2016. Mesmo que coincidam duas vezes no dia nos horários dos ponteiros, tentar equiparar o relógio de Lula (que o usou enquanto não havia restrição) aos relógios de Bolsonaro, não cola. São fatos bem diversos.

Mas o fato é que o entendimento de Oliveira, seguido pela maioria dos ministros, abre caminho a uma rediscussão, no TCU, do processo sobre as joias e armas dadas pelo governo da Arábia Saudita ao governo de Bolsonaro. Ano passado, o tribunal havia entendido, por decisão unânime, que Bolsonaro precisaria devolver os itens, com base na determinação de 2016 do TCU.

A rede social bolsonarista deitou e rolou com a decisão de Jorge Oliveira seguida pela maioria do TCU. Lula já disse que vai devolver o relógio, mas a Advocacia Geral da União vai recorrer da decisão do TCU em defesa do patrimônio público.

‘Profissionalismo é isso aí’

Isso me lembra a impagável letra da dupla Aldir Blanc e João Bosco, com o título de “Profissionalismo é isso aí”, que conta a história de um típico malandro pré-internet, (hoje os golpes são criativos e seriados), que, de batedor de carteira a golpes de passar os otários para trás, mudou de vida e resolveu frequentar a alta roda política. Os versos dizem tudo: “Domingo numa solenidade; Uma otoridade me abraçou; Bati-lhe a carteira, nem notou; Levou meu relógio e eu nem vi; Já não há mais lugar pra amador”.

No começo dos anos 80 a gente atribuía a tal “Otoridade” como sendo Paulo Maluf. O fecho da letra impagável é “Ri melhor quem ri por último”.

A conferir.

Cada um por si

Por sinal, o advogado Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social do governo Bolsonaro deixou esta semana a defesa do ex-presidente no caso das joias e de outros procedimentos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi tomada após ele também ser indiciado pela Polícia Federal (PF) em julho, no caso das joias. No total, 12 pessoas, incluindo Bolsonaro, foram apontadas como integrantes de um esquema para vender no exterior presentes oficiais recebidos durante o mandato do ex-presidente.

Wajngarten que atuava como uma espécie de assessor de imprensa e jurídico do ex-presidente, resolveu cuidar de si mesmo, para escapar da guilhotina.

Muito além do céu de brigadeiro

Todo acidente aéreo tem inúmeras consequências, além da dolorosa perda de 62 vidas, com os três dias de luto decretados pelo presidente Lula. As autoridades aeronáuticas de todo o mundo se debruçam sobre as causas para identificar, com auxílio da caixa preta ou das gravações de comunicados com as torres de comando, se a causa do acidente foi humana ou mecânica. Tudo para corrigir falhas futuras e aumentar a segurança aérea, por pressão da indústria, das seguradoras e pela garantia de tranquilidade ao turismo mundial.

O Brasil não chora só as 62 vítimas da tragédia (a maior no país desde 2007). Como sede da Embraer, com liderança inconteste na produção de aviões para a aviação regional (o EMB 195 transporta 70 passageiros e o EMB 195 EZ leva até 118 passageiros), acompanha com duplo interesse as apurações, pois qualquer falha mecânica do concorrente pode contar a favor da Embraer.

Por isso, logo são examinadas pela ANAC a situação da companhia e seus tripulantes, para ver se a companhia e os pilotos estão regulares e a aeronave com as revisões em dia. No caso da Voe Pass, nome fantasia da Passaredo, companhia de aviação regional fundada em 1995, em Ribeirão Preto (SP), a ANAC disse que a companhia e o avião ATR-72 estavam em situação regular.

Voos regulares têm mais fiscalização do que voos afretados (o que não era o caso). Em novembro de 2016, um avião afretado da Linhas Aéreas Boliviana que saiu de Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) levando o time da Chapecoense (SC) para a final da Copa Sul- Americana, em Medelin (Colômbia), pilotado pelo próprio sócio majoritário da LAB, correu todos os riscos de um voo direto e caiu, por falta de combustível. O piloto evitou uma escala para reabastecimento, pois o avião podia ser retido pelas autoridades colombianas, e matou 71 pessoas, incluindo dirigentes e quase todo o time catarinense e jornalistas que acompanhariam a final. Apenas quatro pessoas sobreviveram.

Mídia mundial atenta

No caso presente da Voe Pass, o interesse da mídia inglesa, francesa, americana e canadense tem a ver com os inúmeros atores em jogo. O modelo ATR-72 (quatro tripulantes e até 70 passageiros) é um turbo hélice comercial bimotor de médio porte e asas altas, desenvolvido e fabricado pela Avions de Transport Régional, associação criada em 1981 entre Aérospatiale (francesa) e Aeritália. Hoje tem participação da Airbus, franco-inglesa, rival da Boeing americana. As asas da aeronave, que teriam tido problemas, são feitas pela Sogerma, de Bordeaux (França). A ATR produz ainda o ATR-42, de 50 lugares.

Acontece que o avião que caiu já passou por muitas mãos desde que saiu da fábrica da ATR em 2010. Operou oito anos em voos entre as ilhas do arquipélago da Indonésia (país formado por 17 mil ilhas no Oceano Índico, com 280 milhões de habitantes). De 2016 em diante foi arrendado pela italiana Belle Air Europa, que entrou em falência. Em seguida foi afretado à norueguesa Nordic Aviation Capital (NAC) e à polonesa Pelita Air Service.

A Voe Pass assumiu em 2022 uma operação de “leasing” de 63 meses (cinco anos três meses) com a Wilmington Company, companhia de aluguel de aeronaves com sede em Delaware, um estado que tem as menores tributações dos Estados Unidos. O aluguel era de US$ 65 mil mensais.

Ônibus não é avião

A Voe Pass (nome assumido pela Passaredo, fundada em 1995, após a compra, em 2019, da MAP Linhas Aéreas, de Manaus, que operava linhas entre os estados do Amazonas a estados do Nordeste) é a mais antiga companhia aérea do país. Embora seja considerada a 4ª aérea do país, com só 0,5% do mercado doméstico de passageiros (83,5 milhões), não tem uma ficha recomendável. Já entrou em recuperação judicial e trocou de mãos mais de uma vez, tendo sido comprada durante um tempo pela Viação Itapemirim.

A Viação Itapemirim (ES), que já foi a maior companhia de ônibus interestaduais do país, fracassou duas vezes ao tentar levantar voo. No governo Collor tentou privatizar a Vasp do governo de São Paulo. Foi atropelada por outro empresário de viação urbana – o goiano Wagner Canhedo, que tentou junto a Fernando Collor privilégios de preços e prazos do querosene de aviação da BR Distribuidora e foi denunciado pelo presidente da Petrobras, Luiz Otávio da Mota Veiga. A Vasp também durou pouco. Em meados 2021, com o nome de ITA Linhas Aéreas, tentou nova incursão na aviação regional. Teve a licença cassada pela Anac no 1º semestre de 2022. Por sinal, a Gol Linhas Aéreas, de 2001, também foi criada por empresário goiano de ônibus, Nenê Constantino. A Gol segue em mãos dos herdeiros.

A Latam concentrou 36,1% dos voos domésticos no ano passado, seguida pela Gol, com 32,3%, ficando a Azul com 30,5%. O mercado deslanchou e mudou de figurino depois da estabilidade da moeda com o real, mas o custo do querosene de aviação (isento de impostos apenas em voos internacionais) é muito alto e dificulta a massificação das viagens, alvo do plano de facilitação de passagens a R$ 200 para idosos com mais de 65 anos

A força das mulheres

Na primeira Olimpíadas com igualdade de gênero (as delegações deviam ter o mesmo número de competidores masculinos e femininos), as brasileiras dominaram 12 das 20 medalhas recebidas e ainda foram decisivas na conquista do bronze da equipe mista de judô, com a vitória de Rafaela Silva.

E mais do que o gênero feminino, o Brasil mostrou a força da sua diversidade racial, mostrando-se como um país de todos os gêneros e raças. E os pretos e pretas brasileiros, quando tiveram igualdade de oportunidade no esporte, mostraram sua capacidade. Dois dos três ouros do Brasil foram de mulheres pretas: Rebeca Andrade na ginástica de solo, contra duas pretas americanas, e Beatriz Souza, no judô. O 3º ouro foi da dupla de vôlei de praia, formada pela branca Duda e pela afrodescendente Ana Patrícia.

Nas três medalhas de prata, mais diversidade: na canoagem, destacou-se o baiano cafuzo Izaquias Queiroz, típica mistura de preto com índio; no surfe uma loura brasileira-americana branca, Tatiana Weston-Webb; e a prova maior da diversidade, o time de futebol feminino.

No bronze, brilharam as meninas da ginástica, com predomínio das pretas, e as moças do vôlei feminino, com mescla de raças. E ainda a menina cafuza Raíssa Leal, de 16 anos, no skate, e o nipo-brasileiro Japinha, no skate de rua. Outro bronze da diversidade foi o do preto Alysson dos Santos, assim como o do surfista caiçara Gabriel Medina.

Enfim, se o país tivesse mais igualdade de oportunidades, o pódio não seria dominado por brancos, e das classes mais abastadas, caso do iatismo e do hipismo, mas toda a incrível miscigenação do povo brasileiro estaria presente.



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