Mesmo com o congelamento de R$ 15 bilhões em despesas que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se viu obrigado a fazer para cumprir a meta fiscal deste ano, o Ministério da Fazenda ainda trabalha em medidas visando o equilíbrio das contas públicas pelo lado das receitas – essencialmente, aumentos de impostos.
No primeiro dia deste mês, por exemplo, entrou em vigor o aumento da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre cigarros. No fim de julho, teve início a cobrança do Imposto de Importação de 20% sobre compras do exterior de até US$ 50, a chamada “taxa das blusinhas”.
Adiante, o Executivo não descarta elevar, via decreto presidencial, tributos “extrafiscais” para garantir a meta fiscal de 2024, segundo fontes da equipe econômica informaram à agência Reuters. E, com vistas à meta de 2025, o governo propôs aumento de dois impostos, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente nos Juros sobre Capital Próprio (JCP).
Desde o início do atual mandato de Lula, empresas e pessoas físicas já foram afetadas por uma série de elevações de alíquota, extinção de benefícios tributários e novas regras de incidência de impostos. As medidas geraram uma onda de memes envolvendo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que ganhou a alcunha de “Taxad”.
Graças às medidas arrecadatórias e ao crescimento econômico, a arrecadação federal registra forte alta neste ano. Nos sete primeiros meses do ano, a receita líquida – após as transferências constitucionais a estados e municípios – aumentou quase 9% em termos reais. Não foi o suficiente para levar as contas para o azul: no período, a União registrou déficit primário de R$ 78 bilhões.
Confira a seguir algumas das próximas apostas do governo para aumentar a arrecadação.
Reoneração da folha de pagamento de municípios e de setores econômicos
Uma das principais frustrações de Haddad em seu plano para zerar o déficit primário em 2024 foi a prorrogação até 2027 da desoneração da folha de pagamento, aprovada pelo Congresso no fim do ano passado.
Mais do que prolongar o benefício, considerado uma herança “maldita” do governo de Dilma Rousseff (PT), os parlamentares ainda o estenderam a prefeituras de municípios com até 156,2 mil habitantes, que tiveram alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha reduzida de 20% para 8%.
A proposta ainda foi vetada integralmente pelo presidente Lula, mas, em nova derrota do governo, o veto foi derrubado. A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, está entre os setores beneficiados pela prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.
No dia 28 de dezembro de 2023, em meio ao recesso legislativo, o governo decidiu editar a controversa MP 1.202, estabelecendo a reoneração gradual da folha salarial tanto de empresas quanto de municípios beneficiados até que o benefício fosse extinto ao fim de 2027.
Mas a reação negativa dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que ameaçaram derrubar o texto, fez com que Haddad recuasse mais de uma vez e aceitasse encaminhar as medidas por meio de projetos de lei, que dependem da análise de ambas as Casas legislativas.
Em outra frente de batalha, Haddad conseguiu uma liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com a desoneração da folha de pagamento tanto dos 17 setores quanto dos municípios beneficiados.
O próprio governo, no entanto, pediu ao STF para suspender a ação após acordo com o Congresso, por meio do qual se tentará um projeto alternativo. A primeira proposta do Ministério da Fazenda, apelidada de “MP do Fim do Mundo” e que restringia o uso de créditos de PIS e Cofins, porém, foi rejeitada pelo Legislativo.
Após pressão de empresários e parlamentares de oposição, apenas uma semana depois de publicada em Diário Oficial, a MP foi devolvida pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco. O senador já havia demonstrado insatisfação a Lula e Haddad com o fato de o tema ter sido tratado via medida provisória.
Pacheco e líderes partidários assumiram o compromisso de apresentar um pacote com alternativas para a desoneração da folha. O projeto já foi aprovado no Senado e tramita em regime de urgência na Câmara, onde pode ser votado nesta semana.
Fim de benefícios tributários para o setor de eventos
A mesma MP 1.202 que gerou tensão entre o Ministério da Fazenda e o Congresso estabelecia ainda também previa o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído em 2022, no governo Bolsonaro, para mitigar os impactos econômicos da pandemia de Covid-19 em empresas do ramo.
Pressionado por parlamentares e empresários, o governo recuou também na medida, retirando o trecho que extinguia o programa da MP e encaminhando projeto de lei no mesmo sentido.
Encaminhado sob o PL 1.026/2024, a proposta foi aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula. Porém, em vez de acabar com o programa até 2025, como pretendia Haddad, a lei prevê sua duração até o dezembro de 2026.
Por outro lado, reserva um limite de R$ 15 bilhões para a desoneração de empresas do setor e reduz de 44 para 30 os tipos de atividades econômicas atendidas.
Aumento na CSLL e na taxação de JCP
No fim de agosto, na véspera do envio do Orçamento de 2025, o governo mandou ao Congresso projeto para elevar alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente nos Juros sobre Capital Próprio (JCP).
No caso do JCP, o IRRF passaria de 15% para 20%, por prazo indeterminado. A alta da CSLL seria temporária, valendo para o exercício de 2025, com aumento:
- de 20% para 22% na alíquota sobre bancos;
- de 15% para 16% na alíquota sobre empresas de seguros privados, capitalização e algumas outras instituições financeiras; e
- de 9% para 10% na alíquota cobrada das demais pessoas jurídicas.
Aumento em tributos “extrafiscais”
Segundo a agência Reuters, integrantes do Ministério da Fazenda avaliam elevar tributos de caráter “extrafiscal” para assegurar o cumprimento do objetivo fiscal de 2024 – que é de déficit zero, com tolerância de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). O próximo relatório bimestral de receitas e despesas sai no dia 20, e nele o governo vai informar se precisa de medidas adicionais como essas para bater a meta.
Tributos extrafiscais são aqueles que, ao menos na teoria, não têm como principal objetivo a arrecadação. A finalidade deles é de regulação, para incentivar ou desincentivar determinadas atividades econômicas ou transações. Fazem parte dessa lista impostos sobre importação (II), exportação (IE), operações financeiras (IOF) e produtos industrializados (IPI).
Ao contrário do que ocorre com outros tributos, os extrafiscais podem ser elevados via decreto presidencial, sem necessidade de aval do Legislativo.
Imposto de Renda sobre lucros e dividendos
Na segunda etapa da reforma tributária, que será concentrada na tributação da renda, o governo deve propor a taxação de dividendos, parcela do lucro de sociedades anônimas distribuídas a acionistas e que é isenta de IR desde 1995.
“Muito provavelmente haverá o retorno da tributação de dividendos, junto com a redução da tributação da empresa”, disse o secretário especial para a reforma tributária, Bernard Appy, em agosto do ano passado, durante participação em evento organizado por sindicatos de auditores fiscais. Ainda não há, no entanto, uma previsão de alíquota para o rendimento.
Segundo declarou Haddad no último dia 25, algumas propostas para a reforma do IR estão sendo preparadas para serem levadas à análise de Lula.
Em 2021, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a encaminhar um projeto de lei que reformava a tributação sobre renda e previa a taxação de dividendos. Mas o texto, aprovado após diversas modificações na Câmara, não avançou no Senado.
A proposta de Guedes era taxar dividendos em 20% e reduzir a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) em 5 pontos porcentuais, de 15% para 10%. Na Câmara, no entanto, a tributação do lucro distribuído foi reduzida para 15% e o corte no IRPJ, elevado para 7 pontos porcentuais. Além disso, a versão que foi encaminhada ao Senado previa uma redução de até um ponto na alíquota da CSLL.
Em julho do ano passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não deve lançar mão do texto parado no Senado. “Não devemos aproveitá-la, não. Nesse caso é lei ordinária, não é PEC [proposta de emenda à Constituição]”, explicou.
Imposto mínimo de 15% sobre lucro de multinacionais
A nova etapa da reforma tributária também pode incluir um imposto mínimo efetivo de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil, uma medida negociada internacionalmente sob a coordenação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e já adotada em pelo menos 55 países, incluindo os da União Europeia.
Embora a alíquota de impostos sobre lucro de empresas no Brasil (IRPJ e CSLL) chegue a 34%, parte das multinacionais conta benefícios fiscais ou deduções na base de cálculo que derrubam a alíquota efetiva para menos de 15%.
Imposto sobre as big techs
Na última quarta-feira (28), o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse que o governo pretende enviar ao Congresso, ainda neste ano, uma proposta para taxar as grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs.
Segundo as primeiras estimativas da equipe econômica, a taxação das big techs deve render cerca de R$ 5 bilhões por ano. O secretário disse que a medida é um dos pilares de recomendações da OCDE. Não está claro se o imposto sobre as big techs é o mesmo citado no item anterior, a taxação mínima de multinacionais.
Imposto global sobre patrimônio de bilionários
O governo Lula estuda ainda um modelo de taxação de super-ricos que também precisaria ter alcance global para evitar a fuga de capital para paraísos fiscais. A ideia foi apresentada por Haddad no fim de fevereiro, durante reunião de ministros e presidentes de bancos centrais do G20 realizada em São Paulo.
Para desenhar a proposta, o governo contratou o economista francês Gabriel Zucman, professor assistente da Universidade da Califórnia Berkeley que lidera o EU Tax Observatory. Segundo o think tank, um imposto mínimo global de 2% sobre bilionários poderia arrecadar US$ 250 bilhões (mais de R$ 1 trilhão) por ano em todo o mundo. Zucman reconhece, no entanto, que a ideia não é fácil de ser executada e pode levar anos para se concretizar.
A necessidade de se discutir esse tipo de tributação foi reconhecida em um documento divulgado na sexta-feira (26), ao fim da 3ª reunião de Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais do G20, realizado no Rio de Janeiro. Atualmente sob a presidência do Brasil, o G20 reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana.
Nos estados: taxação de previdência privada transmitida por herança
O esforço arrecadatório não se limita ao governo federal. Estados também buscam aumentar suas receitas.
Em um dos projetos de lei complementar (PLPs) que regulamentam a reforma tributária, deputados decidiram incluir a autorização a estados para a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre aplicações em planos de previdência privada transmitidos por meio de herança.
A ideia já constava de uma versão preliminar do projeto elaborado pelo Ministério da Fazenda, mas foi retirada do texto após vazar para veículos de imprensa e repercutir negativamente.
A intenção da proposta aprovada pela Câmara – que ainda será avaliada pelo Senado – é uniformizar nacionalmente a cobrança do ITCMD sobre a transferência de recursos aplicados em planos de previdência privada. Hoje, por serem considerados uma espécie de seguro, planos do tipo VGBL em geral não são taxados quando transferidos.
Já sobre a modalidade PGBL há regras diferentes dependendo do estado, e está sob análise do STF uma definição sobre a incidência do tributo nesse tipo de aplicação. O julgamento começou dias atrás, no plenário virtual, e foi interrompido após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Por ora, o placar é de três votos a zero contra a incidência do ITCMD sobre os planos de previdência privada.
Segundo o texto aprovado na Câmara, o ITCMD passará a incidir sobre “aportes financeiros capitalizados sob a forma de planos de previdência privada ou qualquer outra forma ou denominação de aplicação financeira ou investimento, seja qual for a modalidade de garantia”.
Ou seja, caso a versão dos parlamentares seja aprovada, tanto planos PGBL quanto VGBL poderão ser tributados. No caso dos contratos VGBL, no entanto, somente estarão sujeitos à taxação os que tenham prazo inferior a cinco anos, contados da data do aporte até a ocorrência do fato gerador (transmissão da herança).
Ficam de fora os chamados contratos de risco, semelhantes a seguro de vida e nos quais a indenização paga aos beneficiários não tem relação com o valor aportado.