popularidade do governo cai abaixo de 50%

As últimas pesquisas de avaliação do governo argentino e confiança no projeto econômico do presidente Javier Milei acenderam uma luz amarela na Casa Rosada. Pela primeira vez desde que Milei assumiu o poder, em 10 de dezembro de 2023, o índice de desaprovação do governo — e não a imagem negativa do chefe de Estado — atingiu 50%. Em algumas sondagens, já são quatro meses seguidos de queda na avaliação do governo.

O declínio, afirmaram ao GLOBO analistas locais, começou com a implementação de uma das medidas de ajuste mais dolorosas para as classes mais baixas: o fim dos subsídios às tarifas de serviços públicos, sobretudo luz e gás.

Milei está aplicando o ajuste mais forte já vivido pela sociedade argentina em 65 anos, apontou recente estudo da Fundação Mediterrânea. O impacto dessa “terapia de choque” está começando a aparecer em pesquisas de opinião pública, entre elas as realizadas pela Universidade Di Tella e a empresa de consultoria Proyección.

— Vemos nas entrevistas focais que eleitores de Milei consideram o ajuste excessivo, e avliam, também, que o custo desta política está sendo pago principalmente pelos que menos têm — aponta Santiago Giorgietta, diretor da Proyección.

Arrependimento de eleitores de Milei

Nos mesmos grupos focais, acrescentou o analista argentino, “já vemos vários eleitores de Milei arrependidos”.

— Os primeiros arrependidos apareceram em julho, com frases como “o ajuste implica perder a liberdade”— comenta Giorgietta.

Em seu monitoramento mensal de setembro, o governo Milei obteve, pela primeira vez, 50% de desaprovação. Na mesma pesquisa, 50% dos entrevistados disseram acreditar que sua economia familiar vai piorar nos próximos seis meses, e 52% reconheceram que suas famílias foram obrigadas a se endividarem no último mês para cobrir gastos domésticos.

As três principais preocupações dos argentinos, mostra o estudo, são a inflação, os baixos salários e as tarifas e tributos.

Giorgietta cita o caso de sua mãe, uma aposentada, como exemplo do preço pago pela classe média argentina pelo ajuste de Milei. No começo do ano, a aposentada pagava 12 mil pesos (R$ 54,5, na cotação paralela) de luz por bimestre. A última conta foi de 132 mil pesos (R$ 600).

Milei em ato oficial na Argentina — Foto: AFP
Milei em ato oficial na Argentina — Foto: AFP

E não há segurança energética no país. O ministro do Interior, Guillermo Francos, admitiu, em recente fala no Congresso, que o país enfrenta dificuldades no setor e deverá aplicar apagões programados no verão, período em que a demanda aumenta com uso intensivo de ar-condicionado.

Aos 78 anos, o aposentado Reinaldo Luis Urcola, que integra o movimento Aposentados Insurgentes, afirma que “depois de uma sucessão de governos ruins, e de Milei é o mais difícil de todos para nós”.

— Nos últimos anos tive de vender um carro, joias da família e objetos pessoais. Como num refeitório para aposentados, hoje a meta é sobreviver — diz Urcola, que recebe a aposentadoria mínima, atualmente de 234 mil pesos (R$ 1.063).

O presidente acaba de vetar uma mudança na lei que estabelece o regime de aposentadorias no país, e que previa um reajuste de 8,2%, retroativo. Com o veto presidencial, o aumento foi de apenas 4,2%.

— O governo quer usar o dinheiro para pagar dívidas, e não ajudar os aposentados — questionou Urcola.

Avaliação pior do que de Fernández e Macri

A mesma pesquisa da Proyección indicou que 64,7% dos argentinos se opuseram ao veto presidencial, e apenas 25,2% o apoiaram. No mesmo período, o índice de confiança no governo medido pela prestigiada Universidade Di Tella sofreu queda de 14,8% em relação a agosto, atingindo o nível mais baixo desde o início do governo Milei: 2,16 pontos, numa escala de 0 a 5.

A pontuação do governo argentino está abaixo da alcançada pelos ex-presidentes Mauricio Macri (2015-2019) e Alberto Fernández (2019-2023), após os primeiros nove meses de gestão.

O clima no país está se tornando cada dia mais adverso para Milei. A apresentação do projeto de Orçamento para 2025 no Congresso, no domingo 15 de setembro, não teve a audiência televisiva esperada pelo governo, e colheu críticas entre os empresários, sobretudo pelo aumento de alguns impostos, entre eles as retenções (cobradas sobre as exportações).

O representante de uma importante empresa com operações no país afirmou ao GLOBO que “o governo Milei está concentrado na macroeconomia, mas descuida a microeconomia. Uma das medidas foi abrir a economia, receber mais importações, mas sem cuidar da produção interna. Aqui ninguém fala em como melhorar a produtividade, o governo apenas exige que os empresários reduzam os preços”.

Em recente encontro entre empresários e o ministro da Economia, Luis Caputo, o recado do político, comentou outra fonte do setor privado, foi justamente esse: pedir confiança e redução de preços internos. Mas Caputo, acrescentou a fonte, não deu respostas sobre demandas cada dia mais fortes, entre elas a de suspender o chamado “cepo cambial”, e liberar as operações no mercado de câmbio.

A falta de confiança não está crescendo apenas nos setores de classe média e média baixa, também entre empresários e investidores. Na última segunda-feira, quando Milei visitou a Bolsa de Valores de Nova York, as ações e bônus argentinos fecharam em queda. O presidente reiterou que só liberará o câmbio quando zerar a inflação mensal, meta que, hoje, parece difícil de ser alcançada.

Até mesmo o Papa Francisco criticou recentemente o governo Milei, em matéria de política de segurança e ajuda social:

— Me mostraram [um vídeo sobre] a repressão… trabalhadores que pediam por seus direitos na rua. A polícia os enfrentava com uma coisa cara, o gás pimenta, de primeira qualidade… o governo ficou firme e em vez de pagar a justiça social pagou o gás pimenta.

A Casa Rosada evitou respondeu, segundo versões publicadas pela imprensa local, por ordem expressa de Milei.

A recessão em que está mergulhada a Argentina continua se aprofundando. Com uma inflação mensal que se mantém em torno de 4%, em agosto passado as vendas dos supermercados do país caíram 17,2%, frente ao mesmo período de 2023, pior resultado para o mês de agosto nos últimos dez anos, mostrou pesquisa da empresa de consultoria Scentia.

De acordo com o mesmo trabalho, entre janeiro e agosto, a queda acumulada do consumo dos argentinos já chegou a 10%, frente ao mesmo período do ano passado.

Esse, entre muitos outros dados, explica o surgimento dos primeiros arrependidos, um fenômeno que poderia complicar o governo Milei nos próximos tempos.

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