Com uma população de 1,3 milhão de habitantes e uma área semelhante à do estado do Espírito Santo, a Estônia se destaca como um dos principais exemplos globais de digitalização de serviços públicos. No país, o acesso à internet é considerado um direito humano, e cada cidadão tem o controle de seus próprios dados digitais, seja nas interações com o governo ou com empresas.
Agora, o país europeu se prepara para o próximo estágio de sua transformação tecnológica. “Estamos em uma jornada para nos tornarmos a primeira sociedade de inteligência artificial (IA) e dados do mundo”, afirmou Ott Velsberg, Chief Data Officer (CDO) da Estônia, durante sua palestra na abertura do segundo dia do IT Forum Praia do Forte.
À primeira vista, o caminho já está bem traçado para a nação: hoje, cerca de 7% da população estoniana trabalha no setor de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), e quase todos os serviços públicos já podem ser acessados online pelos cidadãos — desde a renovação da carteira de motorista até a emissão do passaporte. O divórcio é uma das poucas exceções. “Para esse momento horrível, você ainda precisa estar presente para ver seu ex-marido ou ex-esposa uma última vez”, brincou Velsberg.
Apesar do cenário avançado em termos de governo eletrônico, a jornada da Estônia em dados e IA começou apenas em meados de 2018, relatou o CDO. “Nosso foco era majoritariamente em serviços eletrônicos, mas a mentalidade de dados como ativos ainda não estava presente”, explicou.
Para alcançar esse objetivo, Velsberg destacou a importância de uma colaboração próxima com o setor privado e com organizações internacionais, guiada pela visão de que todos devem se beneficiar dos dados. Além da colaboração, a confiança foi um pilar fundamental para o sucesso da estratégia. “Precisamos garantir que as pessoas confiem em como usamos e processamos dados para que isso funcione”, afirmou.
Nesse contexto, Velsberg apresentou os cinco princípios que orientam as ações do país em dados e IA: estratégia centrada no cidadão; disponibilidade; proatividade; confiabilidade; e empoderamento. “O Estado tem que estar presente para apoiar tanto empresas quanto cidadãos para garantir que sejam bem-sucedidos”, ressaltou.
Na prática, esses princípios se traduzem em ações concretas. Todo cidadão, por exemplo, tem acesso a um portal onde pode verificar quais serviços públicos estão processando seus dados e para qual propósito. Em 2021, o país lançou o “Bürokratt“, um assistente digital público interoperável que utiliza IA para facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços públicos e promover a transparência das informações. “A questão é criar confiança, mostrando aos cidadãos como e por que o governo está processando seus dados pessoais”, indicou.
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Ainda segundo Velsberg, essas ações não significam que não haja preocupações em relação à IA. No país, a tecnologia é comparada a um antigo mito do folclore local: o Kratt, uma criatura que pode ajudar as pessoas, mas também prejudicá-las. A metáfora, explicou, se encaixa com a IA. “Sim, há oportunidades, mas também riscos”, disse.
Esse risco se manifesta, por exemplo, no mercado de trabalho. O CDO compartilhou que a Estônia já prevê que dois terços dos empregos do país serão parcialmente automatizados nos próximos três anos. O impacto deve ser desproporcionalmente maior para as mulheres, que representam a maioria dos chamados “trabalhadores do conhecimento”, cujas ocupações estão em maior risco de automação.
“Para garantir que todos na Estônia tenham as habilidades necessárias para entender os riscos, estamos investindo pesadamente em alfabetização em IA”, disse. Essa iniciativa faz parte da terceira estratégia de IA do país, que será implementada entre 2024 e 2026.
Sobre o tema de regulação, Ott apontou que o país, que é parte da União Europeia, busca legislações “mínimas” como forma de garantir a acessibilidade dos dados. Outra prioridade é “testar”. “Precisamos fazer experiências com o temas e, depois, decidir se é necessário regular algo. Infelizmente, globalmente, muitos reguladores estão atuando no tema antes mesmo de algo ter sido feito”, comentou.
No caso da IA, o Bürokratt é uma destas experiências. Mais de 150 casos de uso de IA foram implementados por diversas agências públicas do país, de onde novos aprendizados estão sendo retirados para evoluir a implementação e legislação sobre o tema. “Cerca de 80% do governo está testando projetos de IA hoje. No ano passado, esse número era inferior a um terço”, destacou.
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