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“Ou nos adaptamos à inteligência artificial ou vamos ter desafios no futuro” – ECO

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Jaquelina Vieira, subdiretora de Ciência de Dados e Inteligência Artificial da Caixa, garante que no banco “a IA serve para complementar e ajudar, nunca para substituir”.

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Jaquelina Vieira foi gestora de várias agências, passou pela área de estratégia e é hoje subdiretora de Ciência de Dados e Inteligência Artificial. Teve, ela própria, de fazer formação para adquirir novas competências para poder exercer a nova função, o chamado reskilling. “Ou nos adaptamos à inteligência artificial ou vamos ter desafios no futuro”, alerta.

A responsável defende em entrevista ao À Prova do Futuro, um podcast do ECO, com o apoio do Meo Empresas, que a utilização da inteligência artificial (IA) traz uma gestão mais inteligente dos recursos humanos. Os dados permitem extrair informação para antecipar necessidades de formação ou identificar colaboradores de elevado potencial, exemplifica. Garante, no entanto, que na Caixa a tecnologia não é usada para fazer avaliações dos trabalhadores.

Jaquelina Vieira afirma que na Caixa “a IA serve para complementar e ajudar, nunca para substituir”. E espera que um dia, nas agências, os colaboradores possam “dedicar-se apenas à relação com o clientes” e terem todas as tarefas rotineiras automatizadas.

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Como é que os dados e a análise de dados estão a mudar a forma como a Caixa faz a gestão dos recursos humanos?

A gestão e a retenção de talento são um desafio para todas as organizações e na Caixa não é diferente. Os dados são um aliado importante nesta matéria, e estamos a dar passos relevantes no sentido de os utilizar para extrair insights que nos permitam antecipar necessidades de formação, identificar colaboradores de elevado potencial, promover uma cultura de carreira com significado e propósito, e, olhando para o passado, definir cenários futuros alinhados com esta perspetiva.

Consegue dar alguns exemplos concretos? Por exemplo, na avaliação de colaboradores, já é usada inteligência artificial?

Não. É um tema muito sensível. Sempre que falamos de pessoas, temos de ter alguns cuidados no desenvolvimento da inteligência artificial. O AI Act, que regula esta atividade a nível europeu, é muito claro: todos os desenvolvimentos relacionados com a avaliação de pessoas são considerados de risco muito elevado. Sendo de risco muito elevado, os desafios de desenvolvimento são complexos e é necessário um cuidado muito grande. Por isso, ainda não estamos a usar na avaliação.

Então, em que casos pode a IA ser usada?

Pode ser usada, por exemplo, para analisarmos dados de mobilidade interna, perceber por onde passou um colaborador ao longo dos anos, acompanhar o percurso profissional, ver o que acontece lá fora e tirar conclusões: “Este colaborador, com este perfil, senioridade e função, necessita de determinadas competências”.

A partir daí, atuamos de forma proativa, providenciando a formação necessária. A inteligência artificial traz uma grande mudança na forma como trabalhamos e, sobretudo, na forma como trabalharemos no futuro.

Imagino que seja um desafio grande promover a mudança cultural que esta transformação acarreta. Como é que isso se consegue?

Na minha opinião e na opinião da Caixa, não é um projeto tecnológico; é um projeto de gestão de mudança. E a cultura organizacional pode ser um vetor e um veículo para potenciar essa mudança ou pode ser um bloqueio. A minha perspetiva é que uma transformação impulsionada por inteligência artificial tem de ter as pessoas no centro. As pessoas têm de saber que continuam a ser responsáveis, a ter o papel principal.

A IA serve para complementar e ajudar, nunca para substituir. Se lhes dermos as ferramentas necessárias para desenvolver a sua atividade, sentir-se-ão mais seguras e confortáveis, e poderão ser mais proativas e eficientes no serviço ao cliente.

O ideal seria que, numa agência da Caixa, o colaborador pudesse dedicar-se apenas à relação com o cliente, enquanto tarefas rotineiras fossem automatizadas pela IA.

Mas o foco é sobretudo aumentar a produtividade dos colaboradores usando a IA?

Mais do que a produtividade, o que nós queremos é que os colaboradores adotem estas ferramentas e delas retirem o melhor partido. Cada pessoa tem a sua perspetiva. Uns usam IA no Excel, outros no Word. A nossa função é capacitá-los e dar formação para que extraiam dessas ferramentas o máximo possível, aumentando a sua produtividade, mudando a forma de trabalhar. O ideal seria que, numa agência da Caixa, o colaborador pudesse dedicar-se apenas à relação com o cliente e tudo o resto fosse feito com IA.

Acha que um dia vamos chegar aí?

Quero acreditar que sim. Nas agências e em alguns serviços centrais poderemos ajudar muito nessa tarefa, permitindo que os colaboradores se dediquem apenas à relação com o cliente, a estabelecer essa ligação e a angariar negócio.

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Isso significa automatizar que tarefas?

Porque é que um colaborador tem de preencher impressos ou bases de dados, se o cliente pode fazê-lo automaticamente? Temos leitura de cartão de cidadão, modelos que leem documentos e atualizam bases de dados. Depois, claro, há sempre o human in the loop para validar, mas sem perder tempo e podendo estar com o cliente, para o cliente, em prol de um serviço de excelência. Estamos, ainda assim, na primavera deste movimento.

E há resistência dos colaboradores a esta transformação provocada pela IA?

Há um pouco de tudo, mas os eventos que temos realizado têm sido uma agradável experiência. Fizemos uma mega-aula usando uma ferramenta que temos, com 500 pessoas no auditório da Culturgest e o feedback foi fantástico. As pessoas estão ávidas destas tecnologias e sabem que ou nos adaptamos ou vamos ter desafios no futuro. Até agora, não vi resistência, antes pelo contrário.

As pessoas gostam de fazer parte do projeto. Dou-lhe um exemplo: antes de lançarmos duas assistentes de inteligência artificial generativa para o público, uma na app e outra no site, reunimos 150 colaboradores em Lisboa e no Porto, de várias áreas, que as testaram. Foram vendo até quando a assistente lhes dizia alguma coisa que não devia. Fizeram cerca de 12 mil perguntas em três horas. Foi uma maratona, mas o feedback no fim foi ótimo. E esse é o sucesso: as pessoas fazerem parte do projeto e das mudanças.

Essa automação da relação com o cliente já vai em que nível?

Ainda numa fase embrionária. Temos duas perspetivas: na app, já é possível automatizar operações como transferências, consultas de saldo ou subscrição de cartões. E temos também a vertente, que ainda não é muito divulgada no setor bancário, que é o ‘banquês’. Responder, por exemplo, “o que é um TANG?”, “o que é uma TAE”, “o que é a Euribor?”, “como posso negociar o meu crédito habitação?”

Para estas tarefas e questões mais rotineiras faz sentido termos uma assistente digital, disponível 24 horas por dia. Já em algo mais complexo, como um crédito à habitação, podemos automatizar alguns processos em back office, mas a relação com o cliente é fundamental, para ele perceber que está a fazer uma parceria com o banco para uns anos.

Temos nas principais universidades deste país muitos colaboradores da Caixa a mudar um bocadinho a sua mentalidade e as suas competências para estarem preparados para este futuro.

Isso obriga a um esforço de upskilling e reskilling de competências. A Caixa está a fazer isso transversalmente com os colaboradores?

Lançámos um curso de “IA responsável” para todos os colaboradores, onde explicamos as vantagens da inteligência artificial, mas também os riscos e cuidados que é preciso ter na utilização destas ferramentas. Já formámos centenas de colaboradores e queremos formar muitos mais. Fazemos reskilling e upskilling com entidades parceiras.

A Caixa tem feito aqui um exercício, e eu sou um exemplo disso, de capacitação dos líderes e de colaboradores de elevado potencial. Temos nas principais universidades deste país muitos colaboradores da Caixa a mudar um bocadinho a sua mentalidade e as suas competências para estarem preparados para este futuro.

E sente que há resposta das universidades em termos de oferta de formação ou ela precisa de ser aumentada?

Há sempre coisas boas e coisas a melhorar. Mas, no geral, acho que as escolas nacionais, pelo menos as que são nossas parceiras, têm apresentado programas customizados que servem o seu propósito.

Nesse reskilling, já há pessoas de funções que se sabe que vão deixar de existir que estão a ser formadas para desempenharem funções diferentes?

Eu própria sou um exemplo: sempre fui gestora e fiz uma mudança para a inteligência artificial. Tive de fazer reskilling e abraçar este novo desafio. Estamos também a formar colaboradores em áreas novas, como programação, em parceria com a Escola 42. Quem quiser, pode aproveitar.

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Falou de liderança. Isto muda também o perfil que um líder deve ter?Hugo Amaral/ECO

Sem dúvida. Acho que passamos de uma liderança hierárquica para uma liderança mais voltada para servir as equipas: desbloquear processos, arranjar recursos e ter uma visão motivadora para um propósito comum. Este percurso tem altos e baixos, há dúvidas, vemos notícias sobre substituição de pessoas… Mas acredito que a liderança pode ter um papel catalisador, mostrando o lado vantajoso desta transformação para as pessoas e para os profissionais.

O líder tem de fazer um upgrade de mentalidade e competências: gerir o mundo da ciência, dos dados e da tecnologia sem abdicar da essência, que é liderar pessoas. Quando consegue fazer esse cruzamento, tem tudo para ganhar.

Recusamos desenvolver projetos que possam gerar enviesamentos ou discriminação. Só avançamos quando os modelos nos dão transparência e auditabilidade.

Há pouco falou da questão da ética na utilização da inteligência artificial, que passa por evitar enviesamentos e violação da privacidade. Como é que a Caixa lida com este tema?

Criámos, em conjunto com várias direções — compliance, auditoria, risco — uma política de inteligência artificial para toda a Caixa. O AI Act classifica os riscos em três níveis. Os proibidos, que incluem tudo o que seja o uso discriminatório de dados biométricos. Os de risco muito elevado, como profiling ou análise de CV. Tem havido casos de empresas que adotaram esses desenvolvimentos e depois perceberam que havia enviesamentos, porque no histórico dizia que os homens eram melhores [naquelas funções] do que as mulheres.

Recusamos desenvolver projetos que possam gerar enviesamentos ou discriminação. Só avançamos quando os modelos nos dão transparência e auditabilidade. A governação e o risco estão sempre em cima da mesa. O último risco, que é o risco mais baixo, é aquele em que uma assistente só dá informações de produtos e serviços.

Existem objetivos para o número de operações que querem automatizar?

Todos os desenvolvimentos na Caixa seguem cinco princípios: visão estratégica e foco no negócio, um stack tecnológico seguro, talento e cultura, gestão de risco e escalabilidade. Temos milhares de processos que já são lidos automaticamente. Por exemplo, nas candidaturas do PME Líder, já temos um modelo que lê os campos que são necessários e alerta se faltar algum. Não faz sentido o colaborador submeter uma candidatura que vem incompleta.

E olhando para o futuro, que casos de uso poderão vir?

Muitos. Não obstante o risco, que está sempre em cima da mesa, acho que o céu é o limite. De recursos humanos há ‘n’ coisas que podemos fazer. Sei que há casos de uso e análise de currículos, mas na Caixa não estamos fazer. Algo mais simples, por exemplo, o onboarding dos colaboradores, que é uma dificuldade nas instituições grandes. Porque não lançar um agente que diz que tem ‘x’ dias de férias, mas também que ajude a perceber a cultura da Caixa?

No fundo haver não só um agente para os clientes mas haver também um para os colaboradores. Isso é um objetivo?

Poderá ser, sim. Poderá começar por ser um agente de suporte comercial para os colaboradores que estão em frente ao cliente terem à mão. Sim, está no radar. E isso faz-me todo o sentido para acelerar aqui o processo e aumentar o potencial de venda.

A Jaqueline é mulher e está à frente de uma área tecnológica. Acredita que isso vai deixar de ser uma exceção e vamos ter cada vez mais mulheres nesta área?

Sem dúvida. A ver pelo número de mulheres nas universidades, é para aí que caminhamos. Mas ainda há um caminho a percorrer. Eu fui a uma sessão há pouco tempo em que, efetivamente, diziam, e com alguma razão, que as mulheres têm tendência a terem mais receios. Queremos tudo mais perfeito, mais certinho, e isso atrasa o primeiro passo. Mas não devemos ter medo de falhar. Tal como os homens, podemos falhar. Está tudo certo. Acho que está ao alcance de todos.

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