Se você anda reclamando da conta de luz da sua casa, é porque você não faz ideia da fatura de energia que muitas Big Techs tão pagando pra viabilizar esse boom de inteligências artificiais que a gente tem visto. Do ponto de vista tecnológico, o momento é mágico. Do ponto de vista energético, é (quase) trágico. É que tanta inovação ao mesmo tempo custa muito caro. E essa é uma conta que nem sempre pode ser paga com dinheiro.
No ritmo que a gente tem acompanhado, o consumo de energia tem tudo pra ocupar cada vez mais o centro dessas discussões. Entende o seguinte: por mais que a gente veja a internet como um conceito quase filosófico, ela é toda baseada em estruturas físicas, gigantes e mega consumidoras de energia.
Os cálculos cada vez mais avançados e complexos das novas plataformas de inteligência artificial demandam processadores e placas ultra modernas, cérebros em formato de placas verdinhas instaladas em computadores distribuídos por vários lugares do planeta e que, por conta da complexidade, exigem muita, muita energia.
A Agência Internacional de Energia calcula que um pedido simples no ChatGPT consome, por exemplo, dez vezes mais energia que uma busca no Google. O mais irônico dessa história é que as respostas geradas por essas IAs podem ajudar e muito a encontrar soluções pra problemas como, por exemplo, a própria transição energética em países como os Estados Unidos, que ainda tem a maior parte da geração de energia em fontes sujas, que emitem muitos poluentes, tipo carvão e petróleo.
Sabe-se lá qual a quantidade de gases de efeito estufa precisaria ser jogada na atmosfera pra viabilizar os cálculos que possam trazer soluções pra minimizar essas mesmas emissões… maluquice pensar nisso desse jeito!
Tanto que cabeças dessas empresas desenvolvedoras foram essa semana até a Casa Branca tentar discutir o problema com cabeças de um governo americano liderado por um presidente que nem vai concorrer à reeleição.
E olha que esse é só um grande desafio nas mesas de discussão sobre o assunto por lá. Porque, mesmo que o problema energético seja resolvido (ou encaminhado), uma outra treta ainda preocupa e muito não só os americanos: a aplicação em si de toda essa inteligência, capaz, por exemplo, de criar do zero vídeos extremamente bem feitos que colocam pessoas reais em situações que elas nunca viveram, que simula as vozes de qualquer ator, político ou cidadão comum dizendo coisas que eles nunca falaram.
Sobre essa preocupação, as comunidades tecnológica e científica apontam os olhos e ouvidos pra uma mesa específica dentro de um prédio pomposo na cidade de Sacramento, no estado da Califórnia, o mais populoso dos Estados Unidos.
Essa mesa fica no Capitólio Estadual, sede do governo do estado, onde repousa um projeto de lei que já foi aprovado pelos deputados e senadores estaduais (sim, eles têm senadores estaduais por lá) e que tá esperando pela aprovação (ou não) do governador Gavin Newsom.
Do jeito que tá, o texto pede que as empresas que desenvolverem essas plataformas façam declarações públicas informando sobre a segurança das tecnologias. É meio esquisito pensar em como as empresas vão fazer isso na prática, de um jeito que o cidadão comum entenda e sinta que as informações não foram ou técnicas demais ou rasas demais.
Se for aprovado do jeito que tá, o projeto só vai considerar desenvolvedoras as empresas que investem mais de US$ 10 milhões (quase R$ 60 milhões) nas próprias tecnologias. Esse seria um jeito de não forçar tanto a barra pra startups, que poderiam ser prejudicadas com tantas (e caras) exigências.
A lei obriga as redes sociais a retirarem do ar qualquer conteúdo que for considerado enganoso usando IA, principalmente antes e depois das eleições. Inclusive, se algum candidato usar material feito com inteligência artificial, precisa avisar isso de um jeito bastante transparente durante a campanha. E olha que essa é uma versão mais light do texto.
O rascunho original exigia, por exemplo, que as empresas tivessem tipo um “botão de segurança” pra desligar os sistemas no caso de uma revolta das máquinas ou coisa do tipo.
O sindicato dos atores é uma das instituições pressionando fortemente a aprovação desse projeto. Essa história, aliás, foi um dos principais motivos da greve no ano passado dos atores e roteiristas de Hollywood, que diziam ter medo de perder os empregos pra tecnologia.
Muitos especialistas entendem (e eu concordo com eles) que o problema não é a tecnologia, mas a aplicação que se faz dela. Proibir o funcionamento ou penalizar de um jeito firme um grande modelo de linguagem (a base dessas plataformas de IA) por causa do que ele pode fazer é meio que proibir a venda de martelos porque, se forem usados por um assassino, podem virar armas que matam.
Esse capítulo da história deve ganhar um novo parágrafo agora no fim de setembro, quando termina o prazo pro governador aprovar ou não o projeto. É importante dizer que a decisão da California só vale na California. Mas a maioria das empresas americanas de tecnologia que tão forte nessa discussão ficam lá.
Concorda que uma decisão dessa tomada no mesmo solo onde muitas dessas tecnologias são criadas tem um peso diferente?! Isso pode balizar uma federalização das discussões. E se for uma base pras discussões nos Estados Unidos, certamente vai ser uma base pro resto do mundo.
Muita energia ainda precisa ser gasta nessas discussões até que o mundo inteiro chegue num caminho razoável e (minimamente) confortável pra todo mundo. E o ponto mais curioso – e talvez preocupante – dessa história é que todo esse imenso gasto de energia é tão metafórico quanto literal.
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