da Agência iNFRA
A Bienal de Rodovias 2024 reuniu mais de 3 mil pessoas e teve mais de 30 mesas de debates ao longo nos dias 7 e 8 de agosto em Brasília (DF), mas foi um tema que dominou o público e fez com que faltasse cadeira para todos que queriam assistir: como será feito o Procedimento Competitivo Simplificado para levar a mercado os contratos de concessão que passarem por repactuação.
O painel “Tópicos Sobre o Consenso: Procedimento Competitivo Simplificado nas Otimizações Contratuais” teve a mediação do diretor Guilherme Sampaio, da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Já os debatedores eram a diretora jurídica da CCR, Renata Simas, o procurador da ANTT, Milton Gomes, a secretária de Rodovias do Ministério dos Transportes, Viviane Esse, e o secretário da Secex Consenso do TCU (Tribunal de Contas da União), Nicola Khoury.
Com vários integrantes dos processos de repactuação no painel, a expectativa de mais de uma centena de pessoas que acompanhava era ter “spoilers” de detalhes de como será o procedimento que foi acordado na mesa de negociação da primeira concessão de rodovias que passou por esse processo, a da Eco101, do grupo EcoRodovias, no TCU. Reportagem a Agência iNFRA de junho explicando o modelo está neste link.
Mas o direcionamento para o sigilo seguiu sendo cumprido e praticamente não foram apresentadas informações sobre o processo pelos participantes da mesa. Se não deram maiores informações, os agentes públicos do painel receberam boa parte das dúvidas e questionamentos que circulam entre agentes do mercado, tanto de possíveis novos competidores e investidores como de empresas que estão participando das repactuações.
O porta-voz dessas dúvidas foi o sócio da Dutra e Associados Advocacia, José Cardoso Dutra Júnior. Segundo ele, a execução desse tipo de processo vai depender de procedimentos que não estão definidos e não são simples de serem implementados, o que pode levar a risco de demora. Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, a secretária Viviane Esse chegou a falar de o primeiro leilão ocorrer em novembro deste ano.
Pelo lado de quem quer competir pelos projetos, Dutra apresentou questionamentos sobre como será o modelo de duo diligence e se o prazo será adequado para esse procedimento de avaliação dos dados da concessão.
Segundo apurou a Agência iNFRA, no início a expectativa era que esse processo durasse na casa dos 30 dias, mas esse prazo foi duramente criticado por pessoas que foram consultadas. Agora esse número já estaria se aproximando dos 70 dias.
Dutra alertou ainda sobre como será feita a chamada proposta final por parte do atual concessionário, que poderá apresentá-la caso alguma empresa faça uma oferta. Ele também lembrou que as concessões estão em estágios diferentes e que por isso ter um processo igual para todas pode não ser o mais apropriado.
Outra dúvida apresentada por ele foi sobre se o que vai a leilão é a SPE (Sociedade de Propósito Específico) criada para a concessão ou o contrato, o que muda o formato como um novo entrante avalia o ativo, especialmente em relação a dívidas que tenham sido adquiridas pela SPE.
Olhando o lado de quem está nos contratos, o advogado lembrou que é necessário ter mecanismos para evitar a entrada de “aventureiros” nesses leilões que podem fragilizar os acordos que foram negociados a depender das propostas que apresentem.
Entre os agentes do setor há temores tanto em relação a que o processo seja simples ao ponto de inviabilizar uma real disputa pelo ativos como que seja complexificado ao ponto de alongar o processo ao ponto de criar insegurança e torná-lo tão longo como foram outras tentativas de solução.
Risco moral e risco reputacional
Dutra, que defende concessionárias em alguns processos na consenso, disse que entende a necessidade do modelo de leilão, mas defendeu que, para ele, o risco moral já estaria afastado com a governança do processo que está sendo realizada pelo TCU.
A diretora jurídica da CCR afirmou que a empresa sempre foi a favor de que as repactuações passassem pelo procedimento de competição ao fim do processo de repactuação, como forma de dar transparência, segurança jurídica ao processo, evitar o chamado risco moral aos agentes públicos e o risco reputacional para as empresas.
Se os participantes deram poucas novas informações sobre o tema, eles usaram seu tempo para defender a solução consensual para esse tipo de contrato e apontar suas vantagens sobre outras que foram testadas no setor e não funcionaram.
Igualdade de oportunidade e transparência
Milton, o procurador da ANTT, associou o modelo de comando e controle que tem definido as relações entre os setores público e privado nos contratos de concessão a uma herança do período de ditadura militar no país e que a implantação de um novo modelo tem dificuldades para ser aceita por estar em construção.
Ele lembrou ainda que, apesar de estar claro que é inevitável renegociar contratos de parceria de longo prazo, não há por exemplo lei específica que discipline isso e que o desenvolvimento de como adotar esses procedimentos está sendo feito com os diversos modelos de repactuação, entre eles o do TCU.
O procurador explicou que o processo de seleção que está sendo criado visa a melhor proposta para o Estado e que a intenção é não ter viés “nem a favor de ficar ou de sair do contrato”, indicando foco em modelar o leilão com igualdade de oportunidades e transparência.
Ainda segundo ele, a ideia é que a norma que sair do processo que vai levar a esse leilão privado, que será feita dentro de um processo de sandbox regulatório da agência, depois seja incorporada ao normativo de concessões e vire mais um instrumento para melhoria de contratos do setor.
“Não é bala de prata”
O diretor da ANTT Guilherme Sampaio afirmou que outras ferramentas como a caducidade, a troca de controle societário assistida, o regime de recuperação regulatória, a Câmara Compor e a relicitação continuam a ser caminhos válidos para os contratos rodoviários.
O modelo de consenso é um processo que está em construção e que pode ser o caminho para solucionar processos complexos, mas que não é bala de prata para resolver todos os problemas, na visão de Nicola Khoury, do TCU. Lembrando das críticas ao modelo, ele disse que nelas não aparecem soluções para os problemas que levam à morte de pessoas nas rodovias.
Viviane Esse revelou que desde o início da gestão o ministro Renan Filho indicou a necessidade de solucionar os contratos desequilibrados, porque isso afasta investidores do país. Para a secretária, quando o procedimento é explicado, os interlocutores têm aceitado o modelo. Viviane disse também que o risco moral nesse processo é deixar tudo como está.